sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Desvestimenta breve


por Júnia Púglia      ilustração Fernando Vianna*

Nos idos de 1990, passei umas férias em Florianópolis, num bairro meio isolado, o Campeche, então uma pequena comunidade com jeitão alternativo, cortada por ruas de terra e sem sinal de televisão, por decisão dos moradores. Minha amiga e eu nos hospedamos na casa de uma professora universitária, que, com toda naturalidade, decidiu não trabalhar enquanto estivéssemos lá. Estávamos em março, com dias perfeitos. O clima era de sossego total, muito diferente das minhas experiências anteriores no Sul. Íamos cada dia a uma praia nova, circulávamos pela vizinhança, onde todo mundo se conhecia e convivia num clima meio Woodstock, comíamos o pão integral feito pelo namorado da nossa hospedeira, conversávamos e ríamos muito.

A todas essas, a dona da casa dizia: vocês têm que ir ao Pinho, lá é que é bom. Para mim, ali já era bem divertido, mas ela insistiu, e lá fomos nós, no seu bravo fusca amarelo, com uma tralha impressionante, rumo a Camboriú. Chegando lá, subimos por uma estradinha de terra, até que ela avisou: é aqui. Mal ela havia terminado a frase, veio nos recepcionar um sujeito todo sorridente, pelado. Já sabíamos que estávamos chegando a um camping de naturismo, mas esta aparição foi inesperada. Engoli o susto, mas aí foram se aproximando a mulher dele e dois filhos pequenos, igualmente nus. Aijisuis, era tudo verdade! O pessoal vivia pelado mesmo.

Bagagem arriada, chalés designados, era hora de cumprir o regulamento e tirar a roupa. Depois de hesitar por uns quinze minutos, me senti tão ridícula que tirei tudo de uma vez. Logo todos estávamos nus, iguais às outras pessoas que circulavam por ali. E assim passamos os três dias seguintes, na única experiência de nudismo que tive até hoje, infelizmente.

Desvestir-me teve um efeito libertador. Eu me senti a própria Eva, nua à beira-mar, dormindo num chalé de madeira cravado numa encosta coberta de vegetação nativa. A praia era reservada para o naturismo e aberta ao público – pelado. Tinha gente de todo jeito, naquele clima de que quando o tabu se rompe, rompido está – mas só o da nudez, esclareço. Havia uma rígida vigilância sobre comportamentos, de modo a evitar baixarias públicas. Um limite que não deixa de ser intrigante.

Em poucas horas, já agíamos com naturalidade, como se não estivéssemos apenas ocasionalmente expostos aos corpos alheios, e nos expondo. A parte engraçada era que, no alto de uma colina próxima, sempre havia uns carros parados e umas pessoas nos observando de longe. Os “espia-cus”, como os chamava o pessoal do camping.

Foram dias únicos, em que eu acordava e dormia desfrutando cada momento daquela onda princípio do mundo, um hiato de frescor na vida urbana classe média careta, com muito borrachudo no fim da tarde, como deve ser. Efêmero hiato. Logo, nos vestimos de novo, subimos no fusca desconjuntado, reassumimos os personagens cotidianos e voltamos para as nossas vidas de sempre, mas trazendo a marca do Pinho tatuada lá por dentro.

* * * * *

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

27 comentários:

  1. Impressionante Júlia. Não consigo me imaginar numa situação dessas (menos ainda, nos "espia-cus"). Não saberia me comportar. Precisaria de mais de três dias. Minha única experiência com o nudismo foi em Porto-Seguro, na verdade, entre Porto Seguro e Trancoso, em um lugar belíssimo chamado Praia Azul. Mas se resumiu a um passeio da areia ao mar. Foi, contudo, tão marcante que aquela sensação jamais me abandonou. Seu texto rememorou-me o sentimento de liberdade. Obrigado, Carlos.

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