quinta-feira, 5 de abril de 2012

príncipe dos nanicos

Senti a morte de Millôr Fernandes (1923-2012). Eu não concordava o tempo todo com ele. Mas a gente não precisa concordar 100% para gostar de uma pessoa. O equívoco de apreciar apenas os que pensam como a gente, não cometo mais. Creio que agir desse modo é uma maneira de viver, não só no discurso, a tão desejada diversidade.

A morte de Millôr me fez recordar dos meus anos de leitora do Pasquim, jornal que ele abrilhantou. Para quem não teve a oportunidade: o tablóide nasceu no Rio de Janeiro em junho de 1969. Imagine o contexto: o AI-5 havia sido decretado em dezembro do ano anterior. Perceba a ousadia de lançar uma publicação atrevida no meio das botas.

O Pasquim morreu antes de morrer. Oficialmente, ele durou vinte e dois anos. Mas na realidade foi importante nos seus primeiros cinco anos. O que dá uma lição: os projetos inovadores têm uma duração efêmera, depois tendem a se institucionalizar. Aí eles se tornam enfadonhamente previsíveis.

Millôr ao lado do Tarso de Castro, Ivan Lessa, Paulo Francis, Sérgio Augusto, Sérgio Cabral formavam a boa turma da máquina de escrever. Como disse o Jaguar: "O Pasquim tirou o paletó e a gravata do jornalismo brasileiro". A turma também criou entrevistas memoráveis. Sem edição, deixavam o papo rolar para delícia e espanto dos leitores.

Jaguar foi quem deu o nome Pasquim ao nanico, se antecipando aos detratores. Além dele, nos desenhos estavam Claudius, Prósperi, Henfil, Fortuna, Ziraldo, Juarez Machado. O que o jornaleco tinha de bom? A irreverência do texto, o humor das charges e tiras, a postura genial de acreditar no riso em tempos absolutamente sisudos.

Sisudo do lado da direita que mandava no país, prendia, torturava e matava seus opositores. Sisudo do lado da esquerda organizada que achava que os tempos não eram para fazer graça, e muito menos cosquinhas nas páginas impressas.

Fala-se muito que o Pasquim era Ipanema. Eu não o percebia assim. Garota de treze anos, eu o lia na barca Rio-Niterói. Trajeto que nada tinha a ver com Ipanema. Para mim, o Pasquim era imenso. Ele era o Brasil inteligente. Um sopro de invenção com cheiro de tinta fresca.

Seus redatores, em particular Paulo Francis, me encantavam. Eu não entendia tudo o que eles escreviam. Mas sentia o estilo. Intuía a força de um texto que queria ser texto e, não só, como aconteceria depois na imprensa, um mero veículo para as ideias circularem. Havia prazer na escrita e nos cartuns.

Visto com meu olhar de hoje, muita coisa me desagrada no Pasquim da minha adolescência. A redação era um clube do bolinha. Havia um machismo que aparecia aqui e ali, e um certo preconceito contra os gays. O que nos dá outra lição: por mais inspirada que uma equipe seja, ela não transcende a sua época. Com as honrosas e raras exceções, é claro.

Essa crônica começou evocando o Millôr Fernandes. Nada mais justo que termine com ele. O cara de mil talentos e "livre como um táxi" escreveu, traduziu, desenhou. Percebeu a força da internet antes de muita gente. Foi um frasista de pena cheia. Autor de um haikai que carrego decorado: "Esnobar / É exigir café fervendo / E deixar esfriar".

Evoé, Millôr!

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

3 comentários:

  1. Tempos sisudos, que lembramos para não esquecer... e jamais repetir. Mas o Pasca era o Pasca. E Millor é Millor.

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  2. Anônimo2:47 PM

    Graças a alguma força elemental - talvez a Sorte - ninguém nunca me disse "eu penso igual a você". E eu bem que procuro a chamada "minha turma", mas mal se forma um grupo eu sinto que não é bem aquilo que quero para o meu futuro, e busco uma nova perspectiva. Leio seu texto como li o Pasquim, como estudei o Millor: quero conhecer sua perspectiva, aquilo que lhe dá a dinâmica para continuar. Salve Millor. Mas hoje, salve Fernanda. Beijos jsavio

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  3. Anônimo9:28 AM

    gostei, querida !!!!
    Da República Dominicana com muito carinho para vocês
    Seu amiga de sempre !!! ver vocês em Sampa pronto!!!

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