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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

109 anos de Drummond

“São mitos do calendário tanto o ontem como o agora, e o teu aniversário é um nascer toda a hora…”.

Hoje se comemora os 109 anos do nascimento do poeta de Itabira. O Instituto Moreira Salles criou o Dia D:


"Espalhe-se a ideia, tão simples quanto ambiciosa: transformar o dia 31 de outubro, data de nascimento de Carlos Drummond de Andrade, num dia de grande comemoração (...)"

No vídeo abaixo, produzido pelo IMS, Dráuzio Varella, Laerte, Chico Buarque, Caetano Veloso e muitos outros declamam Drummond. Bem bacana.




E você leitor, qual o seu verso favorito?

Uruguai: outro caso exemplar

Na última quinta-feira, dia seguinte a vizinha Argentina ter condenado ex-militares a prisão perpétua, como citamos aqui no NR, o Uruguai também deu um passo importantíssimo em sua história e poderá julgar os algozes do período da ditadura militar (1973 e 1985) por violações de direitos humanos.

Desde sua redemocratização, em 1985, por conta da chamada Lei da Caducidade, integrantes das Forças Armadas, policiais e civis acusados de delitos de lesa humanidade estavam anistiados com base na lei. Estima-se que 4.700 pessoas tenham sido torturadas e 140 mortas.

Para o bem a situação mudou com a aprovação no Senado e na Câmara dos Deputados da lei que declara imprescritíveis os crimes de lesa-humanidade cometidos no período.

Ou seja, segundo o projeto "não será computado prazo algum, processual, de prescrição ou de caducidade" para os futuros julgamentos, o que significa que o país poderá passar a limpo sua história e julgar os crimes do período

A votação era a última tentativa da Frente Ampla, desde 2005 no poder, de anular os efeitos da Lei da Caducidade, já que, por determinação da Suprema Corte de Justiça, as mortes de opositores políticos são consideradas delitos comuns e, sem a nova lei, prescreveriam no dia 1º de novembro, 26 anos e oito meses após a redemocratização.

Segundo a agência AFP: “Os deputados aprovaram com os votos da governista Frente Ampla – 50 dos 90 legisladores presentes – o projeto que havia sido votado na terça-feira no Senado” e que, na sexta-feira, 28, foi promulgada pelo presidente da República, José “Pepe” Mujica.

A oposição, no entanto, e mesmo "Pepe" Mujica, estavam resistentes à anulação da Lei de Caducidade sob o argumento de que dois referendos populares (em 1989 e 2009) ratificaram a lei.

Lembrando que no Brasil, na semana passada, o Senado aprovou a criação da Comissão da Verdade. O objetivo será apurar fatos ocorridos entre os anos de 1946 e 1988 como, por exemplo, crimes de tortura e assassinato cometidos em nome do Estado brasileiro.

Que o exemplo Argentino e Uruguaio seja levado em conta por aqui.

Thiago Domenici, jornalista

Tempos Modernos

O cantor tem 17 anos e algumas biografias lançadas.

O jovem jogador, grande promessa do futebol, conquista o campeonato e antes de erguer a taça decreta: fiz história.

O empresário morre e é alçado automaticamente a gênio máximo do século que só acaba de começar.

O corpo do ditador ainda não esfriou e as imagens de sua captura e morte (com requintes de crueldade) já estão disponíveis na rede mundial de computadores.

Que tempos são esses em que vivemos?

É certo que desde a invenção do telégrafo, do cinema, do rádio, da televisão e da internet se diz que a humanidade nunca viveu época de tamanha fugacidade.

Mas não será que a instantaneidade de agora ultrapassou os limites do razoável?

Nas redes sociais opinamos sobre tudo (quase sempre no calor do sucedido), anunciamos que estamos em tal lugar, publicamos fotos do que aconteceu um minuto atrás. A velocidade com que o processo é feito é a mesma de sua permanência no universo virtual: vai acontecer, está acontecendo, aconteceu; acabou e já não tem mais nenhuma importância.

Um professor comentava que os historiadores vivem atualmente um dilema. Antigamente havia mais tempo para que se debruçassem sobre um acontecimento. Agora se espera que teorizem sobre o que acaba de acontecer.

Quanto tempo é suficiente para se analisar que tal fato é histórico e saber sua importância?

Penso na propaganda que a Nike fez para a Copa do Mundo de 2010. O lema era: escreva seu futuro. Nenhuma das estrelas da publicidade fez algo de importante no Mundial.

Foi um espanhol meio baixinho, calvo, quem fez o gol que levou a Espanha ao triunfo. Quando no minuto 115 da final a bola chegou aos pés de Iniesta será que passou por sua cabeça que entraria para a história ao vencer o goleiro holandês?

Há mais de sete décadas Charles Chaplin filmou o genial Tempos Modernos. O tempo se encarregou de imortalizá-los…

Ricardo Viel, jornalista, colunista do NR e do Purgatório

sábado, 29 de outubro de 2011

Cem anos das flores de Nelson

Nelson Cavaquinho (1911-1986), segundo o escritor Nelson Rodrigues, era um antídoto “para a obtusidade córnea reinante”. E neste 29 de outubro de 2011 completa-se 100 anos desde que nasceu. Ou melhor, ontem, sexta-feira, é a data verdadeira, segundo o próprio contou em documentário para a TV Cultura em meados da década de 1970.

E as homenagens a esse sambista graúdo, ex-PM, ajudante de eletricista, operário, bombeiro hidráulico e tirador de espolim (resíduos têxteis), criado na Lapa, estão em várias páginas de internet e nos jornais brasileiros. E muito mais na admiração de seus fãs. E Nelson, acreditem, começou na música dedilhando barbantes numa caixa de charutos.

Segundo o jornalista e pesquisador Tárik de Souza, em matéria para a Retrato do Brasil de julho – baixe o PDF aqui – “viveu na contramão da indústria cultural”. Cavaquinho morreu em 1985 por enfisema pulmonar – era um fumante compulsivo.

O NR indica, além da matéria de RB, outras duas, um especial multimídia do Estadão, da amiga Camila Matos e uma reportagem em quadrinhos, com texto de André Carvalho e arte de Alexandre de Maio, no Catraca Livre.

E para partir, seguir em frente, um samba clássico, no vídeo abaixo.



Thiago Domenici, jornalista

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Argentina dá um passo exemplar

Já publicamos aqui no NR sobre o documentário Do Horror à Memória, sobre a Escola de Mecânica Armada (Esma), da Marinha, o maior centro clandestino de detenção da ditadura argentina, pelo qual, estima-se, tenham passado cerca de 5 mil presos políticos.

Na quarta-feira, a justiça de lá condenou à prisão perpétua o ex-capitão Alfredo Astiz e outros 11 militares, considerados culpados em casos de sequestros, torturas e outros crimes, cometidos na Esma, durante a ditadura militar no país entre 1976 e 1983.

O meu amigo Diogo Ruic (que já colaborou algum tempo aqui no NR) é um dos co-autores do premiado documentário. Vale ser visto para entender melhor o que se passou no período. Na decisão da justiça argentina, muito comemorada pelos familiares dos desaparecidos políticos, Astiz, conhecido como “o anjo loiro da morte”, era quem comandava a Esma.

Entre os demais 11 militares condenados destaca-se o ex-capitão de corveta Jorge “Tigre” Acosta, que teria sido um dos criadores dos “voos da morte”, como ficaram conhecidos os lançamentos de prisioneiros, ainda vivos, a partir de aeronaves que sobrevoavam o Rio da Prata e o Oceano Atlântico.

Os acusados foram julgados por crimes contra 86 pessoas, entre as quais, Azucena Villaflor, fundadora do grupo Mães da Praça de Maio, o jornalista, escritor, dramaturgo e militante político Rodolfo Walsh, e as freiras francesas Leonie Duquet e Alice Domon, ligadas às Ligas Agrárias.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O afeto que se emplaca

Sampa tem perto de cem mil ruas. Não incluindo as clandestinas, indocumentadas que brotam no google maps como marias-sem-vergonha. Ruas correspondem a frases no parágrafo-cidade. Elas vão e vêm transportando as histórias dos que moram, trabalham ou se divertem nos seus endereços. Ruas também são os carimbos da diversidade urbana.

ruas arborizadas e ruas que poderiam estar no deserto do Saara. Ruas planejadas e ruas tortas. Estreitinhas, largas, compridas, curtas. Ruas que são becos, ruas sem saída, ruas perigosas. Ruas que, de repente, mudam de nome. A avenida Sumaré, sem aviso, vira Paulo VI. Sem contar as que mudam de cara e classe social. A avenida Angélica, por exemplo, começa pobre e vai enricando.

O poeta Mario de Andrade, paulistano da gema, pediu que ao morrer: "Meus pés enterrem na rua Aurora / No Paissandu deixem meu sexo / Na Lopes Chaves a cabeça". Não à toa, a canção que traduziu a cidade de São Paulo para o Brasil, composta por um baiano, começa com os versos: "Alguma coisa acontece no meu coração / que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João."

Ruas mantêm uma misteriosa relação com seus nomes. Eu nasci na rua Bambina, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Sou tão antiga, que o Rio ainda era Capital Federal. Sempre acreditei haver alguma intencionalidade mágica no fato de eu ter nascido menina e a rua se chamar bambina. Verdade que tenho um amigo que nasceu na rua do Bom Jesus, antiga rua dos Judeus, no Recife, e é um ateu irreversível.

Acho errado essa prática de vereadores, para agradar seu eleitorado ou obsequiar famílias de banqueiros, mudarem o nome de ruas. A deliciosa Estrada das Boiadas, na zona oeste de Sampa, virou a insípida Diógenes Ribeiro de Lima. A charmosa Rodovia dos Trabalhadores, que homenageava um imenso coletivo, é hoje Ayrton Senna.

Nada contra o Diógenes que nem sei quem foi, ou o Senna de quem fui fã. É que mudar nome de caminhos é tão esquisito como trocar nome de pessoas. Imagine uma Marlene virar Patrícia depois dos cinquenta. Ou ser um Gabriel até os vinte, e tornar-se um Eduardo até morrer. Não conjumina. É claro que, às vezes, é o contrário. A rua tem um nome que não casa com seu espírito. A rua do Bosque, na Barra Funda, tem árvores contadas nos dedos.

Na favela do Madalena, em Sapopemba, na gloriosa zona leste, havia uma rua que desaguava em um córrego a vau. Lá, nos anos 1990, traficantes e policiais corruptos desovavam corpos para encobrir seus crimes. A comunidade se organizou, ergueu um centro de convivência, e a rua passou de maldita a bendita. Os moradores puseram o nome de rua Nova.

Outra curiosidade - creio que uma experiência bem comum - são as ruas de iniciação. Aquelas onde um grupo de amigos vivenciou primeiros amores, primeiras traições, bebedeiras, canções, identidades. No meu caso, essa rua foi a Cardoso de Almeida, em Perdizes. Até hoje, trinta anos depois, as amigas lembram da época da Cardoso, das festas da Cardoso, da turma da Cardoso. É uma metáfora, na qual Cardoso de Almeida toma o lugar de juventude.

Fernanda Pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Imagine um som...


Caco Bressane, arquiteto e ilustrador, colaborador do NR

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ode à reflexão

Eu estava trabalhando no interior de Goiás e fotografava o centro da pequena Cavalcante. Era o primeiro dia na cidade, clicava as casinhas, a praça, a fachada das lojinhas comerciais, pessoas transitando ao longe, cachorros, crianças de bicicleta. Usava a estratégia de sempre: colocava a mim mesmo e a máquina fotográfica aos olhares de todos. Alguns fotógrafos querem passar desapercebidos. Eu preciso ser vista.

Um olhar de cumplicidade, um sorriso, um gesto, uma aproximação, algumas palavras trocadas e eu migro para o segundo momento: fotografar os habitantes do lugar, que confesso, sempre me interessam mais do que as arquiteturas ou as naturezas.

Neste dia perdi uma foto: uma mulher do quilombo Kalunga caminhava no sol tórrido do cerrado com uma sombrinha de um vermelho estupendo que contrastava com o cinza-esbranquiçado do asfalto e fechava um arco de cor com a pele negra da moça.

Quantas vezes, caminhando na rua não somos pegos por uma cena incrível e hesitamos? Quantas vezes uma fotografia não ficou só na cabeça? Faltou tempo, coragem, feeling, atenção. Voltar? Refazer? A cada passo a imagem vai tornando-se translucida, entrando para os nossos arquivos mentais.

Acervo das imagens que não fizemos, das imagens que são somente potencial. E que não existem e nunca vão. Eu considero estas boas imagens também. Pois é em defesa das fotos que não fiz que escrevo este texto.

Imaginar imagens não deixa de ser um acúmulo de experiência fotográfica. Não, não estou propondo que você pare de fotografar ou que deixe de comprar aquela câmera. Estou fazendo uma ode à reflexão. Há que se pensar antes e depois do clic.

Nunca durante, nos ensinou o grande Cartier Bresson. Quando se trata de fotografar pessoas há que relacionar-se, baixar a câmera, olhar nos olhos, trocar palavras e dançar. Acrescento a dança porque outro dia ouvi intrigada de um amigo: “para esta sua profissão, tem que saber dançar, né?”. Não... devo ter respondido mentalmente. Mas é claro que sim. Saber trocar é essencial.

[clique para ver a imagem no tamanho original] 

Sabemos devolver as imagens que produzimos? Está é uma postura que gosto de assumir e admiro os fotógrafos que fazem isso. Admiro as pessoas, fotógrafos ou não, que diante do outro se mostrem interessadas em aprender e não só em apreender. Existe um excesso de imagens sendo produzidas.

Às vezes temos a sensação de que todos os temas já foram clicados com tanta competência que nem vale a pena se lançar ao assunto.

A fotografia, uma jovem senhora de 172 anos atingiu proporções inimagináveis e o ineditismo perdeu lugar há muito tempo. Resta dizer que o que se fotografa não é mais o carro chefe, mas sim como se fotografa. A tecnologia mais cara da fotografia é o próprio homem, suas relações, suas paixões, seus desejos, seus sonhos e indignações. É por isso que eu, como ainda não sei dançar, estou tratando de arriscar alguns passos.

Próxima coluna. Entrevista com Luiz Achutti:
Achutti, preciso de uma brevíssima descrição tua para colocar no NR, pode ser essa: Fotógrafo, antropólogo, jornalista, ex-ator (anos 70), professor da UFRGS e membro de Phanie Centre de l'ethnologie et de l'image?
- e Gremista!

Ana Mendes
, 26 anos, gaúcha de nascimento, errante de coração e profissão. Fotógrafa e cineasta documental formada em Ciências Sociais. Trabalha como fotojornalista freelancer entre Brasília e Porto Alegre. A coluna Faço Foto, aqui no Nota de Rodapé, irá debater o ofício de fotógrafos que trabalham com a temática social em fotos de caráter documental, jornalístico e artístico.

O Robocop sabe sambar?

De longe se vê a pequena aglomeração na praça. Uma dúzia de jovens, divididos quase que igualitariamente entre mulheres e homens, batem palmas e lutam contra a falta de elasticidades de seus corpos e suas vestimentas na tentativa de levantar pernas, mexer braços e girar.

De longe deduzo que se trata de uma roda de capoeira de gringos e me aproximo. O professor é um espanhol tão loiro quanto o Hermeto Pascoal e seus alunos, iguais na cor da pele, são todos europeus – não fui perguntar um por um, mas está claro.

De brasileiro na roda só o berimbau (que em momento nenhum foi tocado) e o amarelo da camisa de um dos alunos, mas o touro estampado no centro da malha serve para confirmar que estamos em Salamanca e não em Salvador.

Parece ser a primeira aula, não só pela falta de intimidade dos alunos com o ritmo, mas também pela roupa usada pelos pupilos. Vestem calças jeans, jaquetas pesadas (há inclusive uma de couro no bando) e até cachecol.

O professor puxa um coro em português (com o devido sotaque) e pede que os alunos repitam o refrão. A timidez e a falta de intimidade com a língua transforma o canto em sussurro. O mestre explica que no jogo, como na vida, cada um tem seu modo de atuar.

Há quem jogue capoeira sorrindo, brincando. Outros são mais sérios e compenetrados. Há também, adverte, os que usam o jogo para desafogar sua violência e maldade interior. Mas o cantar é universal: alto e com vibração. Pede empenho aos aprendizes.

Eles se esforçam, mas a ginga, aquele movimento de balanço típico da capoeira, é um obstáculo intransponível. Paciente, o professor para a classe. Mostra que o corpo, da cintura para cima, deve estar ereto, para que o jogador olhe nos olhos seu adversário/companheiro/colega de prática. É da cintura para baixo que o corpo deve se mexer, explica.

Com o tronco firme, os braços levantados e dobrados quase que na altura do rosto, o mestre reinicia o gingado, bem devagar. “É como se fosse o Robocop, mas com o balanço do samba”. Os alunos riem, parecem ter entendido. Voltam a praticar, mas a ginga sai estranha, descoordenada. O Robocop deles ainda não conhece o samba.

A aula acaba e eu vou embora com um sorriso irônico, de certa superioridade. Mas logo meu alterego me repreende: deve ser parecido as suas (minhas) tentativas de dançar salsa.

Ridículo, mesmo, é se deixar paralisar pela vergonha e o medo do fracasso, pondero - e assim faço as pazes com meu outro eu.

Sábado que vem estarei de novo no bar de música latina. E quem quiser fazer uma crônica sobre minha performance que fique à vontade.

Ricardo Viel, jornalista, escreve às segundas no NR e no Purgatório.

domingo, 23 de outubro de 2011

Vídeo: Hillary está feliz com a morte de Gaddafi

Hillary Clinton está feliz.

Como citou meu amigo Renato Pompeu em seu blog, a rede de TV americana CBS mostra, em vídeo abaixo, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, rindo quando foi informada por um repórter de televisão de que Muammar Gaddafi havia morrido.

E tripudiou. "Viemos, vimos, ele morreu", lembrando o "Vim, vi, venci", do romano Júlio César.

Com a morte de Gaddafi, com a morte de Osama Bin Laden, muitos temas deixarão de ser esclarecidos.

Tempos atrás, o embaixador dos Estados Unidos na Líbia, Gene A. Cretz comentou:
"Sabemos que o petróleo é a joia da coroa dos recursos naturais líbios, mas mesmo no tempo de Gaddafi eles estavam começando de A a Z em termos de construir infraestruturas e outras coisas. Se conseguirmos trazer companhias americanas aqui numa escala razoavelmente grande, o que vamos tentar de fazer tudo para alcançar, então isso vai redundar em melhorar a situação nos Estados Unidos com respeito a nossos próprios empregos."

sábado, 22 de outubro de 2011

Valeu a força

Hoje saiu o resultado do segundo turno do Top Blog 2011.  O NR não está entre os 100 mais votados e com isso não participará do segundo turno.

Desde o começo até a última semana ficamos entre os 30 mais votados nas parciais que eram divulgadas. De todo jeito, valeu a experiência. Foi a primeira vez que o NR concorreu num evento deste tipo.

Gostaria de agradecer a todos que ajudaram a divulgar e votaram no NR durante o primeiro turno de votação. Fico feliz com o apoio de todo mundo, afinal, este espaço tem feito parte do cotidiano de muita gente.

Ano que vem tem mais.
Vamos em frente!
Abraço em todos!

Thiago Domenici, coordenador e editor

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O fim do ETA (um relato pessoal)

Era maio de 2002, a Copa do Mundo estava prestes a começar, e eu esperava no aeroporto de Barajas, em Madri, o voo que me levaria de volta ao Brasil depois de ter morado durante dez meses na Espanha.

Para passar o tempo, matar a fome e gastar as moedinhas de euros que eu trazia no bolso, fui até uma máquina e comprei refrigerante, salgadinho e chocolate. Quando terminei de comer procurei um cesto de lixo. Andei todo o corredor, voltei, e não achei.

Era de madrugada, não havia ninguém para me informar e não sabia o que fazer. Até que apareceu uma senhora da limpeza, varrendo o chão. Perguntei onde havia uma lixeira e me disse que não havia. “E que faço com isso”, perguntei mostrando o que tinha na mão. “Jogue no chão que eu recolho”, respondeu.

Foi naquele momento, depois de ter ouvido e lido à exaustão sobre o terrorismo do ETA, de ter participado de minutos de silêncio na universidade em homenagem às vítimas, de ter conversado com muita gente contra o grupo extremista (e alguns a favor), foi naquele momento, digo, que me dei conta realmente do que era viver sob aquele temor.

Não havia cesto de lixo no aeroporto porque era um lugar onde alguém poderia colocar uma bomba – como já havia acontecido e voltou a acontecer (em 2006, um furgão que estava no estacionamento do Terminal 4 explodiu e matou duas pessoas).

A existência do ETA significou, durante décadas, um pavor diário. A qualquer momento, em qualquer lugar, uma bomba poderia explodir. Foi o que aconteceu em Logroño - cidade onde eu vivi - meses antes de eu chegar à Espanha pela primeira vez. Um amigo morava a alguns metros do prédio que explodiu.

Conta que a polícia foi avisada uma hora antes e só teve tempo de evacuar aquele edifício. Não avisaram os moradores dos prédios vizinhos porque a saída deles poderia trazer piores consequências.

Por volta das duas da madrugada um forte estrondo arrebentou os vidros do apartamento do meu amigo – e de metade do quarteirão. “Ninguém precisou me dizer nada para eu saber o que tinha acontecido”, me contou.

O que realmente foi o ETA (Euskadi Ta Askatazuna, que significa em euskera, a língua basca, País Basco e Liberdade) é um assunto que requer muito mais espaço e conhecimento do que eu tenho agora.

O que acontecerá a partir de hoje, primeiro dia após o grupo ter anunciado que, depois de 50 anos e mais de 800 assassinatos, abandona as armas, também é tema que não me sinto capacitado para adentrar.

Mas o que posso dizer, como estrangeiro que pela segunda vez mora na Espanha, é que o dia de ontem foi muito importante para o país. Importante politicamente, importante para as famílias das vítimas do terrorismo, importante para todos os cidadãos que não estão de acordo com a violência. “Meus filhos só saberão do ETA pelo livros de história. Sonhei com esse dia durante metade da minha vida e ainda não acredito”, disse um político basco à Rádio Nacional.

Ainda resta a dor, as lembranças – o que não é pouco -, mas o medo já não tem porque existir. Já não há porque revisar os carros, não há porque usar guarda-costas, não há porque se assustar com um furgão estacionado no meio da rua. As lixeiras já podem voltar ao aeroporto de Madri.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do NR, atualmente mora em Salamanca, Espanha

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Os órfãos de Steve

Faz vinte e três anos mudei a maneira de trabalhar. Meu primeiro computador pessoal era um mastodonte. A CPU, enorme; o monitor, além de pequeno, de fósforo verde. A impressora matricial precisava de uma mesa só para ela. Batizei-o de Jorge Luís Borges. Na época, e ainda hoje, um dos meus autores preferidos. A geringonça era o máximo! Chamei os amigos para conhecê-la. Ficaram impressionados.

Depois do Borges, tive a Clarice Lispector, o Julio Cortázar, o Honoré de Balzac, o Machado de Assis, o Juan Rulfo. Para quebrar a monotonia deste ofício, que consiste em pôr uma palavra após outra e após outra, fui alternando entre desktops e notebooks. Todos PCs. Com exceção do primeiro, todos rodando o Windows do Bill Gates. Eu fazia parte de 94% do mundo. Por muito tempo, os Macintosh eram luxo de ricos ou ferramenta sofisticada para designers.

Confesso que tinha até antipatia da maçãzinha mordida. A Apple me parecia um clubinho, um gueto eletrônico, onde quem está dentro se ama e quem está fora não entra. Odiava quando diziam que o Windows era uma cópia do sistema operacional do Mac. Pois, francamente, no mundo da informática quem não copia? Dizem que a Apple copiou seu sistema de um projeto da Xerox. Que a copiadora Xerox copiou de algum CDF garagista do Vale do Silício. Que este, por sua vez, chupou das tabuletas do barbudo Moisés.

Araruta tem seu dia de mingau. PC convicta, um dia comprei o iPad. Fiquei com o bolso vazio, mas me encantei com a maquininha que permite que eu navegue na rede, seja dentro do ônibus, no banheiro, na fila do açougue. Possibilita que eu escreva minhas palavrinhas observando diretamente as pessoas, tal como faziam os pintores que carregavam seus cavaletes para a luz dos dias.



Foi só aí que comecei a me interessar pelo Steve Jobs. Comprei até um livro sobre seu estilo de apresentar os iMac, iPod, iPhone, iPad. Um vendedor matador. Não deu outra, com a experiência do deslumbrante iPad, comprei um MacBook Pro. Duas décadas depois, deixava o PC, me rendia à maçãzinha mordida. Pela primeira vez, não batizei o computador com nome de escritor. Ele se chama Yuri Gagarin.

Mas veio a surpresa. Logo depois de entrar no clubinho Apple, muito pimpona com meu tablet debaixo de um braço e o MacBook Pro debaixo do outro, o Steve anunciou um sucessor. O iPad 2 mais potente, mais fino, com duas câmeras! Como assim? Ainda estava recompondo o saldo bancário e o carinha vem com outro. Daí me falaram: "Boba, é assim mesmo. A Apple lança produtos a cada seis meses."

Não sei porque, quando soube da morte do dono da Apple, pensei na minha lavadora de roupas. Ela é mais velha que o meu primeiro PC, o Borges. A danada segue na ativa - lavando por agitação, enxugando por centrifugação -, libertando minhas mãos do tanque, deixando-as soltas para o desfrute das teclas que concretizam ideias. Quem foi o inventor da máquina de lavar?

Com o passamento do Steve Jobs (1955-2011), os artigos na imprensa foram superlativos. Colocaram o criador do App Store ao lado do Edson da lâmpada elétrica e do Einstein da relatividade. Menas! Acho que o temor dos fãs-consumidores é que Apple, sem seu mago inovador, fique como todo mundo. Fique PC.

Fernanda Pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Faço Foto, nova coluna do NR

Outro dia circulei pelo centro de Porto Alegre com o amigo e mestre J.R. Ripper. Dentro do Mercado Público caminhávamos atentos de máquinas na mão. Diante de um feixe de luz, ele parou, clicou, saiu. Foi minha primeira aula muda de fotografia.

Faço Foto é um projeto de imersão no universo desses fotógrafos brasileiros documentaristas e é, confesso, a realização do desejo de perguntar. O que guia teu olhar? Porque a escolha desta linguagem? Fotografia com texto ou sem? Quais são tuas inpirações? 

A coluna irá se debruçar sobre estes profissionais que têm como ofício observar o transcorrer da vida social e seus contextos. Vez ou outra irei intercalar as entrevistas com meus relatos de trabalhos e ensaios fotográficos.  
A coluna Faço Foto, aqui no Nota de Rodapé, irá debater o ofício de fotógrafos brasileiros que trabalham com a temática social em fotos de caráter documental, jornalístico e artístico.
A ideia aqui não é delimitar as fronteiras fotográficas, ao contrário, é flertar com a arte, com o jornalismo e tudo mais que tenha como cerne a temática social e a fotografia como suporte final.  

A partir da segunda-feira que vem, mensalmente, Faço Foto convida, portanto, os leitores a colaborarem: enviem sugestão de entrevistados e suas perguntas. Se preferir, escrevam para Ana Mendes em anagrao@gmail.com

Ana Mendes, 26 anos, gaúcha de nascimento, errante de coração e profissão. Fotógrafa e cineasta documental formada em Ciências Sociais. Trabalha como fotojornalista freelancer entre Brasília e Porto Alegre.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

À espera do despejo

Cortiço, favela, marginais, absurdo. Adjetivos como esses são comuns de se ouvir na porta das ocupações. Moradores antigos da região central esbravejam e não querem ter como vizinhos inquilinos que não pagam aluguel, muito menos contas de água e luz.

É o que acontece atualmente na Rua da Consolação, em frente ao cemitério, onde um grupo de pessoas ocupou de forma invadida um imóvel abandonado há anos com o objetivo de residir no local.

[clique para ampliar as imagens]


O grupo, liderado por Sílvio acabara de ser removido pela tropa de choque de outra ocupação, que já durava dois anos num antigo prédio estatal, na Rua Martins Fontes, e se mudara para um ponto nobre da cidade, ao lado do bairro Higienópolis.

"Em seis horas a gente já tinha ligado luz no prédio todo e colocado uma mangueira comunitária para abastecimento de água. Demos sorte que as estruturas desse edíficio não foram muito danificadas" relata Sílvio sobre a noite da ocupação.




As invasões por razões discretas são sempre realizadas durante a madrugada, na surdina, sem causar estardalhaço. No dia seguinte, um mutirão de pessoas trabalha sob o sol para deixar o local "mais habitável".




Roupas estendidas no varal, pilhas de lixo sendo removidas, mulheres lavando o quintal, são alguns sinais de reativação do local. Cenas como essa acontecem mensalmente em diversos edíficios espalhados pela região central ocupados, em sua maioria, por movimentos populares.




Estima-se que existam atualmente cerca de 14 mil moradores de rua na cidade de São Paulo. Em contrapartida, especialistas afirmam que há disponível uma área de 5,2 milhões de metros quadrados divididos em centenas de imóveis abandonados.




Em grande parte estes edifícios acumulam dívidas estratosféricas e os proprietários acabam abandonando o espaço. "Quando a gente entra no lugar, conversa com os nóias (usuários de crack) e argumenta com eles que estamos querendo tomar o local para morar, e não para usar droga. Fumar pedra eles podem fazer na rua não é verdade?", relata Juliana, moradora do local.

Lugares como estes sempre me cativaram, me atraem de uma forma inexplicável, trata-se de um convite espiritual a penetrar um universo marginal da existência humana. Tomo fôlego, olho para cima e avisto um grupo de pessoas, que com a mão acenam para que entre.




O líder da ocupação é uma pessoa carismática, polida, cuja vivência de rua demonstra um conhecimento particular da malandragem e das coisas mundanas. Após um gole de café, me convida para conhecer seu apartamento, classificado por ele como 'suíte presidencial' localizada no último andar do edíficio.




O local transcende o conceito de improvisação. Paredes de maderite são rearranjadas toda noite conforme o vento e o frio, barris de água coletada da chuva servem para fazer a higiene cotidiana de Sílvio e sua família. A televisão funciona tão bem que as cores do filme 300 são tão intensas quanto as do cinema.

Invasão

O nome apropriado não deveria ser esse. Numa cidade com tantos moradores de rua, a quantidade de imóveis vazios seria mais do que suficiente para abrigar toda essa gente.

Reflexo da desigualdade e da falta de políticas públicas equilibradas para atender este contingente de pessoas comuns, que levam os filhos as escolas, que trabalham e que acima de tudo tem enorme dignidade.

Cabeça erguida para recomeçar tudo de novo quando a polícia vier com a ordem de despejo. Não querem confusão, não querem vandalizar o patrimônio privado, ao contrário, clamam pelo direito à moradia e mais do que isso, por uma vida digna, fora das calçadas traiçoeiras de São Paulo.

Me despeço de Sílvio com a promessa de colaborar no dia das crianças com a festa que darão para os pequenos da ocupação.




O dia será cheio de alegria para estas pessoas cujo futuro incerto chega a ser apavorante. "Quando vier o despejo a gente continua com a cabeça erguida, escolhe um novo local e começa tudo de novo. Desistir? Eu que não vou deixar minha mulher e meus filhos vivendo em calçada!"

Victor Moriyama, 26 anos, é repórter fotográfico do Jornal O Vale, em São José dos Campos, cidade que reside atualmente. Mantém coluna Fotógrafo-escreve no NR.

A cura

Coloquei a mão por debaixo da camiseta e senti uma saliência na altura do peito, no lado esquerdo. Quando passei o dedo por cima, o pequeno calombo se mostrou flácido e meu indicador entrou carne adentro, por entre as costelas, quase até o final da unha.

Não havia sangue nem dor, mas um certo incômodo. Uma daquelas pessoas que me acompanhavam – todas eram desconhecidas para mim – me disse que aquilo era perigoso, que uma veia do coração estava entupida e que se não encontrássemos um médico logo eu iria morrer.

Saímos correndo em busca de ajuda por uns corredores estreitos de paredes claras. O ar começou a me faltar e era cada vez mais difícil ficar em pé. Eu apertava meu peito com a mão direita e puxava o ar,
mas o único que conseguia era tossir. Era como se alguém estivesse apertando com força meu pescoço.

Perdi a consciência e quando acordei estava deitado em uma maca. O médico com cara de boa gente se aproximou com tranquilidade e me disse que eu ficaria bem. Segurou meu pé esquerdo, procurou um ponto logo abaixo dos dedos e com uma agulha cumprida injetou um líquido verde que estava numa seringa enorme. Repetiu o procedimento no pé direito.

Senti o líquido gelado subir pelo meu corpo e uma paz tomou conta de mim. Eu não sabia se ia ficar bem ou morreria, mas tinha certeza de que aquela agonia ia acabar. Perdi de novo a consciência.

Acordei com um zumbido forte no ouvido. Tirei a camisa e procurei algum sinal, mas não havia nada no meu peito nem nos pés. Puxei o ar com força e senti que os pulmões continuavam funcionando bem.

Enquanto esperava a água ferver para preparar o café, pensei que talvez seja durante o sonho que o corpo cura – ou ao menos tente curar – as feridas do coração. Até que chegará o dia que, de tanto remendo, já não terá mais conserto…

E antes ainda da chaleira apitar deu tempo também de pensar que há muita coisa na vida, entre elas alguns sonhos, que, para o bem de nossos frágeis corações, não deveríamos recordar.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do NR e do Purgatório, atualmente em Salamanca, Espanha. 

domingo, 16 de outubro de 2011

Por uma sociedade com menos carros

Agradeço imensamente todas as pessoas que leram, curtiram e comentaram, no site ou diretamente pra mim, meu texto anterior, “Uma Reflexão e uma proposta (espero) polêmica”. Fiquei muito honrado com a “audiência” de vocês, e portanto, resolvi escrever uma continuação-resposta daquele texto.

Uma das coisas que me foram ditas é que não é tão simples assim, que o transporte público é ruim etc. Concordo. Acho que o fundamental é tentarmos nos educar e desconstruir o que temos hoje, no ritmo que nos for possível, para nos prepararmos para uma sociedade com cada vez menos carros.

Por exemplo, neste final de semana, precisava estar em um local a umas nove quadras da minha casa, às 9h da manhã. Me preparei para acordar em tempo de ir a pé para esse compromisso, mas quando acordo, bum, uma baita chuva. Despreparado como sempre, eu estava sem guarda-chuva e nove quadras na chuva é muito pé-no-saco.

Resignado, percebi que teria que ir de carro. Isso serviu para eu me preparar melhor, perceber que preciso comprar um guarda-chuva e estar psiquicamente preparado para, mesmo debaixo de chuva, andar as nove quadrinhas que, inclusive, ajudariam bastante a reduzir minha saliente pancinha.

Não gostei de ir de carro, pagar trinta mangos no estacionamento, mas aposto que, da próxima, irei a pé – já que, no caminho que eu precisaria fazer, não haveria possibilidade de ir de ônibus.

Acho que o importante é isso, que a gente vá, aos poucos, se preparando para depender menos e menos do carro. E se isso for se intensificando, é um processo que alimenta, também, a melhoria do transporte público – novamente, espero.
 
Outra coisa que me disseram é que as restrições que eu propus no outro texto eram pouco ainda, ou seja, que eu tinha sido meio “recuado”. Concordo também. Mas eu quis justamente fazer algo que, na minha cabeça, teria condição de dialogar com mais gente que as pessoas que já debatem sobre o assunto.

Às vezes, tenho a sensação de que a gente fica falando pra igrejinha, pra quem já sabe do que a gente está falando – e é natural, é mais fácil, essas pessoas entendem melhor a gente. É fácil falar que a gente precisa usar menos carro pra um monte de gente que já acha isso, que já concorda.

Então, pode até ser que a minha “estratégia” esteja errada – acho bem possível mesmo! - mas eu queria que os termos desse debate alcançassem além de quem já curte bicicletas na cidade, de quem já abriu mão de seu carro etc.

Nem sempre a gente “rebaixar” o discurso é a melhor forma de atingir mais gente. Eu também acho que o ideal seria não ter mais carro na cidade, parar a fabricação, que o governo devia parar de dar tanta facilidade pras montadoras, mas tive a sensação de que esse tipo de proposta pode criar um muro e, por mais que pegue bem com algumas pessoas, poderia ter menos capacidade de convencer mais gente.

Rodrigo Mendes de Almeida, jornalista, colunista do Nota de Rodapé

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

As capas dessa história

"Este livro foi alinhavado através do trabalho de uma equipe do Instituto Vladimir Herzog de jornalistas, historiadores e pesquisadores que, a partir das capas das publicações, foi atrás desta incrível trajetória da imprensa alternativa, clandestina e no exílio que, cada uma a seu modo, soube resistir à ditadura instalada em 64. Sem contar o prazer de levantar um material lindo e inédito", resume Ricardo Carvalho, coordenador do projeto Resistir É Preciso, sobre o lançamento do livro "As capas dessa história".

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Você já era

Ex é um prefixo de origem latina que possui um imã potente. Apesar dos gramáticos garantirem que palavras não podem possuir nada e menos ainda ter imãs, o Ex adora atrair pessoas para sua companhia. Cochilou no emprego, na relação amorosa, na rede social e você vira um Ex. Outra característica dessa palavrinha, quando indica status anterior, é sempre ligar-se com hífen à sua presa.

Não importa que, por muitos anos, você tenha sido alguma mesma coisa. Deixou de ser, é Ex. Passou a faixa presidencial, é ex-presidente. Parou de quebrar narizes, é ex-pugilista. Não roda mais bolsinha, é ex-garota de programa. Perdeu o campeonato, é ex-técnico de futebol. Usou batina e quer casar, é ex-padre. Esqueceu a pinça dentro do corpo do paciente, é ex-médico.

Outra definição, menos formal e mais real, do Ex é: aquilo que foi, não é mais, mas sempre lembra ou é lembrado que foi. Por exemplo, você se separou dela, rasgou os retratos com ela, tem raiva dela, não quer vê-la nem na imaginação. Seu chefe chega e diz: "Encontrei sua ex-mulher na ponte aérea. Parecia ótima com o novo marido." Mais uma característica do Ex, fazer você ficar antigo.

Ou aquele ex-namorado que era capaz de parar o globo terrestre por você e se transformou num bunda-mole. Ele que tinha o beijo mais delicioso da vizinhança e, agora, é de lembrança enjoativa. E uma amiga, candidata a ex, dispara: "Por que você não dá uma chance para o seu ex?" Vamos recordar: tem Ex que deixa de ser Ex. Mas em geral seguem Ex e geram outros. Daí, ex-sogro, ex-cunhado, ex-família da ex-noiva.

Há também os Ex sociais. São um capítulo divertido da comédia dos Ex. Os ex-comunistas que passam seus dias esbravejando contra sindicatos, Lênin e a luta de classes. Carlos Lacerda (1914 -1977), governador do então estado da Guanabara, aliás Carlos Frederico, em homenagem ao Karl Marx e Friedrich Engels, foi um típico ex-comunista. Ferreira Gullar idem. Hoje, há os ex-petistas. Dedicam suas horas a meter o pau, com razão ou não, em qualquer ação ou pensamento que tenham a ver com os ex-companheiros da Estrelinha, esta também ex-vermelha.

Bom não esquecer dos que tiveram uma glória momentânea e carregarão o carimbo Ex pela existência. Os ex-pracinhas passaram alguns meses lutando na Itália e o resto de suas vidas desfilando nos 7 de Setembro. As ex-misses, Universo ou não, mostraram bustos perfeitos e cinturinhas lindinhas por algumas noites na passarela, e vão fazer 40 anos com os outros cochichando: "Você viu como a ex-miss Brasil ficou velha?" Dureza.

Até o momento não tenho notícias de nenhum ex-ecologista, mas uma hora deve aparecer. Imagine o tipo! Só espero que não seja tão paranoico como os ex-fumantes. Gente que baforou a vida toda na sala, na cama, no banheiro e, de um dia para o outro, não pode avistar bituca, cinzeiro, fumantes. Gente que manda a visita tragar seu inocente cigarrinho no quintal longe dos vasos de plantas ou no corredor do prédio ao lado da lixeira.

Para terminar essa crônica, antes que ela vire Ex, é preciso escrever que tem uma categoria dos que nunca serão Ex. Assim, não existem ex-mãe, ex-pai, ex-irmãos, ex-filhos. Nem ex-cidade natal, ex-criança, ex-adulto, ex-velho. Como também é impossível existir uma ex-viúva ou um ex-morto.

Fernanda Pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Americanos ou Estadunidenses?

Os cidadãos e cidadãs dos Estados Unidos têm o mau hábito de referir-se a seu país como a “América” e a si mesmos como “americanos”. Simplesmente desprezam o fato elementar de que o continente americano é formado por três porções – a América do Norte, a América Central e a América do Sul – e é integrado por numerosos países e não apenas pelos Estados Unidos. Todos os povos desses países são tão americanos quanto o dos Estados Unidos.

Há quem imagine que, referindo-se a “norte-americanos” em vez de “americanos”, resolve a designação equivocada e arrogante. Quem pensa assim, negligencia outro fato elementar: o de que a América do Norte não é integrada somente pelos Estados Unidos, mas também pelo Canadá e pelo México. Os povos desses países são tão norte-americanos quanto o dos Estados Unidos.

Quem reduziria a “Europa” à França, por exemplo, e chamaria os franceses simplesmente de “europeus”? 

A designação adequada para referir-se ao território dos Estados Unidos, ou a seus cidadãos, cidadãs e habitantes, ou a suas instituições, criações e história, é a de estadunidenses. É um adjetivo mais longo e menos eufônico, poderão objetar alguns acomodados à referência tradicional e arraigada, mas é o adjetivo correto. Quem reduziria a “Europa” à França, por exemplo, e chamaria os franceses simplesmente de “europeus”?

As designações dos Estados Unidos como “América” e dos estadunidenses como “americanos” ou “norte-americanos” são tão reiteradas que até estadunidenses críticos e progressistas acabam escorregando inadvertidamente nessas referências presunçosas e imperiais. Mais lamentavelmente ainda, elas têm sido tão repetidas que acabaram sendo copiadas pelos demais povos americanos numa introjeção passiva e irrefletida.

A crítica a esse hábito secular pode parecer uma picuinha desimportante. Mas ele reforça, mesmo que inadvertidamente, nos estadunidenses, sua conhecida prepotência e, nos demais povos americanos, uma acomodação subserviente e perigosa. Não há motivos que justifiquem a aceitação dessa tentativa de usurpação, mesmo que simbólica, de nossos direitos comuns sobre o território, a história e as criações das Américas.

Todos nós somos americanos e ao mesmo tempo argentinos, brasileiros, cubanos, mexicanos e estadunidenses. A disparidade atual de riqueza e de força entre nossos países não legitima essa apropriação cultural.

As expressões idiomáticas não são inocentes nem inócuas, como parecem. Considere-se, por exemplo, o uso indiscriminado que se passou a fazer do termo “terrorismo” para desqualificar qualquer ato ou movimento armado de resistência às tiranias violentas e às diversas formas, também armadas, de opressão nacional e social.

Por mais difícil que seja, comecemos a praticar um pequeno ato quotidiano de resistência cultural, recusando-nos a identificar os Estados Unidos com as Américas e a tratar os estadunidenses como os únicos americanos ou norte-americanos, chamados a modelar os demais países e povos de nosso continente segundo seus interesses, escolhas e tradições.

Habituemo-nos a chamar os Estados Unidos de Estados Unidos e seus cidadãos, habitantes e instituições de estadunidenses – como são. Recuperemos nossa estima e nossa autonomia.

Duarte Pereira, 72 anos, é jornalista e escritor, especial para o NR e Correio da Cidadania.

Animais

Tomei conhecimento que um grupo de animais agrediu o jogador João Vitor do Palmeiras na loja do clube.

O jogador e mais duas pessoas que estavam com ele foram agredidos por 15 ou mais "palmeirenses" (?) e levados ao hospital com vários ferimentos leves. Sou palmeirense desde os meus oito anos de idade e tenho grande simpatia pelo clube, que tantas alegrias já deu aos seus torcedores.

Por incompetência administrativa, ganancia de empresários e vaidades de alguns "cabeças de bagre" que para lá foram contratados, o time não faz boa campanha no anos de 2011, como não tem feitos em anos anteriores.

Isso, às vezes, acontece com muitos times, que passam por fases difíceis, por esse ou aquele motivo. E qualquer que seja o motivo, isso não dá direito a esses idiotas de fazerem o que fizeram com o João Vitor.

Já está mais do que na hora de se tomarem providências mais sérias em relação a esses animais que se fantasiam de torcidas organizadas (o problema não é só do Palmeiras) e tomar medidas duras contra essa demonstração de selvageria.

Ou ainda chegaremos a copa de 2014 com o futebol brasileiro deixando as páginas esportivas para se transformar em matéria policial ou em avisos fúnebres.

Izaías Almada, escritor e dramaturgo, colunista do NR

A peleja do samba

Pouca gente sabe dessa história, mas a célebre canção Feitiço da Vila (“São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba”) faz parte de uma disputa musical travada entre Wilson Batista e Noel Rosa na década de 1930.

A peleja, iniciada pelo sambista da malandragem, levou esses dois grandes músicos a compor 9 canções que atravessaram gerações. Só mesmo a música nacional, com toda a sua malemolência e criatividade seria capaz de transformar uma peleja intelectual em pérolas do cancioneiro nacional.

A proposta do quadrinho “Duelo dos Bambas”, de Ricardo Morelatto (arte) e Carolina Lopes (roteiro) foi retratar uma das disputas musicais mais famosas da história da música popular brasileira.

Quem quiser saber mais sobre a célebre disputa pode consultá-la também no Dicionário Houaiss Ilustrado da Música Popular Brasileira, criação e supervisão geral de Ricardo Cravo Albin.

Ree feed

Carolina Lopes é jornalista, editora do site www.jornalismoeducativo.com.br. Produz reportagens em quadrinhos para o blog www.desenhodanoticia.com.br com o desenhista Ricardo Morelatto, criador do blog www.fosseisimaginarios.com.br

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A máquina de flores

A verdade é que a princípio me pareceu uma ótima ideia. Era útil, prático e qualquer um poderia fazer uma mulher feliz com um punhado de moedas. Era só introduzi-las na máquina, escolher o número, e como num passe de mágica uma flor brotaria em minhas mãos.

Fiquei ali por alguns minutos admirando a parafernália exposta no corredor do aeroporto. Era uma estrutura de vidro, uma espécie de aquário em vertical, com quatro andares de flores, de diferentes tamanhos e cores, que giravam vagarosamente. Meu interesse era muito mais pela máquina – novidade para mim – do que pelo conteúdo: não esperava por ninguém e não tinha a quem presentear.

E eis que o senhor seco, com roupa de missa de domingo, se aproxima e passa a analisar a geringonça.

Olha primeiro com curiosidade, mas logo faz cara de reprovação e começa a balançar a cabeça negativamente. Vai embora contrariado e me permite imaginar que pensa que o mundo, realmente, está perdido.

Volto a olhar a máquina e já não a vejo com a mesma simpatia de antes. O senhor dos suspensórios tem razão, penso eu: não se vende flores assim como se fossem latinhas de refrigerante. Vendê-las (e comprá-las) requer um ritual, há um código estrito e protocolar de conduta.

Pela cara do cliente o florista já sabe se o carinho é para gente viva ou morta, se é por amor ou obrigação, conquista ou reconquista, chegada ou partida. A partir daí, adota a postura correta para cada situação. Faz cara de tristeza ou pesar, ou se deixa contaminar pela euforia ou esperança que emana do apaixonado que procura, dentre tantos vasos, o girassol mais bonito que se tem notícia.

Se for para entrega, promete que vai escolher a flor mais linda que por lá estiver. Pergunta se o cliente não quer escrever um cartão, recebe o dinheiro com quem diz “se pudesse, não lhe cobraria” e no final deseja um bom dia para o amoroso ou guarda silêncio em respeito à dor do semelhante.

Se for um bom florista mesmo, dá um suspiro demorado, cheio de inveja (da boa) ou de pena pelo cliente que acaba de sair com um arranjo na mão, e pensa: nasci para vender flores.

Enquanto isso, a máquina apenas cospe um vasinho sem graça e, no máximo, diz: retire o produto.

O painel me avisa que chegou a minha hora de ir.

Dou as costas para a engenhoca sem alma e cruzo novamente com o senhor dos suspensórios. Cada um segue seu caminho, ambos com cara de quem já não acredita no conserto do mundo.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do NR e do Purgatório, escreve às segundas.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Brasil precisa de Serra e FHC

Sem paixões partidárias, sem extremismos ideológicos, preconceitos e com moralismos à parte, seria interessante que se fizesse nos dias atuais uma pesquisa de opinião pública mais específica em que se pudessem estabelecer comparações pormenorizadas entre o Brasil que veio até o final dos anos 90 e o Brasil que se inicia após a eleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva.

Uma pesquisa de opinião que não fosse apenas para servir a campanhas eleitorais ou programas televisivos de partidos, onde por vezes a emoção conta mais que a razão, mas levantando questões efetivamente alicerçadas sobre a nova realidade do país, construída nos últimos oito anos nos campos econômicos, políticos e sociais, avaliando – com mais dados – suas causas e seus efeitos práticos.

É natural que em toda atividade humana o avanço, o progresso e o bem estar da sociedade sejam desejados, sonhados, trabalhados e – sobretudo – muitas vezes conquistados. Nem sempre, entretanto, na história das nações, essa premissa se fez valer. No caso do Brasil, desde o nosso descobrimento, diga-se a bem da verdade.

Vamos apenas citar como exemplo, já que mais recente, o golpe civil/militar de 1964/68, muito embora até aí se possam pinçar, mesmo com o retrocesso político e a supressão das liberdades democráticas, alguns avanços estruturais e superestruturais no país.

Fruto de uma opção ideológica e de um alinhamento total com a política de estado norte americana nos anos após a Segunda Grande Guerra, fugindo da “órbita soviética”, as elites brasileiras, seus estratos mais conservadores e reacionários, ao darem um golpe de estado no início da década de 60, expulsaram do poder político os setores mais liberais e de esquerda que vinham conquistando posições de destaque em governos como os de Getúlio Vargas, Juscelino Kubstcheck e João Goulart.

Esses governos, embora de origem, natureza e alianças partidárias distintas, tinham em comum, cada um à sua maneira, uma visão de futuro para o país. Mais do que isso, uma visão de independência, de autodeterminação e de criação e defesa de um parque industrial brasileiro. Muitos de seus integrantes abraçavam causas nacionalistas, populares e até mesmo a idéia de uma nação socialista.

A quebra da legalidade democrática em 1964/68, fruto do alinhamento estratégico acima citado, levou milhares e milhares de brasileiros a uma oposição que, tolhida pela censura, mas consentida e subjugada no Congresso, ainda assim venceu algumas eleições estaduais em 1965.

Com as prisões, cassações e perseguições, chegou a pegar em armas. Durante 21 anos a repressão entre nós se fez e de forma violenta, batendo e arrebentando segundo o eufemismo castrense, chegando a reunir opositores cujo leque ideológico variou de uma direita propositiva e nacionalista, passando por católicos conservadores e progressistas até uma esquerda guerrilheira socialista e internacionalista.

Com o correr dos anos e da reconquista da democracia, contudo, para desespero dos espíritos autoritários e saudosos de um regime fechado, o poder volta a ser disputado nas urnas. Através de sucessivas eleições o exercício desse poder é aceito e consagrado dentro de um mundo de configuração ainda capitalista, agora com suas regras neoliberais fortemente colocadas no tabuleiro, mas também aberto e cativo das possíveis opções, para milhões de seres humanos, entre as economias socialistas e capitalistas. Opção e conflito particularmente intenso nos países em desenvolvimento do chamado terceiro mundo, vítimas seculares da predação capitalista.

Nesse novo cenário, onde prosperaram as ideias do fim da História, do Estado mínimo, da economia regulada pelo mercado, das especulações financeiras sem regulamentação legal e, sobretudo, pela desintegração do bloco socialista na Europa de leste com o fim da União Soviética, com o surgimento de dúvidas e inseguranças ideológicas por aí geradas, era natural que se desse novo realinhamento no terreno da prática econômica e política mundial e, por conseguinte, na brasileira. As peças no tabuleiro se movimentavam com o propósito do cheque mate à opção socialista, com a palavra e a atitude agressiva da globalização econômica substituindo eufemisticamente o uso do substantivo imperialismo.

A emblemática queda do muro de Berlim e o esfacelamento de inúmeros Partidos Comunistas ao redor do mundo, além de lançar na orfandade milhões de cidadãos que ansiavam pelas transformações e avanços sociais, acabou por despertar nos esquerdistas de ocasião ou arrependidos, nos ‘pragmáticos’ liberais, e nas novas gerações crescidas dentro da propaganda neoliberal, a oportunidade de revelarem – aqueles – o seu verdadeiro caráter e ideologia há tantos anos sufocada e reprimida, e nas novas gerações o sonho do enriquecimento fácil e do consumismo desbragado. Isto para não nos aprofundarmos nas decisões “pragmáticas” tantas vezes invocadas em defesa do status quo. E no fechar de olhos à crescente cultura da corrupção.

Creio que não saiu de moda o aforismo “a ocasião faz o ladrão”. Pode-se, igualmente, também dizer que em política as circunstâncias fazem as opções ideológicas e partidárias. Não será de um, de cem ou de mil o número de pessoas que transitam de um lado para outro do espectro das ideias e da política partidária, consoante o canto da sereia. Essa liberdade de escolha, em si, não é condenável.

Qualquer um de nós tem o direito e a liberdade de fazer as escolhas e as opções políticas que quiser. É isso, pelo menos, o que pregam os democratas convictos da velha guarda ou os arrivistas. Temos é que manter alguma coerência com essas opções. Ou justificá-las com alguma honradez quando nos levamos a sério.

O que parece condenável, a meu ver, é constatar que homens minimamente dotados de conhecimentos que os credenciam à vida pública prepararem-se para o exercício do poder político mercê do jogo sujo e oportunista de se adaptarem às circunstancias de momento, a assumirem uma demagogia de linguagem rebuscada e pseudocientífica, a nadarem sempre a favor da correnteza, a dançarem conforme a música lhes é agradável e de ritmo conveniente.

Será essa, com certeza, a história política brasileira contemporânea que, entre inúmeros exemplos, evidencia o caso dos cidadãos José Serra e Fernando Henrique Cardoso, dois expoentes de uma, seja dita, esquerda política, que nada mais representou até hoje do que o sonho social democrata em ninhos de esquerda de matizes socialistas, enquanto ser de esquerda era a “moda”, ainda que arriscada e perigosa. Em particular dentro do âmbito muitas vezes elitista e acadêmico das universidades. Os caminhos do exílio e do banimento durante e após o golpe de 64 têm, a esse respeito, histórias bem diferentes para serem contadas.

A trajetória desses dois expoentes do PSDB é emblemática em vários sentidos: FHC pelo exercício aligeirado e elegante do mando político, mas desprovido de maior conteúdo; Serra pela obsessão em chegar à presidência da república, gabando-se de ser um dos brasileiros mais preparados para isso.

FHC comandou um país subalterno e dependente economicamente de empréstimos obtidos junto ao Fundo Monetário Internacional, vendendo a trinta dinheiros várias empresas públicas, incentivando o verdadeiro mensalão para a aprovação da reeleição em causa própria, deixando varrer para debaixo do tapete a grande negociata das privatizações, eliminando conquistas trabalhistas de décadas, mantendo um salário mínimo de fome, sucateando e mercantilizando a educação e as escolas e universidades, negligenciando a saúde, para lá indicando seu fiel escudeiro e até então protegido.

Essa escola de “bem governar”, que pretendeu permanecer 20 anos ou mais no poder federal (em parte conseguindo o seu intento no governo de São Paulo), foi – enquanto isso – gerando em seu ninho um quadro que levasse à frente o programa neoliberal com algumas tinturas menos ortodoxas, fazendo-o caminhar pelas instâncias do Ministério da Saúde, do governo do Estado de São Paulo e da prefeitura de São Paulo, mandatos nem todos eles concluídos, é bom lembrar, tamanha a obsessão do candidato ao cargo pretendido.

O Brasil desses dois homens, nesses tempos informatizados, em que a realidade muda com grande rapidez, se transformou também rapidamente num Brasil do passado; no Brasil dos envergonhados de serem brasileiros; no Brasil dos subalternos, da política externa submissa, dos que adoram encher a boca para falar mal do seu país; no Brasil dos arrogantes de títulos acadêmicos e de togas acima do bem e do mal, dos que comem peru e pensam arrotar caviar; no Brasil das citações de pé de página; no Brasil em que muitos insistem na justiça mais flexível para a Casa Grande e na mais rígida obediência às leis para a senzala; no Brasil dos que ainda anseiam por golpes militares; no Brasil da improvisação no lugar do conhecimento, muitas vezes maquiada de competência; no Brasil dos armários cheios de esqueletos físicos e morais; no Brasil de um passado que tem medo da verdade; no Brasil de uma imprensa chantagista e irresponsável, legando aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef, o pesado fardo de consertar muita sujeira e muita incompetência de se passado mais recente, tão evidente e tão escondido pela mídia.

Vistos os fatos por essa perspectiva, mas com os olhos confiantes postos no futuro e nas transformações que vão, pouco a pouco acontecendo interna e externamente, é que se pode afirmar: O BRASIL PRECISA DE SERRA E FHC!

O Brasil precisa de Serra e FHC para esquecer o passado;

O Brasil precisa de Serra e FHC para se lembrar de não mais abaixar servilmente a cabeça para países arrogantes e de natureza imperialista;

O Brasil precisa de Serra e FHC para mostrar a si mesmo e ao mundo que outro país é possível;

O Brasil precisa de Serra e de FHC para sempre se lembrar que não é preciso chegar ao limite da irresponsabilidade;

O Brasil precisa de Serra e de FHC para, desmentindo-os, jamais privatizar sua riqueza e entregar o país a grupos internacionais;

O Brasil precisa de Serra e FHC para mostrar, na prática, que criar 15 milhões de empregos em carteira não é uma questão de promessa eleitoral;

O Brasil precisa de Serra e FHC para, paradoxalmente ignorando-os, mostrar ao povo brasileiro como é possível manter em mãos do país uma empresa como a Petrobrás, sem descaracterizá-la ou entregá-la a grupos estrangeiros;

O Brasil precisa de Serra e FHC para, ao contrário deles, perceber que o mundo começa à nossa volta, com os nossos vizinhos da América do Sul e do Caribe;

O Brasil precisa de Serra e FHC, enfim, para sacudir a poeira do atraso, o colonialismo cultural e assumir em definitivo o seu destino de grande nação.

Na parede da ante-sala desse novo país que, tudo indica, está sendo construído, será preciso colocar o retrato emoldurado desses dois personagens. E olhando-o, sem qualquer saudade, ainda assim invocarmos o grande poeta mineiro usando o tempo do verbo de nossa lamentação no passado: “E como doeu!”.

Izaías Almada, escritor e dramaturgo, colunista do NR. Ilustrações do blog do ilustrador e caricaturista Baptistão.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Mesmo que não pareça

Falam que a crônica é a mais pé-de-havaiana, rasteira, ralé, carne de segunda, superficial dos gêneros literários. Sendo o cronista um mequetrefe, um fichinha, um reserva que jamais medirá ombros com um romancista. Este sim, como já disse um romancista, o camisa dez da literatura.

Também falam que os grandes temas: amor, morte, amor, morte não se prestam à pena do cronista. A pena estaria condenada a observar e descrever um cachorro atravessando a rua, um homem à janela, uma senhora numa cadeira de rodas. Enquanto o romancista chega perto de uma sinfonia, o cronista aproxima-se do piu-piu de um passarinho.

Como as asas que Deus me deu são de cronista, vou me socorrer de um poeta, o fabuloso Paulo Leminski, para começar a história. Escreveu ele: "Guerra é assunto importante demais / para ser deixado / nas mãos de generais". Parafraseio: Luta é assunto importante demais para ser deixado nas mãos de vencedores.

Para entrar numa guerra não precisa invadir territórios, queimar plantações, envenenar arroios, matar pessoas. Para ser guerreira ou guerreiro não é necessário vestir armaduras, usar óculos de visão noturna, pistolar-se até os dentes. Ao contrário da propaganda da Brahma, para ser guerreiro não precisa ser louco pela seleção, nem inflar a pança com cerveja.

Guerrear é mais trivial e profundo do que afirmam os compêndios de história ou manuais militares. Esqueça artilharia, cavalaria, força aérea, força naval. Para entrar numa guerra basta ser um usuário do sistema metropolitano de São Paulo. Isso mesmo: basta usar trens e metrô. Não precisa ser no horário do rush, pois nessa cidade toda hora é hora de pico. E entre o vão e a plataforma, de repente, surgirá um trem. Lotado.

Dia a dia, milhões de guerreiros se armam de táticas e estratégias para subir e descer infindáveis escadas-rolantes, marchar em corredores quilométricos, acessar vagões, sacolejar o corpo entre outros corpos. Ouvir mil vezes a voz do condutor explicar que a culpa da parada antes da estação, do atraso da viagem é do usuário que segurou a porta, mesmo quando nenhum usuário está próximo da porta.

Isso é ou não uma guerra? Uma guerra diária. Ou como escreveu um outro poeta, severina. Sem condecorações, sem espólios, sem troféus. Guerra que inspirará apenas os cronistas. Mas há o entusiasmo da vitória quando se chega pontualmente no trabalho ou na escola. O frenesi da vitória quando se chega em casa, e direto para a tv e a cama. Na manhã seguinte, mais um toque de alvorada.

Fernanda Pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Márcio R. Lourenço não teve tempo de se internar

Rapaz foi morto pela guarda municipal de Atibaia. A prefeitura da cidade foi condenada por violação de direitos humanos.

O negro Márcio Rodrigues Lourenço, 25 anos, morreu na tarde de 19 de agosto de 2008. Ele e outro rapaz, Denis Sousa, invadiram um imóvel vazio no bairro Estância Lince, de classe média alta, em Atibaia, a 65 km da capital paulista. No local, antes de soar o alarme, furtaram torneiras metálicas. Cercados pela polícia, tentaram fugir pelos fundos da casa, que dava num matagal.

Agentes da guarda municipal estavam de tocaia numa rua próxima e surpreenderam os rapazes à bala. Segundo relatos, os dois tentaram a rendição. Atingido por um tiro nas costas quando tentou subir um muro na fuga, Márcio morreu na Santa Casa da cidade. Denis conseguiu fugir e posteriormente se apresentou à polícia.

Nascido no Paraná, Márcio tinha mãe, irmãos e namorada. Trabalhava como pedreiro e jardineiro. E o fim de sua história trágica tem a ver com a dependência de crack, iniciada em 2005.

Em 2006, foi preso por furtar fios de cobre para comprar a droga e cumpriu pena em Hortolândia, na região de Campinas. No ano seguinte, voltou para Atibaia e, dois anos depois, foi executado pelo poder público, como aponta a justiça.

Para sustentar a dependência da pedra, Márcio praticava pequenos furtos, a maioria das vezes em casas inabitadas e construções para alugar. Nas duas vezes em que foi preso, não portava armas.

Também não possuía nenhum registro de violência. A guarda municipal – vinculada à secretaria de segurança pública da prefeitura – alega que Márcio estava armado e que atirou primeiro. A tese, muito comum entre as polícias brasileiras, foi a da legítima defesa.

Os jornais da cidade, na maioria, engoliram a versão oficial sem apurar e checar o episódio. Por exemplo, a edição do Atibaia Hoje, de 23 de agosto de 2008, estampou a foto do rapaz morto na capa. A manchete sugeria que “assaltante atirou na guarda municipal” e “foi morto no revide”.

A justiça discorda

A justiça não concorda com a versão da guarda municipal, tampouco corrobora com o que publicou o jornal. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve sentença contra a prefeitura de Atibaia por violação de direitos humanos. Na decisão, confirma a execução e aponta que o boletim de ocorrência foi forjado, já que o processo judicial desmente que o rapaz teria sido morto após trocar tiros com os agentes.

O acórdão do TJ-SP, baseado em decisão unânime dos desembargadores, preserva a determinação de primeira instância do juiz Marcos Cosme Porto, da Comarca de Atibaia, de 25 de março de 2010. A ementa da decisão aponta responsabilidade objetiva do poder público em morte provocada por tiros disparados pela guarda municipal com legítima defesa não comprovada.

Na esfera cível, a mãe do rapaz, Olinda Rodrigues Lourenço, pediu indenização. “O Márcio tinha defeitos. Não digo que não furtou as torneiras, mas ele nunca andou armado, não era o criminoso que disseram”, desabafa Olinda. “Estava esperando essa decisão. Finalmente saiu”, completa.

Na sentença de primeira instância, o juiz, além de apontar que a vítima faleceu em decorrência dos disparos de arma de fogo da guarda municipal, diz que apenas uma hipótese afastaria a responsabilidade do poder público; a prova séria e convincente de terem os guardas agido em legítima defesa.

Em outra parte da decisão, a sentença indica: “sabe-se que o Estado responde objetivamente pelos danos ocasionados pelos seus agentes no exercício da atividade pública (...) as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Outro ponto que merece destaque é sobre a suposta arma que os guardas alegaram que Márcio portava. Segundo a decisão, ninguém a localizou e não houve trabalho pericial para localizar os projéteis disparados contra os guardas. “A versão dos guardas municipais não poderia ser outra, sobretudo porque estão todos sob suspeita de participação nessa desastrosa e irresponsável ocorrência. Não há efetivamente prova de que a vítima estivesse armada e, diante desse quadro, ainda que em fuga pela subtração, de forma alguma poderiam os agentes ter reagido com disparos de arma de fogo”, ressalta o juiz.


“Se a conduta é legítima,
pobre dessa Nação”

Sobre direitos humanos e o arquivamento do inquérito policial que investigava o caso, a determinação da justiça enfatiza o papel do Estado no respeito aos direitos humanos.

A sentença cita o jurista Dalmo de Abreu Dallari. “Qual é o Estado que se quer? Dalmo de Abreu Dallari escreveu notável obra a respeito do “Poder dos Juízes” e ao abordar o respeito aos direitos humanos foi contundente: “...ponto fundamental é o que se refere à influência das convicções políticas e jurídicas de muitos juízes que, simplesmente, não reconhecem como um dever jurídico o respeito às normas de direitos humanos, ou exigem requisitos formais absurdos quanto à comprovação das violações e da autoria. Há juízes que, por convicção ou interesse pessoal, são cúmplices de governos, pessoas e grupos privados violadores de direitos humanos e, a partir daí, protetores dos agentes diretos da violação”.

O texto prossegue criticando a conduta da guarda e contesta o andamento da investigação do caso: “não é razoável que tenha sido arquivado o inquérito policial que poderia apreciar melhor a conduta dos agentes municipais, já que não havia prova alguma a respeito da vítima estar armada; ao contrário, a presunção que naturalmente se impõe é de que não estava e, além disso, é inevitável ponderar: Márcio foi morto quando tentava fugir. Se a conduta é legítima, pobre dessa Nação”.

Ainda sobre a legítima defesa alegada, o juiz argumentou que a prefeitura deveria ter demonstrado em juízo a culpa da vítima, mas que, em vez disso, apresentou prova que não pode ser contraposta aos autores. De acordo com a sentença, não há demonstração da legítima defesa e, sem prova convincente, a exclusão de responsabilidade não pode ser acolhida, devendo a fazenda municipal, portanto, responder pelo dano causado pelos agentes.

No final, a decisão aborda a indenização por dano moral e determina valor equivalente a cem salários mínimos à família de Márcio, condenando a prefeitura ao pagamento com correção monetária desde a data do fato (19 de agosto de 2008) e juros legais desde a citação, mais custas judiciais.

Com a decisão na esfera cível, em duas instâncias, a administração municipal tenta recorrer em Brasília, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por outro lado, é possível, com atraso de três anos, a instauração de ação administrativa retroativa para que a prefeitura apure internamente a responsabilidade dos agentes.

Além disso, a reabertura do processo criminal foi solicitada, pela organização não governamental Centro Nacional de Denúncias (CND-BR), ao Ministério Público, que arquivou o inquérito justificando não haver provas que constatassem infração por parte da guarda municipal.

Marcos Rodrigues Lourenço, irmão de Márcio, avalia que a sentença, independentemente do valor da indenização, motiva a continuação da luta para punir os responsáveis.

“Nós, da família, nem estamos preocupados com o valor. Essa decisão nos fortalece para pedir justiça, para que os responsáveis tenham a culpa investigada pela prefeitura e para que respondam criminalmente. Tenho os jornais da época pintando meu irmão como um bandido perigoso, que atirava em guardas, matérias que expuseram a imagem dele sem a nossa autorização. O Márcio não era nada do que disseram. Tinha uma dependência, estava falando em se internar, mas não deu tempo”, diz Marcos.

Moriti Neto, jornalista, repórter do Nota de Rodapé.

O olhar de Alphonse Kenyi

“El País, por favor”, digo, estendo o braço, e deposito 2,5 euros na mão em formato de concha da senhora de cabelo bem curto e grisalho. Ela me dá o jornal enrolado, me olha com certa ternura com seus olhos castanhos que estão detrás dos óculos com detalhes vermelhos, e me diz “até logo”.

É domingo, é quase meio dia, faz sol (mas a temperatura é agradável) e não há nenhuma nuvem no céu. Em frente à banca há uma praça impecavelmente limpa e cuidada onde os velhinhos se sentam para ver a vida passar. Escolho um banco e antes de abrir o jornal assisto a um grupo de moças desfilar pela calçada. São jovens, lindas, usam saias curtas e chinelos e distribuem sorrisos entre si e para quem estiver pela frente.

Pego o jornal e, ainda antes de abri-lo, Alphonse Kenyi me olha fixamente e me faz entender que nem todo mundo tem uma praça cheia de árvores e de velhinhos para se sentar e admirar as moças que passam.

É impossível, pelo menos para mim, descrever o que a mirada do garoto transmite, mas é de uma tristeza que chega a embrulhar o estômago. É mais, é de desesperança, de vazio. São os olhos de alguém que aos 15 anos não tem nenhum sonho.

Sentado de cócoras, com os braços cruzados sobre os joelhos e com uma argola presa nos pés, Alphonse estampa a capa do El País. Ele está em uma prisão no Sudão do Sul acusado de fazer parte de um grupo de matadores e espera para ser morto na forca.

A reportagem sobre o garoto que aguarda a morte é de Miguel Calatayud e a foto, que deve ter nublado o domingo de sol de milhares de espanhóis, é de Fernando Moleres.

O repórter nos conta a realidade de um desses tantos países da África que eu só conheço de ouvir falar. Guerras, falta de oportunidade de trabalho e das mínimas condições dignas de vida, polícia violenta e mal preparada, presídios que são depósitos de seres humanos, história que já li muitas vezes. Mas o olhar de Alphonse me diz muito mais do que isso.

O garoto está preso há quase dois anos. Supostamente cometeu o crime aos 14 anos – nega que o tenha feito e acusa a polícia de tortura-lo para confessar, o que não fez. Se tiver sorte, terá a condenação à forca revista pelo tribunal supremo do país. Caso contrário, será medido, pesado e posteriormente colocado na forca. Se tiver muito azar, sua cabeça será arrancada do corpo – às vezes acontece. Nestes casos, os encarregados pela execução vão presos, porque foram incompetentes.

Aqui está a matéria na íntegra, mas quem não tiver tempo tudo bem, basta ver a foto de Alphonse para entender quase tudo o que está escrito nas três páginas do periódico.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do NR e do Purgatório, atualmente em Salamanca, Espanha.
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