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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Descanso

O NR faz uma pausa para recarregar as baterias durante 20 dias (a contar de hoje). Voltaremos com tudo no dia 14 de maio, uma segunda-feira. Até breve!

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Proseando com Tadeu Vilani

Tadeu Vilani por Ana Mendes
Ele saiu de Santo Ângelo e rodou algumas cidades, mas por força do destino encontrou, em Porto Alegre, um amigo roqueiro que tinha aberto um negócio: um laboratório fotográfico. Foi ampliando chapas dentárias que Tadeu pôs em prática os seis meses de curso de fotografia que tinha acabado de fazer na capital.
Antes foi officeboy, barbeiro e digitador; morou em pensão, cortou cabelo de milico e casou com a amiga do amigo. Fotógrafo mesmo só se tornou aos 30 anos quando foi contratado como freelancer pelo Jornal Zero Hora. É que quando era pequeno entre um filme de neo-realismo italiano e outro ele desejou ser um contador de histórias. E foi. O tio, porteiro do cinema da cidade, abriu a porta definitiva na vida do guri do noroeste gaúcho.
Aos 47 anos, Tadeu soma diversos ensaios documentais que desenvolve paralelamente ao cotidiano do jornal. Atualmente se dedica a fotografar os negros. Este trabalho é em homenagem ao bisavô que assustava as crianças contanto histórias de boitatá e negrinho do pastoreio.“Quero fotografar até o final da minha vida sobre a formação étnica do Rio Grande do Sul.” afirma. E para isso, já percorreu o estado produzindo imagens dos índios Guarani, dos imigrantes poloneses, alemães e italianos.
Na região metropolitana de Porto Alegre, registrou o cotidiano dos moradores da Vila Dique e Vila Umbu com o qual ganhou, em 2011, um dos maiores prêmios da fotografia brasileira, o Corado Wessel. “As raízes da Vila Dique são do interior. São como eu, eu vim do interior também. Todos vieram para, de alguma forma, vencer na vida.”. Ele é um regionalista, no melhor dos sentidos, porque quando fotografa olha pra si e para os seus. É um deleite conhecer o Rio Grande do Sul através dos olhos e do coração de Tadeu Vilani. Bom proveito!
Por Ana Mendes

Nota de Rodapé – Me diz teu nome, idade e profissão.
Tadeu Vilani – Meu nome completo é Luiz Tadeu Vilani, eu assino Tadeu Vilani porque quando eu comecei na Zero Hora já tinha o Luiz Armando Vaz, pra não ter confusão foi assim. Eu sou de Santo Ângelo [RS], nasci no dia 3 de março de 65, em casa, por uma parteira. Parto natural. Somos seis filhos, três casais. Meu pai foi um barbeiro que tinha uma cantina dentro do quartel e minha mãe uma dona de casa que trabalhou muito. Os dois trabalharam muito, enfim, vamos em frente...

NR – Infância e família parecem estar muito presentes no teu trabalho.
TV – Isso é interessante. O meu pai foi sempre um trabalhador, mas ele nos proporcionava umas coisas. Por exemplo, a primeira televisão em preto e branco do bairro foi nossa, em Santo Ângelo da década de 1970. Não tinha calçamento, era terra de chão batido, mas nós tivemos a primeira televisão. A casa vivia cheia de gente, trinta, quarenta pessoas assistindo televisão. Me recordo bem da Copa de 1970. Eu era criança, tinha cinco anos, mas aquelas coisas ficam na tua cabeça. Aquelas imagens em preto e branco. Na realidade não me recordo da copa de 70, mas do movimento das pessoas, eu tinha cinco anos, não podia lembrar mesmo... Uma coisa peculiar daquela época: quando foi lançado o primeiro voo tripulado para a lua, o Apolo12. É impressionante isso. Quando o homem foi a lua se falava muito. Se comentava muito sobre aquela conquista, sobre aquela guerra espacial, então isso mexia com o imaginário das pessoas. Quando era criança acreditava em boitatá!
Na década de 70 imagina, né? Tu não tinha informação nenhuma, tu tinha o imaginário e o que as pessoas te falavam. Não existia internet, não existia facebook, não existia celular. Telefone tinha pra poucos. Então a fertilidade da imaginação da gente era muito grande. Muito grande.

Vila Umbu

NR – E como é Santo Ângelo?
TV – Foi onde tive, com a ajuda dos amigos, a minha formação de personalidade. O pessoal ia pra Europa e trazia fita cassete, o MP3 daquela época, e nós trocávamos, saia aquela música de som mais agudo. Não sei se vocês sabem disso, cada vez que tu reproduz uma fita cassete ela fica mais aguda. Então tinha algumas musicas que nós conhecíamos de um jeito e anos mais tarde é que descobrimos que ela era um pouquinho diferente. Outra coisa peculiar daquela época era o cinema, o meu tio era porteiro de um cinema e eu assisti muito filme. Aqueles do Teixeirinha em preto e branco eu vi bastante. Eu ia duas, três, quatro vezes na semana ao cinema. O cinema tem uma influência imensa na minha fotografia e muito do cinema italiano, o neorrealismo italiano, o francês também, a Nouvelle Vague. Mais o italiano, porque descendo de italianos (com uma parcela de polonês e negro também). Aqueles filmes, aquela dramaticidade... Ladrões de Bicicleta, do Vittorio De Sica, é um filme que me ajudou muito. Quando assisti, pensei: “É isso que eu quero fazer da minha vida: ser um contador de histórias.”. Ele conta a história de uma época da Itália. De uma forma muito dramática. Eu não era fotógrafo ainda, nem sabia fotografar. Mas aquilo lá mexeu comigo lá no interior do estado e eu disse “um dia quero fazer algo parecido”e acho que a fotografia foi a forma que encontrei de me expressar.

NR – E como foi o início com a fotografia?
TV – Até os 23 anos eu morei em Santo Ângelo e quando sai fui morar em Joinville [SC]. Lá eu trabalhei um ano no Plano Collor como office boy numa empresa, fui demitido e fui morar em Rio Negro, no Paraná. O quartel do exército que existia em Santo Ângelo foi transferido para o Rio Negro onde tinha meus parentes que mantinham o mesmo seguimento do meu pai. Daí eu fui aprender a cortar cabelo. Trabalhei um ano dentro do quartel cortando cabelo de milico, faz parte né? Foi bem legal, mas não fotografava ainda. Em 94 eu retornei para Porto Alegre (tive uma tentativa antes, em 90, de vir morar em Porto Alegre quando saí de Santo Ângelo, mas não deu certo, não achei emprego e voltei) e fui morar no centro em uma pensão ali na rua Vigário e aí que entra uma história bacana. Ali nessa pensão, na Vigário José Inácio eu tinha um amigo e falei pro cara assim “um dia que tiver uma festa legal que não precise gastar muito me convida que quero ir junto”. Eu já era digitador na Caixa Econômica Federal. Não saia muito, não tinha grana pra gastar em festa. Então nós fomos jantar na casa de uma amiga dele. Saímos, jantamos e ela se tornou minha esposa. E ela é muito importante na minha vida porque ela me ajudou muito a ser fotógrafo. Ela pagou meus cursos de fotografia, minha primeira câmera foi ela que comprou. Eu já queria isso, mas não tinha oportunidade de financeira de comprar câmera, essas coisas...

NR – Tu trabalhou como laboratorista, não foi?
TV – Isso. Fiz o curso de seis meses no Senac da Cidade Baixa, depois revi um amigo de Santo Ângelo que era músico e por destino, não sei, ele abriu um laboratório especializado em preto e branco e cromo na Rua dos Andradas. Naquela época os médicos faziam foto de arcada dentária pra analisar, então tu revelava. Eu estava começando, tinha seis meses de laboratório e fotografia, quase nada. Então, começar a ampliar foto dos outros e fazer corte no ampliador te dá uma noção muito grande de enquadramento, perspectiva e tonalidade de cinza, todas essas coisas me ajudaram bastante. Foi bem interessante, até hoje tenho minha Nikon FM2 que preservo daquela época. Venho do analógico, mas não me agarro ao analógico, eu tô no digital e tá bem legal assim. Não sou aquele cara saudosista que tem que estar agarrado ao passado. Foi maravilhoso, foi bom, mas a vida continua. Daqui a pouco virão outros processos e tu vai ter que te adaptar. Porque o processo é um processo e acabou. O que vale na fotografia pra mim é o teu pensamento, teu caráter, teu comprometimento com a fotografia. Se a máquina é uma Canon, uma Nikon, uma Leica, isso é um mero detalhe.

NR – Ela está a teu serviço, né?
TV – Claro, exato. A fotografia é o teu pensamento. É o modo como tu vê o mundo. É o teu coração que está ali, não é a máquina fotográfica.


NR – Tu não tem formação acadêmica?
TV – Não tenho, infelizmente. Acho que faz falta. Mas não tive a oportunidade de fazer.

NR – O fotojornalismo parece que ainda é uma das poucas profissões em que o diploma não é essencial. Acho que isso tem a ver com a atuação do fotojornalista ser muito prática, não acha?
TV – Acho que sim. Talvez eu sinta falta de ter o diploma, nada mais que isso. Tu não fotografa com teu diploma. Tu fotografa com o que tu é. Acho que a faculdade talvez te dê alguns subsídios, mas o mais importante é o caráter. Se tu não tiver ética no teu trabalho não adianta ter curso de jornalismo.

Ensaio Alemães
Mãos, Ensaio Alemães [Premio Categoria P&B Leica Fotografe]


NR – Tu é um fotógrafo que foge a regra do eixo Rio/São Paulo. Claro que têm muitos outros, a gente sabe disso. Mas quero saber como é ser um fotógrafo gaúcho e se tu tem desejo de sair daqui.
TV – Sabe, essa coisa assim de eixo Rio-São Paulo tá mudando, felizmente. Até dez anos atrás era só São Paulo e Rio, mas os festivais que estão ocorrendo pelo país – o daqui de Porto Alegre que o Carlos Carvalho faz com muita qualidade – nos ajudaram a abrir nossas cabeças para as possibilidades que existem. Acho que os festivais de fotografia são fundamentais pra isso: abrir o leque no país.

NR – E tu tem vontade de sair daqui?
TV – Acho que não. Talvez pro Rio de Janeiro porque gosto muito dos morros, das favelas. Tenho amigos lá dentro, acho muito legal. Mas acho que tem que fotografar muito o Rio Grande do Sul, a gente fotografa muito pouco. O interior do estado é muito rico. O pampa gaúcho é fantástico. A região aqui da Lagoa do Peixe e do Taim eu nunca fui. Queria fotografar estes lugares ainda.

Violino e o Rio, Guarani, RS

NR – Queria que tu me contasse um pouco sobre este grande trabalho, que tu vem desenvolvendo há anos, a respeito da formação étnica do Rio Grande do Sul.
TV – Quando eu fui contratado pela Zero Hora, em 2001, fui pra Passo Fundo e fiquei 8 anos. Fiz um trabalho bem banaca tanto em Santo Ângelo quanto nas Missões [Sete Povos das Missões]. Desde o princípio procurei desenvolver trabalhos documentais na minha vida, porque acho importante o fotojornalismo não ficar focado somente no cotidiano da redação. Tem pessoas que acham bacana, eu respeito isso e ponto final. Mas eu comecei a desenvolver um trabalho nas missões com os índios Guarani e as arquiteturas missioneiras. Fotografei nas Missões na Argentina e no Paraguai, fiquei em reduções e Reservas Indígenas pra fazer todo esse trabalho. E deram bons resultados com exposições lá na região e na Itália. Quero fotografar até o final da minha vida sobre a formação étnica do estado do Rio Grande do Sul. Já fotografei os italianos, os poloneses, os alemães e agora tô fotografando os negros.

Daniela Benvegnú Ensaio Italianos
Dal Ben, Ensaio Italianos
PEDRETTI, Ensaio Italianos
NR – Como foram essas etapas?
TV – Quando comecei eu não tinha muita coisa em mente. Pensei: “vou fotografar as minhas origens, fotografar quem eu sou” para entender um pouquinho esse processo de um monte de gente vindo de outros países formar esse caldeirão cultural de etnias e influências que é o resultado da mistura de raça, cor, credo, religião e tal. Daí comecei pelos italianos que são os mais próximos. Depois fui para os poloneses que é a minha bisavó e a minha avó. Depois os negros porque meu bisavô era negro. Ele era negro e a minha bisavó polaca, um bem brancão e o outro bem pretão! Foram os únicos bisavós que conheci. Moravam na colônia e vinham sempre pra cidade nos visitar. Ele era um gauchão com chapéu e lenço branco. Jogava o chapéu pra trás, usava camisa arremangada, bota e faca cruzada. Chegava em casa com um assobio assim: “fiiiuu”. Vinha pra assustar a gente. Ele contava história de boitatá e negrinho do pastoreio. Nós adorávamos ouvir as histórias, mas morríamos de medo. Era criança, né? De oito, dez anos. Eu curti muito meus bisavós, tive a felicidade de conhecê-los. Meu avô também. A primeira vez que fiquei embriagado foi com meu avô materno, ele era churrasqueiro. Um dia ele chegou em casa e sentamos juntos comendo carne e tomando um garrafão de vinho. Ficamos ali, como se diz, proseando os dois: neto e avô. Só que depois teve efeito!

NR – Teus parentes estão fotografados nos teus ensaios?
TV – Sim. Fiz uma foto homenageando meus pais, eles estão na exposição dos italianos. A minha avó tá na exposição dos poloneses. Tem que homenageá-los.

NR – Quando tu pensa em um novo ensaio fotográfico sempre trás como pano de fundo essa questão regional?
TV – Acho que sim, até por conta da minha infância, o meu pai veio da colônia aos 18 anos para servir o exército e minha mãe também veio da colônia aos 16 anos. Então, tenho nas minhas raízes a vida rural. Durante as férias do colégio eu sempre ia pra colônia ficar na casa dos meus tios. Ficava dois meses vivendo como colono. Trabalhava no arado, na carroça, capinava a lavoura, ajudava no paiol de milho, carregava saco de calcário e cimento nas costas. Todas essas coisas eu fiz. Essas são as memórias da minha vida. É por isso que quando vou pro interior do estado quero de alguma forma deixar isso transparecer na minha fotografia. Porque a fotografia é o que tu é. É a carga da tua existência. É a forma como tu vê o mundo. Pra mim isso é indiscutível.

NR – Como é a tua relação com as pessoas retratadas e o que é essencial para se realizar um bom retrato?
TV – Na verdade o retrato é uma forma de tu interagir com a pessoa, de se aproximar dela. Eu procuro, dentro das possibilidades que a pauta ou a situação me permite, ficar próximo e trocar alguma experiência. Porque as pessoas por mais humildes que sejam têm prazer em te receber, eles veem um cara circulando no meio deles interessado em saber as suas histórias, isso enche eles de orgulho. É bacana, sabe? Quando tu consegue ter essa aceitação as fotos acontecem. Nem sempre é possível, mas se tu puder chegar neste nível é o ideal.

NR – Eu percebo que nos teus ensaios tu não trás um aspecto degradante das pessoas, embora trabalhe em contextos de pobreza.
TV – Acho que não é necessário. Expor uma pessoa a uma situação que não vai trazer nenhum retorno, acho que não é legal. Não vai acrescentar valor, só vai te prejudicar e fechar portas. A a minha ideia é continuar fotografando, não quero fechar portas.

NR – Queria que me contasse sobre os registros que fez na Vila Dique. Qual era o contexto desse lugar no momento em que tu chegou lá?
TV – Quando fui transferido da Zero Hora em 2008, quis continuar meus projetos fotográficos, daí eu disse: “vou dar uma pequena guinada no que faço”, porque eu só vinha fazendo etnias. Daí comecei a olhar o que estava acontecendo aqui, neste contexto da região metropolitana de Porto Alegre, especificamente. Uma matéria da Aline [Custódio], do Diário Gaúcho, sobre a transferência dos moradores da Vila Dique (próximo ao aeroporto Salgado Filho) para o Porto Seco me chamou a atenção. Nem tinha começado o processo ainda, estava só se falando. Então eu fui falar com a Aline. Ela me apresentou pros líderes da comunidade. Comecei em maio de 2009 e até hoje estou fotografando a Vila. Vou na nova. Pra fazer um comparativo de como era a vida deles naquele período e como estão hoje no local novo, pra saber se eles estão felizes.

Banho, Porto Alegre, 2010. Vila Dique


NR – E isto já faz três anos.
TV – É, mas os projetos são assim, têm que durar. É uma bola de neve, tu faz um aqui outro ali e eles vão indo. Daí o que aconteceu: por causa dessa aceitação e desse convívio tenho, até hoje, uma amizade com as pessoas de lá. Eu ligo pra eles de vez em quando pra saber como eles estão. Vou lá no Vavá, na Enedina e outros que não me lembro o nome. São tantas pessoas! Teve uma guria que eu dei de presente de aniversário as fotos dos 15 anos dela. Ela não tinha pai, vivia com a avó. Essas trocas são legais, sabe? Eles me deram alguma coisa. Eu tenho que dar outra coisa em troca. Acho que é o mínimo que posso fazer. Todas as pessoas que fotografo eu dou fotos. Todas, sem exceção. Tem umas criancinhas que eu fotografei que tinham cinco anos quando comecei e hoje já estão com 8, 9 anos. Tu vê essa mudança. Daqui algum tempo tu pode voltar e os caras vão estar com 16 anos. Quero fazer essa linha do tempo...

TV, Vila Dique, Porto Alegre
NR – E como tu elaborou a ideia de enquadrar as pessoas dentro das televisões?
TV – Ali na Vila Dique a maioria das famílias vive da reciclagem. Eu estava fotografando aquele contexto de trabalho dos papeleiros e um dia vi uma carcaça de televisão velha sem o tubo. Como eu já tinha um forte relacionamento com eles, perguntei pro filho do Ricardo se ele se importaria de ser fotografado dessa forma, ele disse que não tinha problema. Qual foi a minha ideia quando eu vi aquela sucata e olhava para aquela situação? Queria dar rosto para essas pessoas. Porque todos que estão ali são imigrantes gaúchos. Eles vieram da fronteira de Porto Xavier com a Argentina, alguns vieram de São Gabriel. As raízes da Vila Dique são do interior. Todos vieram para, de alguma forma, vencer na vida. Daí aquela carcaça fez uma linguagem bem forte da contextualização daquela situação. Não sei se deu certo ou não. Me inscrevi no concurso da Conrado Wessel e tive a felicidade de ganhar. E na verdade tu não ganha sozinho, quem ganha são todas aquelas pessoas que veem a suas situações assim reconhecidas num prêmio importante.

Vaqueiros, Ensaio Negros
Vaqueiros, Ensaio Negros

NR – O teu trabalho mais recente é Vaqueiros. Como ele se desenvolveu?
TV – Vaqueiros é assim: tá dentro do contexto dos negros gaúchos. É uma homenagem ao meu bisavô.  Um dia eu estava olhando para os quilombos gaúchos e o de Santana do Livramento, Ibicuí da Armada, me chamou atenção. É muito peculiar. Porque esses quilombolas vivem no mesmo local há 300 anos com as mesmas tradições e costumes da lida rural, do pastorio, do cuidado com o gado. Então, eu fui pra lá e dormi quatro dias no quilombo. E descobri uma particularidade: aqueles quilombolas têm o sobrenome Vaqueiros. Porque quando a Lei Áurea aconteceu o fazendeiro batizou eles de Vaqueiro. Lá tem o Luiz Vaqueiro, a Marta Vaqueiro, o Paulo Vaqueiro, a Maria Vaqueiro. Naquele quilombo 90% é Vaqueiro. Mas muitos quilombolas saem de lá porque as famílias vão crescendo e não tem espaço para todo mundo. Eles estão na região metropolitana de Porto Alegre. Minha ideia é fotografar os Vaqueiros que estão aqui e fazer um comparativo do Vaqueiro metropolitano com o Vaqueiro do pampa gaúcho.

NR – E a utilização do Preto e Branco nos teus ensaio fotográficos?
TV – Me recordo que quando era criança minha mãe ouvia rádio novela. Me lembro dela trabalhando em casa e eu do lado. Ficava imaginando aquelas cenas. Como naquela época era tudo em preto e branco tu já imaginava assim também. Então, eu acho, que o mundo era meio monocromático. Uma vez fizemos uma brincadeira bem colorida (a gente era bem danado quando era pequeno): na frente da minha casa não tinha calçamento, só chão batido e num dia de chuva tinha uma kombi estacionada, pegamos uma melancia que nós tínhamos comido e colocamos embaixo das rodas traseiras pra o cara não conseguir sair. Coisa de piá, né? É uma brincadeira colorida porque tem o vermelho da melancia e o verde da casca. Então, nem tudo é monocromático. Mas acho que o preto e branco é uma coisa natural. Será que aqueles filmes neo-realistas italiano teriam o mesmo contexto e dramaticidade se fossem em cor? Acho que não. O impacto daquelas imagens faz tu pensar. A fotografia em preto e branco tem essa força porque ela direciona o teu olhar.

Todos, Porto Alegre,2010. Vila Dique
NR – Tu te considera um fotojornalista, um artista ou um fotógrafo documental? O que tu me diria sobre essas definições?
TV – Essas coisas pra mim não são importantes. O importante é contar tua história, tua fotografia fazer tu pensar como ser humano. Se ela é arte, se ela não é arte... eu não posso entrar em muitos detalhes, acho que não é importante isso. Acho que a gente é ser humano que fotografa. Acho que é isso. Mas se eu fosse definir seria fotodocumentarista.

NR – Criticam o fotojornalismo por ser o óbvio eficiente, por ter imagens criativas, mas que nada dizem, por ilustrar mais que informar. Qual é a tua opinião sobre o fotojornalismo que se faz hoje em dia?
TV – Aquele fotojornalismo romântico que existia nos anos 60, 70 e 80 não existe mais. O mundo mudou e isso é uma coisa que nós temos que entender. As câmeras analógicas não existem mais, aquela coisa de sair e ficar dez dias numa pauta, isso não existe mais, as coisas são mais imediatas, o mundo é outro. Então, acho que o caminho para o fotojornalismo dar vasão a essa produção de imagens, essas histórias mais profundas é a internet. É o melhor caminho para poder dar esta vasão e construir histórias profundas, fotograficamente falando.

NR – Tu não é daquela turma de fotógrafos que se incomoda com a dita vulgarização da fotografia?
TV – Claro que não me incomoda. Porque vou me incomodar com isso? Eu não tenho nenhum poder nenhum de dizer o que as pessoas tem que fazer ou não. Elas são livre pra expor, tu é livre pra ver! Tu é livre pra fazer, tu é livre pra ver. Eu vou focar no que eu gosto. Não vou navegar na internet num mar tenebroso cheio de situação. Eu vou no que eu quero ver e ponto final, não fico sofrendo porque tem um trilhão de fotos. As pessoas tem que curtir a vida delas, né? Se acham que é bacana. Coloquem! Hoje eu procuro inserir vídeos nos meus trabalhos porque não dá mais pra imaginar um trabalho fotográfico sem o vídeo. São complementos muito bons. Quando eu fotografei os italianos, viajei durante seis anos por 40 cidades, não fiz um vídeo com aqueles dialetos, com aqueles nono falando e jogando nos salões. Eu não tenho nada disso! Tem que ter!  Acho que os fotógrafos tem que estar mais aberto pra essas novas linguagens. Eu não tenho nenhum preconceito. Se o pessoal da Magnun faz, porque nós não podemos fazer? Os caras são os ban ban ban. Nós que somos daqui do extremo sul temos que fazer também, né? Não tem porque não. Depois tu olha o teu trabalho bem editado na internet é muito legal. Hoje tem vários festivais que recebem documentários de fotojornalistas, né? Tu tem que migrar, não pode ficar parado no passado. O mundo continua. É uma evolução constante, é um ser vivo. O mundo é mutante também. Acho que tu não pode jamais mudar a tua personalidade, tua ética, teu caráter, mas as ferramentas tem que usar elas em prol, em benefício. Igual vocês aí [aponta para a filmadora], daqui a pouco vão estar com outras coisas...

NR – Pra terminar, um conselho para os fotógrafos iniciantes, como eu.
TV – Acho que pra fotografar tem que ser muito persistente. Tem que se doar. Porque o retorno é muito lento na construção de um trabalho documental. Mas primeiro, tem que acreditar em si próprio. Se tu não acreditar que vai conseguir, que teu trabalho é importante, que tem alguma coisa a dizer não vai dar certo. Tem que ler muito, ficar atento aos novos pensamentos fotográficos (com a internet ficou mais fácil) e ver as produções maravilhosas mundo afora. Tem também que estar aberto pros outros (se tu não souber ouvir e perceber o mundo ao teu redor também não adianta insistir). E por fim saber que nem sempre as tuas verdades são as verdades do mundo.

A entrevista em vídeo:





Para saber mais:
http://olhares.uol.com.br/Tadeu003
https://www.facebook.com/profile.php?id=1609441039
http://tadeuvilani.blogspot.com.br/

Ana Mendes, 26 anos, gaúcha de nascimento, errante de coração e profissão. Fotógrafa e cineasta documental formada em Ciências Sociais. Trabalha como fotojornalista freelancer entre Brasília e Porto Alegre. Mantém a coluna mensal Faço Foto.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pelas axilas de Ícaro!

Não é de hoje que o povo da publicidade exagera. É o trabalho deles, afinal. Criam um mundo de fantasia onde o produto em questão, seja ele um carro esporte ou um adesivo para dentaduras, nos tornará mais felizes.

Às vezes a gente até finge que acredita. Até espera que, quando o garçom chegar com a cerveja, o bar será imediatamente tomado por gostosas decotadas, piscando os cílios compridos e mandando beijinhos. Mas, no fim, a gente sabe que vai acabar cercado pelos mesmos amigos barbados e barrigudos de sempre. Até aí tudo bem, há que se ter alguma fantasia na vida, ainda que apenas nos trinta segundos do comercial de cerveja.

Mas tudo tem limite.

E outro dia, enquanto escovava os dentes no meu pequeno e reconfortante banheiro, fui atingido por uma epifania. O limite há muito havia sido rompido.

Pois escovava eu os dentes, a mente devaneando como geralmente ocorre durante a execução desses automatismos higiênicos, quando minhas retinas pousaram sobre uma coleção de desodorantes que tenho sobre a janela. Há meses venho tentando achar um que não seja fedorento, não deixe manchas brancas nas camisas e não me torne repelente ao fim do dia.

“Quarenta e oito horas de proteção” anunciavam as letras metálicas de um tubo prateado, moderno qual uma cápsula espacial. Será mesmo?, pensei comigo mesmo enquanto dava um trato nos molares superiores.

Passei pro desodorante seguinte. “Proteção absoluta a cinquenta e oito graus”. Quente, não?, e pulei a vista para o outro aerossol: “Protege a até oitenta graus”. Li de novo. Era isso mesmo: “Protege a até oitenta graus.”

Vejam, perfumados leitores, eu já passei calor nesse mundão em aquecimento. Morei meio ano em Manaus, fiquei uma hora preso num ônibus lotado e com janelas lacradas no deserto do Saara, enfrentei infinitas horas de congestionamento com sol a pino. Mas oitenta graus?

Pelas axilas do capeta, é quase o dobro da temperatura média de Cuiabá!
Já nos molares inferiores, segui pensando em como tinha surgido essa ideia. Algum publicitário deve ter começado lá pelos trinta e cinco graus. Calor, suor, cheiro de sovaco, tudo bem, guri, está indo bem.

Desesperada com tamanha genialidade, a concorrência foi até São Google e conferiu a profusão de paragens neste globo onde a temperatura costuma ultrapassar os quarenta. E assim foi, cada marca subindo um tiquinho o número, torcendo pelo derretimento total dos pólos, até chegarmos ao cúmulo dos oitenta graus. Um número que, aliás, deve seguir subindo. O céu, ou, no caso, o sol é o limite. “Protege a até seis mil graus”, prometerão os desodorantes de nossos filhos.

Meu raciocínio foi assim, tão sem rumo que perdi a conta dos molares já escovados, mas segui nos devaneios. Fiquei imaginando as pessoas diante da prateleira dos desodorantes.

Roll-ons, sprays, aerossóis, sem perfume, extra-secos, para homens, para mulheres, para clarear axilas, para roupas pretas, para roupas brancas. Será que nesse profícuo campo de qualidades a resistência a altas temperaturas cativa clientes? Será que alguém lê o rótulo e pensa “ah, esse aqui protege a até oitenta graus. Deve ser bom mesmo”.

E, afinal, protege do que? Do calor? Bombeiros seriam aconselhados a borrifar uma camada caprichada do spray mentolado antes de enfrentar arranha-céus em chamas? E como faz? Passa no corpo inteiro ou só nas axilas (nome publicitário do sovaco)?

Porque, se for pra proteger do mau cheiro, pra evitar o “cc”, tem alguma coisa estranha. Supondo que eu, por algum dos meus incontáveis pecados, fosse condenado ao inferno: algo como um coletivo lotado, mantido a constantes oitenta graus. Ora, meus companheiros de danação que me perdoem, mas minha última preocupação seria com o cheiro das axilas.

Assim seguia eu, escovando, pensando e lendo os rótulos dos meus desodorantes até que, num leve salto visual, cheguei à caixinha da pasta de dente. “Um tom mais branco por semana”, prometia a brilhosa embalagem.

Era o creme dental que, naquele exato momento, eu estava usando para polir meus incisivos. Olhei para o tubo sobre a pia. Quase no fim, já naquele estado em que temos que apertar com o cabo da escova pra sair alguma coisa. Fiz as contas mentalmente.
Jesus!

Devia estar usando aquilo há mais de um mês. E era o segundo ou terceiro tubo da mesma marca. Aproximei o rosto bem perto do espelho e, levemente apreensivo, abri um sorriso.

Ufa.

Não tinha surtido o efeito prometido. Nenhum dente transparente.

Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha. Ilustração de Kelvin Koubik, artista visual e músico de Porto Alegre, especial para o texto

terça-feira, 17 de abril de 2012

Congresso, imprensa e bandidagem...

Passou a semana santa, boa semana também para as reflexões. Estas, cada vez mais necessárias nos dias que passam. Dentro de casa, na escola, no trabalho, na nossa cidade, no nosso país, no mundo. Viver no vai da valsa, como muitos gostam de fazer, pode até causar aquela sensação de bem estar, tão ao gosto dos que afirmam de boca cheia: “eu não tenho nada a ver com isso!” Mas...

Começaria por dizer que, exatamente aqueles que se vangloriam de nada ter a ver com o que se passa à sua volta, serão – muito provavelmente – os que mais facilitam a ação dos inescrupulosos, dos pusilânimes, dos bandidos em pele de cordeiro. Viver em sociedade não nos exime de responsabilidades, não é uma atitude de vontade própria, egoísta, ensimesmada, mesmo que tenhamos a ilusória sensação de que isso seja possível.

Trazendo o pensamento para o atual momento político brasileiro é possível, com maior clareza ainda, entender o significado da premissa.

Quantos cidadãos brasileiros, por exemplo, se vangloriaram nos últimos anos em apontar o dedo acusador para adversários políticos com a convicção de que – ao fazê-lo – não só clamavam por justiça contra alguma iniquidade, mas também se colocavam como arautos da moralidade em defesa da decência, da ética, da justiça social, das liberdades fundamentais do ser humano, da democracia?

Nessa ótica, não só o cidadão comum, mas também – e principalmente – os que detêm cargos públicos, como políticos, homens e mulheres que devem zelar pelo cumprimento das leis, formadores de opinião ou que assim se julgam; religiosos dessa ou daquela denominação, jornalistas e proprietários de conglomerados mediáticos, têm trocado o pé pelas mãos e dado, por meio de palavras e atos, inequívocos exemplos de desatenção ou mesmo de má fé com o exercício mais responsável de sua função social.

Demóstenes Torres
Ao tomar conhecimento do criminoso conluio entre um senador, um bicheiro e o diretor da revista Veja em Brasília, a sociedade brasileira pode agora sintetizar neste caso emblemático o lamaçal institucional em que se envolveu o país desde a derrubada do governo democraticamente eleito em 1961, cujo vice-presidente, João Goulart, acabou no exílio e supostamente assassinado.

O desenho dessa caminhada, de origens mais remotas, colonialistas, foi ‘enriquecida’ pela violência repressiva da ditadura de 64/68 e desaguou numa retomada democrática mantida sob o tacão do poder econômico e sustentada por um setor ruralista conservador e reacionário, pela aceitação pura e simples do modelo econômico neoliberal e com o apoio de um poder judiciário classista e de uma imprensa comprometida com o atraso. Alie-se a isso a mesmice e a submissão entreguista de parte da nossa elite cultural.

Demóstenes, o probo, o ético, o supostamente incorruptível, homem de duas caras, mantinha – pelas provas apresentadas até agora – ligações com o representante da Revista Veja em Brasília, essa tradicional e impoluta bandeira da imprensa livre nacional, praticante do jornalismo responsável e também ético. Juntos, Demóstenes e o diretor da sucursal de Veja no DF frequentavam escritório e restaurantes com o ‘empresário’ (afinal, o Crime Organizado pode ser também uma empresa) Carlinhos Cachoeira e nesse mundo de trambiques, negociatas, ameaças, espionagem, chantagens, o país ‘aprendeu’ a pensar a sua realidade política sob a ótica da falsa moralidade, invertendo o fiel daquela balança que já nos acostumamos ver na simbólica imagem da Justiça.

Carlinhos Cachoeira
Os porões da espionagem e do crime organizado filtravam e canalizavam seus interesses para a revista semanal de maior tiragem (dizem) e dali fazia-se a cabeça do brasileiro médio, não muito afeito ao exercício do pensamento crítico, já que sua vida passa por dificuldades financeiras, telenovelas de conteúdo cultural sofrível, violência nas grandes cidades e não só, noticiário tendencioso e mesmo mentiroso a respeito de algumas das grandes questões nacionais, a tal ponto que boa parte da esquerda e de liberais progressistas caiu na arapuca da bandidagem.

Bandidagem que não se localiza só em Goiás, no Distrito Federal ou em São Paulo, mas permeia quase todo o território nacional. Com o que se vai apurando nas investigações da Polícia Federal, quem é que vai atirar a primeira pedra? Ainda somos suficientemente idiotas para acreditar nas imagens que vemos em alguns telejornais, noticiários radiofônicos e textos de revistas e jornais.

CPIs disso e daquilo, em ano de eleições? Para quê? A quem querem continuar enganando, se no meio dessa arena enlameada já não conseguimos distinguir os lobos dos cordeiros?

Izaías Almada, dramaturgo e escritor, colunista do NR. Lancou seu novo romance, Sucursal do Inferno, editora Prumo.

* A coluna Revoltas Cotidianas, de Fernando Evangelista, está em férias. Voltará em maio.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Silêncio!

Tenho a sensação de que venho travando comigo e com o mundo um diálogo de surdos; e nesta segunda-feira, por me sentir afônico e ter nos ouvidos um insistente (ainda que ameno) zumbido, me permito ficar em silêncio.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do Purgatório e do NR, escreve às segundas, direto de Salamanca, Espanha.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Berlinda

Tenho uma amiga na Calle Cuba. Suave, tranquila, batalhadora. Há várias décadas, gasta grande parte de sua energia por uma causa. Coisa que eu, por exemplo, nunca farei. Descobrimos, há alguns anos, um passado comum muito peculiar: ambas somos filhas de famílias protestantes, o que sempre dá pano pra manga em nossas conversas, no melhor portunhol.

No seu belo apartamento dos anos quarenta, recebe as pessoas que têm o privilégio de sua amizade com uma alegria cálida e contida. Do terraço, se vêem a rua e as árvores, que teimam em espelhar o estado de espírito de quem as observa. (Nunca vou lhe dizer que a verdadeira dona da casa é a gata, que ocupa a melhor poltrona, estrategicamente posicionada, e controla tudo o que acontece em volta, e ai de quem sair da linha. Prefiro deixá-la na inocência.)

No auge da maturidade, minha amiga reencontrou o amor – correspondido. Está radiante. Passamos horas devorando um bife de chorizo, entornando uma garrafa de vinho e falando dos nossos amores e de como chegamos a ser as pessoas que somos e a viver as vidas que vivemos. Vê-la assim, apaixonada, nesse estado de espírito tão especial proporcionado por um novo amor, me alegra e me comove. Me faz lembrar da Martha Medeiros e sua “Sacanagem”.

Em pouco tempo, esta alegria será empanada por uma razão que me custa acreditar. Filhos. Não crianças pequenas, que exigem a atenção da mãe e, da parte dela, uma habilidade extrema para conciliar ex-marido, crianças, carreira e tudo o mais que já conhecemos bem.

Não. Filhos adultos, aqueles que, durante muitos anos, tiveram sua mãe ao lado, foram alimentados, cuidados, educados e formados. Desses que, em rodas de amigos, anunciam como são abertos a novas experiências, comentam as proezas amorosas e sexuais de gente conhecida e defendem seu próprio direito legítimo a viver sua vida de acordo com suas escolhas pessoais.

Esses mesmos se sentem no direito de questionar e constranger sua mãe. Sentem-se no direito de opinar e decidir o que ela deve fazer para que eles não se sintam prejudicados. Não hesitam em transferir para a mãe sua frustração, colocando-a numa berlinda injusta, pois ela terá que negociar o seu amor. Como se ela tivesse quinze anos, e estivesse fazendo coisa errada.

Pelo jeito, não sabem que sentimento desconhece proibição, ou, se sabem, não se importam em causar dor, desde que não seja para si mesmos. Seria muito fácil chamar isto de egoísmo, mesquinharia, mas prefiro deixar os nomes pra lá e torcer pra que minha doce amiga possa viver seu amor em paz.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

1964 foi amanhã


Eu tinha oito anos, quando policiais invadiram a minha casa e levaram meu pai preso. Essa foi a primeira vez que ouvi falar do golpe militar. A partir desse dia, e por mais de vinte anos, a ditadura faria parte da minha vida e da minha família.

Passados quarenta e oito anos, eu adoraria não voltar a essa cena. Fazer uma página virada do folhetim de autoritarismo, repressão, censura, mau humor, e muita burrice. Adoraria não escrever mais nada sobre 1964.

Mas o problema é que a conta não fecha. A imagem é horrível, mas verdadeira: o sangue daquela época não estanca. Porque os ossos da maioria dos desaparecidos ainda não apareceram. Porque as circunstâncias de várias mortes não foram elucidadas. Porque torturadores devidamente reconhecidos seguem de boa.

A simples menção à abertura de arquivos, comissão da verdade, responsabilização faz tremer parte da sociedade. Freud, se vivo, adoraria estudar os brasileiros. A gente, muitas vezes, detesta revisitar nossa vergonha e brutalidade.

Passar a borracha na história ruim é o nosso esporte preferido. Ganha até do futebol. Então para que falar dos séculos de escravidão, mesmo que eles tenham deixado como herança metade da população empobrecida e humilhada?

Para que falar da ditadura militar, mesmo que ela tenha deixado como herança temas-tabus, corpos insepultos, torturadores impunes, histórias mal contadas? Para que voltar e voltar ao passado?

O fato é que a ditadura acabou, mas seus reflexos ainda não. Talvez só termine quando morrer a última pessoa que lembre dessa época. A garotada de trinta anos pode achar que 1964 é coisa de livro de história. Mas seus pais sabem que não. No mínimo, eles foram expostos a uma cultura autoritária, a informações controladas, ao medo de sirenes e fardas.

É claro que o Brasil mudou. Inegável que as transformações foram rápidas e indiscutíveis. Afirmaram-se vários movimentos e atores políticos. Vejam os movimentos de mulheres, dos negros, dos sem-terra. Vejam os LGBTs, as pessoas com deficiência, os blogueiros e blogueiras.

Temos a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de Mulheres, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Temos uma presidenta da República e uma presidenta na Petrobrás. Um outro Brasil? Ainda não. Falta encarar o espelho. Falta pegar o caderninho ou o tablet, e passar a limpo as dívidas históricas. Uma tarefa que eu e você somos capazes de fazer.

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, especial para o texto

* A coluna Observatório da Esquina vai tirar férias. Merecidas ou não. Ela voltará daqui um mês.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Sofisma

Liu Pang
Que toda linhagem requer um nó inicial, frouxo que seja, para segurar-lhe os trancos da costura, é coisa que não me atrevo a negar. Mas acho graça quando o povo se arvora a buscar em lonjuras da História fato acerca do qual se possa extrair (ou inventar) significação conveniente, com fins de embasar discurso de autoridade sobre determinado assunto. (Se nenhum filósofo aparecer para me corrigir, eis uma definição possível de “sofística”.)

Exemplo disso achei num mui respeitável manual de Jornalismo Empresarial, subtema nobre da Assessoria de Comunicação - campo que, por motivação profissional, passei recentemente a observar mais a fundo.

Pois refere o dito cujo que o surgimento de tal matiz de jornalismo remonta às “cartas circulares das cortes da dinastia Han (fundada por Liu Pang, na China, no ano de 202 a.C.)”. Sobre o assunto, no livro, dois parágrafos curtos, e é tudo.

E como até então fosse esse o fato mais antigo relacionado ao surgimento da Assessoria de Comunicação que havia encontrado em minhas leituras, vi-me ante classudo argumento de autoridade. Fácil, rápido, aparentemente lógico e dificilmente verificável, caberia perfeitamente na aula inaugural da Oficina de Assessoria de Comunicação que me concederam conduzir.

O negócio é que, por demasiado inverossímil, achei por bem não mencionar a referência ching-ling aos estudantes. Passaram dois meses, e a escolha mostrou-se acertada: nesta semana esbarrei, sem que nem mais esperasse, com a comprovação de que Assessoria de Comunicação, essa panaceia novecentista, não nasceu com o Jornalismo Empresarial, tampouco na China de Liu Pang.

***

Sofisma por sofisma, espiem só o meu: descobri - e posso provar - que o exórdio da Assessoria de Comunicação remonta a uma Antiguidade outra: a grega; que ocorre em ano mais antigo: 423 a.C.; registrada não por um imperador, senão por um dramaturgo: Aristófanes; e verifica-se, em vez de no controverso Jornalismo Empresarial chinês, num irrefutável case de Media Training helênico.

Pois a peça “As nuvens” do comediógrafo grego não nos deixará dúvidas de que, na Grécia Antiga, já grassava o trabalho de sofistas que, por qualquer saco de moedas pesadinho, encarregavam-se de instruir jovens na arte de certa Oratória.

O texto de Aristófanes narra a história de Estrepsíades, um velhote velhaco afundado em dívidas que resolve usar os últimos caraminguás que lhe restam para, em vez de acertar as contas com seus credores, pagar um curso da tal Oratória (ou “Lógica Imoral”) para seu filho, o jovem Feidipides.

Obriga o rapaz então a frequentar uma escola que por fim o transforma numa sorte de rábula mordaz, apto a sair-se de qualquer embaraço por meio de argumentações tortas, capazes de confundir o povo, os credores e os juristas e, por fim, de subverter até a própria lei. Não me deixa mentir este breve excerto da peça (no mais, rica de outros exemplos):

Estrepsíades
Aristófanes
Já aprendeu Feidipides mesmo a Retórica que ainda há pouco tempo foi para nós exposta?
Professor (pegando a bolsa de dinheiro)
Aprendeu bem.
Estrepsíades
Oh grande deusa da Trapaça!
Professor
Agora ele pode evitar qualquer ação judicial que queiras.
Estrepsíades
Realmente? Mesmo quando se trata de dinheiro emprestado diante de mil testemunhas?
Professor
Mesmo mil testemunhas. Quanto mais, mais divertido há de ser no fim.

***

Um parêntese: o professor em questão é - pasmem - Sócrates. Sim, o filósofo. Aquele mesmo, pregador da maiêutica, do “conhece-te a ti mesmo”. É interessante ver Sócrates representado a partir do ponto de vista hegemônico daquela época: um velhote pederasta, ganancioso, amoral e corruptor de mancebos; não somente mais um, mas o maior dos sofistas. Novamente invoco os filósofos, mas, pelo pouco que sei, parece-me tremenda injustiça.

***

Para terminar com a história: formado, Feidipides passa a instruir e ajudar o pai a livrar-se de todo tipo de rolo na praça. Os dois tornam-se mesmo imbatíveis graças à arte da Oratória - muito embora torta, fugaz, enviesada e cheia de vícios.

Castigo para tal vilania, entretanto, não tardaria a chegar para Estrepsíades.

Feidipides, um belo dia, recorda-se de que o pai cultivara o mau hábito de castigá-lo, quando criança, açoitando-lhe com surras severas. Aí, como bom personagem de comédia, ele raciocina: 1) se os pais podem bater em crianças; 2) e os pais, quando os filhos crescem, tornam-se velhos; 3) e a velhice, como diz o ditado, é um verdadeiro retorno à infância; 4) logo, meu pai agora é uma criança; 5) e, sendo criança, posso então dar-lhe (em retribuição) as mesmas surras que levei.

Resultado: tome-lhe porrada no safado do velho.

Ricardo Sangiovanni, jornalista, coordena o blog O Purgatório e mantém no NR a coluna Mistério do Planeta, com um texto mensal toda primeira quarta-feira do mês corrente. Escreve de Salvador.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Destino

“El mundo cambia si dos se miran y se reconocen”
(Octavio Paz)


Sou totalmente favorável à apropriação de ideias alheias. Às vezes não somos capazes de colocar em ordem, traduzir em palavras, um pensamento, uma visão de mundo que temos. Então vem outra pessoa e pimba faz o trabalho por nós.

Foi o que aconteceu comigo sobre a crença no destino. Passei anos e anos tentando entender um sentimento aparentemente contraditório que tinha. Ao mesmo tempo que não acredito que o futuro já esteja traçado, que exista uma mão invisível que mova as peças, creio sim numa força que faz com que eu deva seguir um caminho, que me leva a tomar decisões.

Demorou, mas chegou o dia em que ideia alheia me salvou desse dilema.

Assistia eu ao programa Sangue Latino, no qual o escritor Eric Nepomuceno entrevista personalidades da nossa América Latina. O convidado da vez era o escritor e roteirista mexicano Guillermo Arriaga.

“Você acredita no destino?”, perguntou Nepomuceno. E foi quando Arriaga expôs a ideia que é dele, mas que agora é minha também e pode ser sua, se você quiser.

“Não sou devoto, não sou religioso e, portanto, não acredito em predestinação. Acho sim que uma pessoa pode ter um destino e fazer com que o mundo se acomode para que esse destino se cumpra. Creio que um ser humano pode ter tamanha força a ponto de fazer as coisas acontecerem”.

Durante esses anos de conflito interno sobre o assunto eu costumava lembrar de uma frase de Caetano Veloso que às vezes me parecia linda e outras vezes me parecia ingênua. “É impressionante a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer”.

Pois eu diria então que Caetano e Arriaga falam da mesma força. Força capaz de girar o eixo da terra para que duas pessoas se vejam e se reconheçam.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do Purgatório e do NR, escreve às segundas, direto de Salamanca, Espanha.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Quem diria

Não adianta. Apesar das muitas indicações em contrário, eu acredito na solidariedade e na amabilidade. Gente é uma raça complicada, sem dúvida, mas o tempo todo desmente as expectativas e os estereótipos. Quer ver?

Eu viajava sozinha pela Jordânia e, por insistência dos jordanianos, resolvi conhecer Petra, uma cidade escavada nas rochas por uma civilização que desapareceu há uns dois mil anos, se não me falha a memória.

Saí de Amã bem cedo, numa lotação que levava uns seis homens árabes, um casal de turistas espanhóis bem jovens e eu. Duas horas depois, o carro me deixou numa aldeia de uma rua só, que terminava numa feira onde havia vários camelos à venda, além da produção agrícola local. Avisaram que Petra ficava mais adiante, e era necessário tomar um táxi para chegar lá.

Eu precisava de um banheiro com muita urgência e não tinha a menor ideia de como consegui-lo. Foi me entrando aquele medo do lugar remoto e desconhecido, agravado pelo fato de estar sozinha numa comunidade árabe muçulmana, um perigo certo. Sem alternativa, saí andando pela rua e perguntando às pessoas onde podia encontrar um “toilet”, uma das palavras essenciais que felizmente dispensam tradução.

Ao passar por uma birosca meio armazém meio restaurante meio bar, um homem me fez sinal para entrar. Árabe, vestido de árabe e certamente muçulmano, tudo o que temos aprendido como a encarnação do mal, do ódio e da violência, e eu uma mulher branca, obviamente ocidental e cristã, um alvo altamente preferencial.

Senti um frio na espinha e um impulso de sair correndo, mas a urgência fisiológica era tanta que resolvi arriscar. Entrei e ele me sinalizou que o acompanhasse. Saiu andando por um labirinto de portas e escadas que passava por dentro de casas e quartos e não acabava nunca. Meu coração queria sair pela boca.

Lá pelas tantas, ele parou e me indicou uma porta. Estávamos só nós dois ali, e eu tive quase certeza de que seria estuprada, esfaqueada ou asfixiada em poucos minutos, a muitos mil quilômetros de casa e de qualquer pessoa conhecida.

Entrei pela porta indicada. Era um banheiro, com uma latrina de louça, uma pia, papel higiênico e toalha. Fiz tudo o que precisava, me lavei, refresquei e sequei, imaginando que se, ao sair, não encontrasse ninguém, levaria muito tempo para encontrar o caminho de volta à rua.

Quando abri a porta, ele estava ali, calmamente esperando. Guiou-me de volta pelas vielas e me devolveu à rua. Com uma gratidão que poucas vezes senti na vida, ofereci-lhe uns dólares de recompensa, que ele recusou com veemência, quase ofendido.

Segui meu caminho a Petra aliviada e feliz por ter confirmado, mais uma vez, minha velha crença na generosidade de estranhos. As ruínas, que vão aparecendo aos poucos e de repente se mostram em todo o seu esplendor, estiveram totalmente à altura da ocasião.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

príncipe dos nanicos

Senti a morte de Millôr Fernandes (1923-2012). Eu não concordava o tempo todo com ele. Mas a gente não precisa concordar 100% para gostar de uma pessoa. O equívoco de apreciar apenas os que pensam como a gente, não cometo mais. Creio que agir desse modo é uma maneira de viver, não só no discurso, a tão desejada diversidade.

A morte de Millôr me fez recordar dos meus anos de leitora do Pasquim, jornal que ele abrilhantou. Para quem não teve a oportunidade: o tablóide nasceu no Rio de Janeiro em junho de 1969. Imagine o contexto: o AI-5 havia sido decretado em dezembro do ano anterior. Perceba a ousadia de lançar uma publicação atrevida no meio das botas.

O Pasquim morreu antes de morrer. Oficialmente, ele durou vinte e dois anos. Mas na realidade foi importante nos seus primeiros cinco anos. O que dá uma lição: os projetos inovadores têm uma duração efêmera, depois tendem a se institucionalizar. Aí eles se tornam enfadonhamente previsíveis.

Millôr ao lado do Tarso de Castro, Ivan Lessa, Paulo Francis, Sérgio Augusto, Sérgio Cabral formavam a boa turma da máquina de escrever. Como disse o Jaguar: "O Pasquim tirou o paletó e a gravata do jornalismo brasileiro". A turma também criou entrevistas memoráveis. Sem edição, deixavam o papo rolar para delícia e espanto dos leitores.

Jaguar foi quem deu o nome Pasquim ao nanico, se antecipando aos detratores. Além dele, nos desenhos estavam Claudius, Prósperi, Henfil, Fortuna, Ziraldo, Juarez Machado. O que o jornaleco tinha de bom? A irreverência do texto, o humor das charges e tiras, a postura genial de acreditar no riso em tempos absolutamente sisudos.

Sisudo do lado da direita que mandava no país, prendia, torturava e matava seus opositores. Sisudo do lado da esquerda organizada que achava que os tempos não eram para fazer graça, e muito menos cosquinhas nas páginas impressas.

Fala-se muito que o Pasquim era Ipanema. Eu não o percebia assim. Garota de treze anos, eu o lia na barca Rio-Niterói. Trajeto que nada tinha a ver com Ipanema. Para mim, o Pasquim era imenso. Ele era o Brasil inteligente. Um sopro de invenção com cheiro de tinta fresca.

Seus redatores, em particular Paulo Francis, me encantavam. Eu não entendia tudo o que eles escreviam. Mas sentia o estilo. Intuía a força de um texto que queria ser texto e, não só, como aconteceria depois na imprensa, um mero veículo para as ideias circularem. Havia prazer na escrita e nos cartuns.

Visto com meu olhar de hoje, muita coisa me desagrada no Pasquim da minha adolescência. A redação era um clube do bolinha. Havia um machismo que aparecia aqui e ali, e um certo preconceito contra os gays. O que nos dá outra lição: por mais inspirada que uma equipe seja, ela não transcende a sua época. Com as honrosas e raras exceções, é claro.

Essa crônica começou evocando o Millôr Fernandes. Nada mais justo que termine com ele. O cara de mil talentos e "livre como um táxi" escreveu, traduziu, desenhou. Percebeu a força da internet antes de muita gente. Foi um frasista de pena cheia. Autor de um haikai que carrego decorado: "Esnobar / É exigir café fervendo / E deixar esfriar".

Evoé, Millôr!

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Ou o Brasil acaba com a saúva...

O ditado ficou famoso no Brasil durante muitos anos: ou o Brasil acabava com a saúva ou a saúva acabava com o Brasil. A praga destruía terras e lavouras, dificultando o plantio e o progresso de muitos agricultores.

Não raro, a imagem metaforizava-se e era usada, como faço agora, para indicar outros eventuais inimigos das terras brasileiras. Muito embora na democracia representativa formal, essa que cinicamente dizem ser ‘o governo do povo, pelo povo e para o povo’, os partidos políticos organizados nunca representam a 100%, do ponto de vista ideológico e programático, aquilo que dizem ou que gostariam de representar dos extratos sociais que os apóiam.

Ainda assim será possível afirmar com alguma segurança que até o golpe civil/militar de 1964, o quadro político partidário brasileiro apresentava alguma coerência na representatividade dos partidos políticos até então existentes. PSD, UDN, PTB e outros menos votados como o PSP, o PDC e, sobretudo o PCB (dentro ou fora da legalidade) abrigavam em suas fileiras homens e mulheres que se identificavam com o pensamento menos ou mais conservador, com o fascismo ou com o comunismo ou o socialismo cristão ou ateu, o trabalhismo e por aí afora.

A partir de 1964, com o fechamento do Congresso e a dissolução dos partidos legalmente constituídos o país se dividiu entre os incentivadores e apoiantes da ditadura, os que tentaram resistir ao arbítrio e os indiferentes, estes sempre em maior número, infelizmente.

Os vinte e um anos de ditadura e o retorno a uma nova fase democrática, sustentada por interesses não muito claros sobre o que fazer após o período discricionário, acabaram por condenar o país ao registro de dezenas de partidos políticos, muitos deles sem qualquer representatividade.

Convocou-se uma Assembléia Constituinte que deu ao Brasil sua nova Constituição com mais de 500 artigos, o que bem demonstra a colcha de retalhos a que se conseguiu chegar. Uma democracia com 500 artigos constitucionais e centenas de Medidas Provisórias com o passar dos anos.

Imaginem uma democracia que se rege por MEDIDAS PROVISÓRIAS. Partidos que se formam ao abrigo de interesses de grupos ou de personalidades discutíveis da nossa fauna de aventureiros, muitos deles incentivados pela impunidade, pelo apadrinhamento de caciques políticos e pelos “foros privilegiados” de pessoas protegidas pelos cargos eletivos e votos conquistados nas urnas.

Partidos dos quais o cidadão comum mal conhece os programas. Partidos cuja teoria e a prática são separadas por um abismo de incompetência, falta de planejamento estratégico de uma política para o país e que, quando conseguida, se deve ao esforço e a dedicação de alguns de seus militantes mais atentos e audaciosos, para o bem e para o mal.

A ruptura ideológica provocada na esquerda a partir dos anos 80, entre outros fatores, pela ascensão e imposição do neoliberalismo econômico, a queda do muro de Berlim e do leste europeu, o vertiginoso crescimento chinês e seu híbrido sistema capitalista/socialista, o desejo da América Latina em se livrar definitivamente do atraso e de suas oligarquias conservadoras, o fortalecimento dos BRICS, a chantagem nuclear e a ganância sobre o petróleo do Oriente Médio, o descaso com o continente africano, os bolsões mediáticos conservadores e fascistas espalhados pelo mundo, o fanatismo religioso – e poderíamos citar mais alguns – desestabilizou em todo o mundo a busca pela alternativa socialista.

O espírito da concórdia e da anistia política substituiu, entre nós, o desejo de justiça. Somos um país bonzinho ao invés de justo. Batemos em dependentes químicos dentro e fora da Universidade, nos bairros periféricos das grandes cidades e evitamos a prisão de banqueiros e empresários corruptos.

Só vamos às ruas para os desfiles de escolas de samba e para comemorarmos os campeonatos conquistados por nossos times de futebol. Ou o Brasil combate com eficácia a corrupção e a impunidade ou essas acabarão de vez com o país.

Izaías Almada, dramaturgo e escritor, colunista do NR. No dia 12 de abril lança seu novo romance, Sucursal do Inferno, editora Prumo, na Livraria da Vila, a partir das 19h. 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Direito de resposta

Kike,

Eu tinha jurado que não responderia mais a tuas mensagens, mas vou quebrar essa promessa porque me senti um pouco ofendida com a tua carta.

Primeiro que me pareceu bastante apelativo usar a nossa história de amor para tentar ganhar um concurso literário. Segundo, é uma carta recheada de mentira e lugares comuns. Com certeza você não vai conseguir nada com ela.

Essa comparação de que nossa historia foi como um acidente de avião me pareceu ridícula, desculpa dizer. Acidente de avião, ainda mais em pleno ar, é coisa muito rara. O nosso foi uma corriqueira batida de carro, um choque a pouca velocidade que resultou em feridos leves, nada mais do que isso.

Dizer que foi tudo um grande erro somado com azar… Você realmente acha isso?
O que você não percebe, ou faz de conta que, é que não há culpados, não há mocinho nem bandido nessa história e não há do que se arrepender. Simplesmente o que aconteceu foi que o amor acabou, Kike. Você sabe que isso acontece, todos sabemos que isso acontece. O amor acabou, mas antes disso vivemos momentos bonitos, fomos felizes e aprendemos muito, não é verdade? Você acha isso pouco?

Foi breve, mais foi intensa e prazerosa, pelo menos para mim. E quando deixou de ser eu tive a coragem, para meu bem e para o teu, de dizer que não queria mais.

Acha que foi fácil do lado de cá tudo isso? Acha que não doeu em mim também? Claro que eu penso em você às vezes e que às vezes sinto saudade. Mas tenho certeza que a minha decisão foi a melhor. Foi como tirar um peso de cima das costas, me senti leve. De repente eu não tinha mais que me preocupar com o que ia acontecer, se eu conseguiria mudar você ou se era eu quem tinha que me adaptar.

O amor não se alimenta só de ilusões, Kike, é preciso ter pelo menos um dos pés no chão. Acho que foi isso que aconteceu entre nós, você estava todo o tempo voando e eu tenho medo de altura. Era uma guerra em que eu tentava te puxar para baixo, enquanto você queria que eu voasse contigo. Eu sou medrosa, essa é a questão.

Preciso de alguém que fique aqui comigo, com os dois pés bem presos à terra; e você, Kike, você tem mais é que voar. Vai encontrar uma mulher com umas asas lindas e bem grandes e vocês serão felizes na imensidão do céu, enquanto eu vou estar aqui embaixo acenando para vocês, espero que na companhia de um covarde.

Fique bem. Eu te amo, você sabe disso, mas estou convencida que o amor não é suficiente.

Beijos,

Maía (tua pequena para sempre)

Ricardo Viel, jornalista, colunista do Purgatório e do NR, escreve às segundas, direto de Salamanca, Espanha.

domingo, 1 de abril de 2012

Ganhadores do livro Sucursal do Inferno de Izaías Almada

Hoje foram sorteados cinco exemplares do meu novo romance. E isto não é conversa de 1º de abril, mas uma gentileza do NR e do amigo Thiago. Pena que sejam cinco exemplares só para muitos participantes.

Para aqueles, contudo, que não forem contemplados, fica aqui o meu convite para que compareçam à Livraria da Vila da Rua Fradique Coutinho no dia 12 de abril e vamos tomar um vinhozinho, mastigar umas frutas secas e jogar conversa fora. Será uma tarde/noite agradável, podem ter a certeza. Seria uma honra recebê-los e autografar alguns exemplares.

Sobre o livro, deixo a palavra ao crítico, escritor e ensaísta Francisco Foot Hardman, professor de teoria literária da Unicamp: “E se esse festejado passo da democracia brasileira não passasse de uma transação faustiana, em que a religião do Capital, tendo penetrado todos os poros da sociedade, revivesse as piores criaturas paridas nos porões da ditadura e forjasse a pauta de um novo espetáculo Demo? E se, convocados os versos de Dante, Shakespeare, Pessoa, Perrault, dos Evangelhos, permanecêssemos ainda assim em transe alucinógeno, entre os parques Ibirapuera e D. Pedro, nesta São Paulo irreal, por isso mesmo fatal, em que a história de um poder discricionário, afirma-se como rito satânico no Paraíso dos Impunes? Atreva-se leitor! Adentre logo essa Sucursal do Inferno.”

Boa Semana Santa a todos e até o dia 12 próximo...

GANHADORES:
escrevem com nome e endereço completo para contato@notaderodape.com.br

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