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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

À espera do despejo

Cortiço, favela, marginais, absurdo. Adjetivos como esses são comuns de se ouvir na porta das ocupações. Moradores antigos da região central esbravejam e não querem ter como vizinhos inquilinos que não pagam aluguel, muito menos contas de água e luz.

É o que acontece atualmente na Rua da Consolação, em frente ao cemitério, onde um grupo de pessoas ocupou de forma invadida um imóvel abandonado há anos com o objetivo de residir no local.

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O grupo, liderado por Sílvio acabara de ser removido pela tropa de choque de outra ocupação, que já durava dois anos num antigo prédio estatal, na Rua Martins Fontes, e se mudara para um ponto nobre da cidade, ao lado do bairro Higienópolis.

"Em seis horas a gente já tinha ligado luz no prédio todo e colocado uma mangueira comunitária para abastecimento de água. Demos sorte que as estruturas desse edíficio não foram muito danificadas" relata Sílvio sobre a noite da ocupação.




As invasões por razões discretas são sempre realizadas durante a madrugada, na surdina, sem causar estardalhaço. No dia seguinte, um mutirão de pessoas trabalha sob o sol para deixar o local "mais habitável".




Roupas estendidas no varal, pilhas de lixo sendo removidas, mulheres lavando o quintal, são alguns sinais de reativação do local. Cenas como essa acontecem mensalmente em diversos edíficios espalhados pela região central ocupados, em sua maioria, por movimentos populares.




Estima-se que existam atualmente cerca de 14 mil moradores de rua na cidade de São Paulo. Em contrapartida, especialistas afirmam que há disponível uma área de 5,2 milhões de metros quadrados divididos em centenas de imóveis abandonados.




Em grande parte estes edifícios acumulam dívidas estratosféricas e os proprietários acabam abandonando o espaço. "Quando a gente entra no lugar, conversa com os nóias (usuários de crack) e argumenta com eles que estamos querendo tomar o local para morar, e não para usar droga. Fumar pedra eles podem fazer na rua não é verdade?", relata Juliana, moradora do local.

Lugares como estes sempre me cativaram, me atraem de uma forma inexplicável, trata-se de um convite espiritual a penetrar um universo marginal da existência humana. Tomo fôlego, olho para cima e avisto um grupo de pessoas, que com a mão acenam para que entre.




O líder da ocupação é uma pessoa carismática, polida, cuja vivência de rua demonstra um conhecimento particular da malandragem e das coisas mundanas. Após um gole de café, me convida para conhecer seu apartamento, classificado por ele como 'suíte presidencial' localizada no último andar do edíficio.




O local transcende o conceito de improvisação. Paredes de maderite são rearranjadas toda noite conforme o vento e o frio, barris de água coletada da chuva servem para fazer a higiene cotidiana de Sílvio e sua família. A televisão funciona tão bem que as cores do filme 300 são tão intensas quanto as do cinema.

Invasão

O nome apropriado não deveria ser esse. Numa cidade com tantos moradores de rua, a quantidade de imóveis vazios seria mais do que suficiente para abrigar toda essa gente.

Reflexo da desigualdade e da falta de políticas públicas equilibradas para atender este contingente de pessoas comuns, que levam os filhos as escolas, que trabalham e que acima de tudo tem enorme dignidade.

Cabeça erguida para recomeçar tudo de novo quando a polícia vier com a ordem de despejo. Não querem confusão, não querem vandalizar o patrimônio privado, ao contrário, clamam pelo direito à moradia e mais do que isso, por uma vida digna, fora das calçadas traiçoeiras de São Paulo.

Me despeço de Sílvio com a promessa de colaborar no dia das crianças com a festa que darão para os pequenos da ocupação.




O dia será cheio de alegria para estas pessoas cujo futuro incerto chega a ser apavorante. "Quando vier o despejo a gente continua com a cabeça erguida, escolhe um novo local e começa tudo de novo. Desistir? Eu que não vou deixar minha mulher e meus filhos vivendo em calçada!"

Victor Moriyama, 26 anos, é repórter fotográfico do Jornal O Vale, em São José dos Campos, cidade que reside atualmente. Mantém coluna Fotógrafo-escreve no NR.

Um comentário:

MMMarcelo2008 disse...

Quando a arte e relato ávidos de dignidade podem contribuir na busca de transformação de duras realidades. Muito válido esse olhar, esse compartilhar do 'invisível social'.

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