Orçamento público federal: os caminhos e descaminhos
O Orçamento Geral da União (OGU) é todo o dinheiro que o Brasil tem para investir e pagar dívidas a cada ano. E como ele é arrecadado e como é gasto? É uma contabilidade extremamente complexa, mas simplificando, vamos imaginar um contrato firmado entre o governo e a sociedade, pelo qual a nossa contribuição (impostos, por exemplo) vai para um grande “cofre federal”. Esse dinheiro deve destinar-se às ações do governo – programas, projetos, despesas constitucionais, obras e serviços, custeio.
O Orçamento se alimenta de mais de vinte fontes, as principais são o imposto de renda, a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e a Previdência Social recolhida por todos os patrões e empregados. Para 2004, o Orçamento foi de 1,5 trilhão de reais.
A elaboração e a execução do Orçamento obedecem a leis, como a Lei do Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Tudo começa assim: o poder executivo elabora a proposta orçamentária, que é enviada pelo próprio presidente da República em forma de projeto de lei, ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto de cada ano. Ao Congresso cabe analisar e aprovar o orçamento. Para isso, existe a CMO – Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, composta por 21 senadores e 63 deputados. Por lei, todos os congressistas podem propor as chamadas emendas parlamentares: emendas individuais, máximo de 20 por parlamentar, emendas coletivas, que se subdividem em bancadas estaduais (de 18 a 23), e bancadas regionais (até duas por bancada); e emendas de comissões permanentes do Senado e da Câmara (até cinco por comissão).
O deputado federal pelo PT de Santa Catarina e relator geral da CMO para o orçamento de 2006, Carlito Merss, explica que depois do célebre rombo dos Anões do Orçamento que gerou uma CPI (veja na página 28), diminuiu a margem para esquemas de corrupção usando as emendas: “Os deputados não tinham limites para emendas, podiam fazer quantas achassem necessárias. Hoje não, somente vinte e a soma total delas não pode passar dos 3,5 milhões de reais por parlamentar”. Na visão de Merss, a margem para fraudes é pequena “mas elas ainda existem”. E como podem ocorrer? Ele responde que o superfaturamento é um exemplo: “Chego pro prefeito: ‘O que o senhor está precisando aí?’ ‘Tô precisando fazer um posto de saúde’. Digo: ‘Vou propor uma emenda de 100 mil para garantir o posto’. Muitas vezes o valor do posto é razoável, mas o prefeito já arma esquema com uma empreiteira de lá”. O esquema seria, por exemplo, executar a obra por 20 mil com material de má qualidade que custa bem menos e embolsar os 80? “Essa possibilidade existe, mas é mais difícil porque o processo é mais transparente e rígido do que na época dos Anões.”
O caminho do dinheiro
O assessor de normas orçamentárias da Secretaria de Orçamento Federal, José Roberto de Faria dá mais detalhes: “Encerrada a discussão e aprovado o projeto de lei orçamentária no Congresso, o presidente tem 15 dias úteis para sancionar e publicar na íntegra ou com vetos na parte que considerar contrária ao interesse público ou inconstitucional”. Depois de tudo aprovado, o orçamento é publicado no Diário Oficial da União e a partir daí está em condições legais de ser executado.
Trinta dias após a publicação no Diário Oficial da União, o poder executivo estabelece o cronograma mensal de desembolso, isto é, define como o dinheiro será liberado. Nesse momento entra em cena o Ministério da Fazenda, por intermédio da Secretaria do Tesouro Nacional, que é quem "toma conta do caixa" e faz as liberações dos recursos do Tesouro Nacional. O valor de 1.5 trilhão de reais citado como “estimado” no começo deste texto não é a realidade do Orçamento. Por quê? Porque a Constituição de 1988 divide o Orçamento em três frentes: O Orçamento Fiscal, o da Seguridade e o de Investimento das empresas estatais federais. O Orçamento Fiscal se destina aos gastos com investimentos de infra-estrutura (obras federais), saúde, educação, manutenção dos ministérios, parcelas de receitas tributárias federais transferidas para Estados e municípios, etc. A Seguridade Social atende os benefícios previdenciários (aposentadorias, pensões etc.). E o de investimento, como diz o nome, responde pelos investimentos das estatais, a Petrobrás, por exemplo. E a dívida pública? O Orçamento destinou 860 bilhões, em 2004, ao refinanciamento da dívida pública, ou seja, 57 por cento do total. Sobram, então, 630,4 bilhões para os investimentos todos, levando em conta que desses 630 bilhões parte tem destino certo – pagamento do funcionalismo federal (ativos e aposentados e pensionistas dos três poderes); transferências constitucionais aos Estados e municípios, além do contingenciamento dos recursos para fazer caixa objetivando bons resultados com o superávit primário –, o que realmente sobra para investimentos sociais e melhoria das condições de vida da população é um orçamento modesto. “Em 2003 sobraram 4 bilhões para investimento; 2004, 10 bilhões; 2005, menos de 15 bilhões. Espero que em 2006 possamos trabalhar com o orçamento na casa dos 20 bilhões”, diz Carlito Merss.
Quem paga a conta é você
Parte do Orçamento é transferida para os Estados e municípios para realizarem obras públicas ou programas nas áreas de saúde, educação, saneamento etc. E nesses casos é que a corrupção tem mais campo, com os problemas de desvio de verbas e superfaturamento. Em 2004 a União repassou para os 5.561 municípios brasileiros, 21 bilhões de reais. Estudo do economista Cláudio Ferraz, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, mostra que foi detectado algum tipo de corrupção na máquina administrativa em 73 por cento dos municípios fiscalizados pela Controladoria Geral da União entre 2001 e 2003. “Não tenho certeza se a descentralização de recursos federais aumenta a corrupção, pode ser que aumente, o problema é não ter mecanismos suficientes para conter esse tipo de corrupção. Sou a favor da descentralização com mais controle, como comitês que fiscalizassem, por exemplo, as licitações”, explica Cláudio Ferraz.
Alguns casos são comuns, como a criação de empresas fantasmas e a simulação de processos de licitação. Também são usuais as licitações não competitivas, das quais apenas uma empresa participa, quando a lei exige pelos menos três participantes para qualquer projeto acima de 80.000 reais por ano. Em Itapetinga, na Bahia, o edital de licitação para compra de merenda escolar era publicado apenas uma hora antes do prazo final, de forma que vencia sempre a empresa do irmão do prefeito. “Espero que daqui a uns dez, doze anos seja possível mandar um auditor uma vez por ano aos municípios para checar o destino real do dinheiro federal, mas agora não temos condições pra isso e nem estrutura”, finaliza o deputado Carlito Merss. Decerto, o grau de organização da sociedade local pode ser determinante para prevenir e combater o desvio de dinheiro público vindo do Orçamento Geral da União, como comprova o exemplo da pequena Ribeirão Bonito, o qual você verá na reportagem a seguir.
Thiago Domenici e Diogo Ruic são jornalistas.
O Orçamento Geral da União (OGU) é todo o dinheiro que o Brasil tem para investir e pagar dívidas a cada ano. E como ele é arrecadado e como é gasto? É uma contabilidade extremamente complexa, mas simplificando, vamos imaginar um contrato firmado entre o governo e a sociedade, pelo qual a nossa contribuição (impostos, por exemplo) vai para um grande “cofre federal”. Esse dinheiro deve destinar-se às ações do governo – programas, projetos, despesas constitucionais, obras e serviços, custeio.
O Orçamento se alimenta de mais de vinte fontes, as principais são o imposto de renda, a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e a Previdência Social recolhida por todos os patrões e empregados. Para 2004, o Orçamento foi de 1,5 trilhão de reais.
A elaboração e a execução do Orçamento obedecem a leis, como a Lei do Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Tudo começa assim: o poder executivo elabora a proposta orçamentária, que é enviada pelo próprio presidente da República em forma de projeto de lei, ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto de cada ano. Ao Congresso cabe analisar e aprovar o orçamento. Para isso, existe a CMO – Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, composta por 21 senadores e 63 deputados. Por lei, todos os congressistas podem propor as chamadas emendas parlamentares: emendas individuais, máximo de 20 por parlamentar, emendas coletivas, que se subdividem em bancadas estaduais (de 18 a 23), e bancadas regionais (até duas por bancada); e emendas de comissões permanentes do Senado e da Câmara (até cinco por comissão).
O deputado federal pelo PT de Santa Catarina e relator geral da CMO para o orçamento de 2006, Carlito Merss, explica que depois do célebre rombo dos Anões do Orçamento que gerou uma CPI (veja na página 28), diminuiu a margem para esquemas de corrupção usando as emendas: “Os deputados não tinham limites para emendas, podiam fazer quantas achassem necessárias. Hoje não, somente vinte e a soma total delas não pode passar dos 3,5 milhões de reais por parlamentar”. Na visão de Merss, a margem para fraudes é pequena “mas elas ainda existem”. E como podem ocorrer? Ele responde que o superfaturamento é um exemplo: “Chego pro prefeito: ‘O que o senhor está precisando aí?’ ‘Tô precisando fazer um posto de saúde’. Digo: ‘Vou propor uma emenda de 100 mil para garantir o posto’. Muitas vezes o valor do posto é razoável, mas o prefeito já arma esquema com uma empreiteira de lá”. O esquema seria, por exemplo, executar a obra por 20 mil com material de má qualidade que custa bem menos e embolsar os 80? “Essa possibilidade existe, mas é mais difícil porque o processo é mais transparente e rígido do que na época dos Anões.”
O caminho do dinheiro
O assessor de normas orçamentárias da Secretaria de Orçamento Federal, José Roberto de Faria dá mais detalhes: “Encerrada a discussão e aprovado o projeto de lei orçamentária no Congresso, o presidente tem 15 dias úteis para sancionar e publicar na íntegra ou com vetos na parte que considerar contrária ao interesse público ou inconstitucional”. Depois de tudo aprovado, o orçamento é publicado no Diário Oficial da União e a partir daí está em condições legais de ser executado.
Trinta dias após a publicação no Diário Oficial da União, o poder executivo estabelece o cronograma mensal de desembolso, isto é, define como o dinheiro será liberado. Nesse momento entra em cena o Ministério da Fazenda, por intermédio da Secretaria do Tesouro Nacional, que é quem "toma conta do caixa" e faz as liberações dos recursos do Tesouro Nacional. O valor de 1.5 trilhão de reais citado como “estimado” no começo deste texto não é a realidade do Orçamento. Por quê? Porque a Constituição de 1988 divide o Orçamento em três frentes: O Orçamento Fiscal, o da Seguridade e o de Investimento das empresas estatais federais. O Orçamento Fiscal se destina aos gastos com investimentos de infra-estrutura (obras federais), saúde, educação, manutenção dos ministérios, parcelas de receitas tributárias federais transferidas para Estados e municípios, etc. A Seguridade Social atende os benefícios previdenciários (aposentadorias, pensões etc.). E o de investimento, como diz o nome, responde pelos investimentos das estatais, a Petrobrás, por exemplo. E a dívida pública? O Orçamento destinou 860 bilhões, em 2004, ao refinanciamento da dívida pública, ou seja, 57 por cento do total. Sobram, então, 630,4 bilhões para os investimentos todos, levando em conta que desses 630 bilhões parte tem destino certo – pagamento do funcionalismo federal (ativos e aposentados e pensionistas dos três poderes); transferências constitucionais aos Estados e municípios, além do contingenciamento dos recursos para fazer caixa objetivando bons resultados com o superávit primário –, o que realmente sobra para investimentos sociais e melhoria das condições de vida da população é um orçamento modesto. “Em 2003 sobraram 4 bilhões para investimento; 2004, 10 bilhões; 2005, menos de 15 bilhões. Espero que em 2006 possamos trabalhar com o orçamento na casa dos 20 bilhões”, diz Carlito Merss.
Quem paga a conta é você
Parte do Orçamento é transferida para os Estados e municípios para realizarem obras públicas ou programas nas áreas de saúde, educação, saneamento etc. E nesses casos é que a corrupção tem mais campo, com os problemas de desvio de verbas e superfaturamento. Em 2004 a União repassou para os 5.561 municípios brasileiros, 21 bilhões de reais. Estudo do economista Cláudio Ferraz, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, mostra que foi detectado algum tipo de corrupção na máquina administrativa em 73 por cento dos municípios fiscalizados pela Controladoria Geral da União entre 2001 e 2003. “Não tenho certeza se a descentralização de recursos federais aumenta a corrupção, pode ser que aumente, o problema é não ter mecanismos suficientes para conter esse tipo de corrupção. Sou a favor da descentralização com mais controle, como comitês que fiscalizassem, por exemplo, as licitações”, explica Cláudio Ferraz.
Alguns casos são comuns, como a criação de empresas fantasmas e a simulação de processos de licitação. Também são usuais as licitações não competitivas, das quais apenas uma empresa participa, quando a lei exige pelos menos três participantes para qualquer projeto acima de 80.000 reais por ano. Em Itapetinga, na Bahia, o edital de licitação para compra de merenda escolar era publicado apenas uma hora antes do prazo final, de forma que vencia sempre a empresa do irmão do prefeito. “Espero que daqui a uns dez, doze anos seja possível mandar um auditor uma vez por ano aos municípios para checar o destino real do dinheiro federal, mas agora não temos condições pra isso e nem estrutura”, finaliza o deputado Carlito Merss. Decerto, o grau de organização da sociedade local pode ser determinante para prevenir e combater o desvio de dinheiro público vindo do Orçamento Geral da União, como comprova o exemplo da pequena Ribeirão Bonito, o qual você verá na reportagem a seguir.
Thiago Domenici e Diogo Ruic são jornalistas.
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