Pois aconteceu comigo, e lá fui eu. Fim de novembro, quando o lado de cima do mundo já caminha rapidamente para temperaturas que costumam congelar o corpo e a alma dos seres tropicais. A luz do dia dava o ar da graça lá pelas oito da manhã, e às quatro e meia da tarde já havia desaparecido.
Confinados num hotelão dos tempos soviéticos, com o lobby mais medonho que já vi na vida, nossas aulas aconteciam numa discoteca desativada, com chão e paredes revestidos de carpete preto e decoração de vidros e espelhos. Era de dar pesadelos.
Digo confinados porque a “capacitação” era intensiva, e na verdade não havia muito o que fazer do lado de fora. Como não consigo ficar confinada em lugar algum, lá pelo segundo ou terceiro dia inventei de ir com uma colega a uma loja de roupas, na hora do almoço.
Eu queria comprar uma calça de inverno, e achava que era o lugar apropriado. Mas rapidamente nos demos conta de que lá, como aqui, ninguém fala inglês, e nem se arrisca na nossa proverbial enrolation. Voltamos pro hotel de mãos abanando.
Decidimos, então, ir a um shopping num fim de tarde – já escuro, claro. Instruídas pelo pessoal do hotel, tomamos um bonde. Estávamos em três e, uma vez lá dentro, não conseguimos descobrir como se pagava a passagem. Depois de confabular alguns minutos, decidimos simplesmente descer na nossa parada, sem pagar, mortas de vergonha.
Faltavam uns quatrocentos metros até o shopping. Caminhávamos as três juntas na calçada quando, numa determinada esquina, uma senhora bem velhinha veio em nossa direção, agarrou-me pelo braço e foi andando comigo. Matraqueava sem parar naquela língua impossível, e nós, um pouco atônitas, seguimos caminho, com ela agarrada no meu braço.
Continuamos conversando entre nós, enquanto ela não parava de falar lá na língua dela. Numa outra esquina, uns três quarteirões à frente, ela parou, se soltou de mim, tomou a rua lateral e foi-se embora. Sempre falando, num tom como se estivesse de fato conversando conosco.
E estava, não tenho dúvida. Hoje sei que ela nos contava da estranheza de viver num país que foi dividido em dois, e de precisar de passaporte pra visitar uma parte da família. De como Viena, distante meia hora de carro, ficava em outro mundo nos tempos da cortina de ferro. E que mundo tão maluco era esse que tinha chegado de repente, em que até umas latino-americanas desavisadas apareciam pra fazer cursos por lá.
Júnia Puglia, cronista, estreia hoje a coluna quinzenal De um tudo no Nota de Rodapé.
31 comentários:
Pra variar, tudo o que vc escreve é prazeroso de se ler... parabéns pela estréia... estarei sempre por aki.
Que delícia poder visitar um site pra ler uma crônica agradável, curiosa, engraçada - e muito bem escrita. Quem sabe o pessoal de Estadões, Folhas, Vejas e outras "publicações" brasileiras não fazem um curso de capacitação com você? Nem precisam ir a Bratislava ;-)) Grande abraço daqui dos Alpes, e parabéns pela estreia!
Madame Puglia, eu sempre falei que você seria ótima na rede e de forma periódica! Estou feliz por ver isso se concretizar. Será um prazer semanal ler os teus textos, entender um pouco de um tudo que se passa nessa cabeça arejada e beber um pouquinho do teu bom humor pra alegrar as quartas. Parabéns pela estreia!!!
ju, sempre achei vc antenadíssima, além de uma flor de pessoa, mas a crônica mostra que também escreve muitíssimo bem. adorei, vou "assinar" o nr. beijos, saudades, b.
Parabéns pela estréia! É um grande privilégio poder conversar "De Tudo Um Pouco" com você sempre que possível. Este espaço ampliará estes momentos para mim e possibilitará que outras pessoas também possam se deleitar com as histórias! Ler neste espaço será sensacional! Já conhecia o fato, mas a crõnica ficou ótima: os detalhes, o desfecho... Viva a "a louca da casa"!
Até que enfim você se animou, criatura!! Já não era sem tempo. Como Ana Carol, eu já conhecia o fato, mas ler a história é sempre outra onda. Você sabe contar uma história como poucas pessoas. E sei que tem muito prazer nisso. Então aproveite. Um beijo enorme!
Excelente forma de iniciar o ano:com iniciativa! Adorei a sua crônica, como adorei aquela que você escreveu sobre o nosso encontro no McDonnalds. Super duper!
Quanto a sua aventura em Bratislavia me fez lembrar das minhas aventuras de viagens mundo a fora e as surpresas que nos deparamos, principalmente cultural!
Bem, estou vendo que serei leitora assídua desse blog!
Eita que já era tempo, Júnia! Agora posso pelo menos me sentar e te ouvir através das leituras neste meu computador!!! Amei o estilo de escrita, querida! Parabéns pela iniciativa de compartilhar teus momentos com a gente e obrigada! Já sei: estarei sempre presente por aqui! Um beijão e abraços mesmo que sejam virtuais!
Oi Junia, que delícia de histórias e como me identifico com essas situações inusitadas nos giros pelo mundo. Obrigada pela leveza do texto e o calor da história. Iara Pietricovsky
Amei!!! Já ganhou uma leitura assídua! Beijocas!
Parafraseando a minha netinha Aurora, eu não gostei, eu AMEI! Muito obrigada, amiga, por compartilhar tão bem "escritamente" um pouquinho do que borbulha em sua privilegiada cabecinha. E parabéns ao "Nota de Rodapé" pela nova colunista. Daisy
Querida,te ouvir é gostoso, te ver é muito bom e te ler e extremamente prazeroso. Estou feliz com o seu novo papel. Desejo que seu espaço aumente e que várias pessoas possam falar e te levar em várias linguas. Como será que se fala ou que melhor, se escreve TE GOSTO em " Bratislovês". bjos
Texto-rio, desses que a história flui e o pensamento da leitora vai junto.
Parabéns pela estreia!
Graças a Deus, aparece na imprensa brasileira alguma coisa digna de nota, 10 no mínimo, pois o que andamos lendo nos jornais e revistas é realmente trágico. Parabéns Júnia pelo seu novo desafio, e obrigada por não permitir que o nosso bom português morra. Como é gostoso ler e se envolver na leitura. Beijos alpinos e estarei sempre por aqui.
Obrigada pela história, já me senti caminhando pelas ruas de Bratislava, que nem conheço nem sei como são. Assim deve ser.
Me senti de braço dado com a velhinha olhando pra você! Muito bom te ler! Assim tenho um bom jeito de não "desaprender" português! Te desejo bom sucesso e muita alegria na escrita!
Querida mia! Felicidades por esta iniciativa, que imagino será el principio de hacer realidad todos tus sueños!
Maravilloso para mi practica de portugues...pronto comentare en esa maravillosa lengua!
Viva!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Adorei tudo - crônica, estreia, nome da coluna... o máximo! Beijo grande e parabéns, dona Junia! Belo vôo...
Que delícia! Parabéns!
Júnia!!! Que delícia sua forma de escrever... Essa velhinha queria era uma carona no seu braço até o destino dela... Parabéns querida!!! Serei frequentadora assídua deste tão bem humorado blog. Bjs
Vi o link para esta coluna De um tudo no Nota de Rodapé, confesso fiquei encantada com a leveza e a curiosidade que senti em cada pedacinho do texto... muito legal
PARABÉNS,JUNIA ! MOSTROU SEU TALENTO,ESCREVENDO COM TOTAL CLAREZA,NUM PORTUGUÊS CORRETO, TRANSPARENTE. TENHO CERTEZA DO SUCESSO,MUITO MERECIDO,ALIÁS. VÁ EM FRENTE,USANDO SEMPRE DE SUA JÁ CONHECIDA CAPACIDADE LITERÁRIA.
Junia P, na categoria de testemunha ocular e auricular desse curioso episódio lhe dou meus parabéns! Texto gostoso de ler, como sempre são seus "escrivinhamentos". Espero que venham muitos outros.Beijo grande. Myriam
Junia sou amiga de Dona Dirce sua mãezinha..
Achei que VCs tiveram muita coragem.Neste pais, se
uma velhinha pegasse no meu braço eu teria um piti
daqueles...
Conte-nos mais estorias,valeu. chiquita
Grata pela viagem pra Bratislava. Deu pra sentir o clima... A velhinha me lembrou a bonequinha Matrioska que tenho. A imagem dela agarrada ao seu braço deu um tom surreal e engraçado ao seu relato.
Que venha mtas histórias!! Adorei!!
Abraços carinhosos de Sampa!!
Regina Puglia
Valeu, Pugliarada e outras pessoas que passaram por aqui e deixaram rastro. E vamos que vamos!
muito bom ler tua escrita, é daquelas que quando começamos nao queremos parar....Deus preserve sempre este dom maravilhoso em tua vida. abçs.
ELIANE OSÓRIO
amei linda histroria
Felicitaciones querida Junia!!! Disfruté mucho de la nota, es fresca, leve pero profunda, no se puede parar de leer!
Aguardo la proxima!!
Quantos comentários, dignos de uma ótima estreia. Espero pelos próximos, boa sorte, abs, Fredo Sidarta, SP
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