sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Cadê a minha vaga?



por Júnia Puglia       ilustração Fernando Vianna*

Quando alguém ataca de “no meu tempo” não era assim, era assado, tudo era muito melhor etc., me dá uma preguiça danada. Mesmo que a pessoa seja um tanto mais velha que eu, sempre acho que o tempo de quem está vivo é agora. Se, no entanto, disser que “trinta anos atrás os computadores não dominavam a nossa rotina como hoje” e outras constatações sobre a inevitável passagem do tempo, vou concordar com muitas delas.

Um das boas que têm frequentado as conversas Brasil afora é “no meu tempo, empregada doméstica se vestia de empregada, não tirava férias e nem pensava em viajar de avião”. Outra: “no meu tempo, era fácil estacionar; hoje em dia, está impossível encontrar vaga, depois que todo mundo comprou carro em sessenta prestações”. Mais uma: “antigamente, só vinha gente bonita nesse shopping; agora, dá de tudo”. É, minha gente, os últimos anos viraram nosso mundinho classe média de pernas pro ar.

Quinze anos atrás, as filas de check-in nos aeroportos, bem como as salas de embarque e os aviões, eram territórios demarcados de homens brancos engravatados, quase sempre viajando a trabalho. Éramos poucas mulheres, umas gatas pingadas, as exceções que confirmavam a regra. Aeroporto não era lugar de multidão e caos, pois cabíamos todos, e éramos quase sempre bem adestrados.

Neste nosso tempo de hoje, seu, meu e de todo mundo que respira, as cartas se embaralharam mesmo. Sabe por que? Os pobres e incultos de ontem estão comendo, estudando e acessando informação como nunca. Em consequência, a miséria vai ficando pra trás, num caminho sem volta dos mais virtuosos, que tenho o privilégio de acompanhar no meu tempo. Se nenhuma catástrofe política, econômica, institucional ou natural se interpuser, as próximas gerações terão da miséria e das privações apenas uma vaga lembrança.

Sua vaga de estacionamento sumiu? Seu assento fica bem no meio daquele animado grupo de cinquentonas que pisa num avião pela primeira vez, rumo a Lisboa, e com enorme dificuldade encontra seus lugares e acomoda dezenas de malas, bolsas e sacolas? Ficou chocado com a quantidade de formandos negros no curso de arquitetura do seu filho? Trate de se acostumar e encarar com bom humor, porque aquele cada um no seu quadrado “de antes” já era, e vem muito mais por aí. Este é o nosso tempo, que, da minha parte, é mais do que bem-vindo.

* Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto

5 comentários:

  1. Quando alguém se refere a "naquele tempo.....", sempre me remeto ao tempo e lugar da exclusão social. De fato, o incômodo está em dividir lugar com outros. Outros humanos, outros gostos, outras músicas (?). A diversidade é senhora da democracia. Viva o sonho!
    Abraços,
    Carlos

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  2. Anônimo9:29 AM

    Pois no meu tempo não era assim mesmoooo !!! Hoje tenho certa dificuldade de adaptação a esses novos tempos com seu excesso de tecnologia e informações que entopem a cabeça do que ainda teimam em aprender as quatro operações básicas da matemática.Basta o menininho acessar a maquininha e....pronto.
    Minha vaga no estacionamento ? Excesso de carros,nada bem-vindo,pois nossas ruas não comportam.Quando muito acho um cantinho na vaga de idoso, nem sempre respeitada pelos jovens donos da alta tecnologia.
    Respeito os tempos modernos,sim, o desenvolvimento da aldeia global mas, onde fica o tempo dedicado à leitura saudável, ao bom convívio social, se todo mundo está ocupado nas
    maquininhas infernais ?
    BJS DA MUMMY DIRCIM

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  3. Anônimo10:41 AM

    Esqueceu de uma coisa, no fim a culpa sempre será do Lula e da dilma rs.

    ótimo texto

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  4. Anônimo11:24 AM

    Mas tem coisas também que só se viam 'naquele tempo', como respeito aos direitos do próximo, um bom dia sem má vontade no elevador, entre outros. Ao mesmo tempo que o Brasil 'avançou' no quesito acesso à informação, tecnologia e bens de consumo, tem outros quesitos que parecem que estamos regredindo cada dia mais.

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  5. Carlos Conte5:12 PM

    bom texto. mas concordo em parte. não sou tão otimista assim: ainda há muitos pobres e miseráveis neste país, apesar dos programas sociais dos últimos governos. há uma inflação de diplomas universitários? mas e a qualidade do ensino?...

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