Um olhar de cumplicidade, um sorriso, um gesto, uma aproximação, algumas palavras trocadas e eu migro para o segundo momento: fotografar os habitantes do lugar, que confesso, sempre me interessam mais do que as arquiteturas ou as naturezas.
Neste dia perdi uma foto: uma mulher do quilombo Kalunga caminhava no sol tórrido do cerrado com uma sombrinha de um vermelho estupendo que contrastava com o cinza-esbranquiçado do asfalto e fechava um arco de cor com a pele negra da moça.
Quantas vezes, caminhando na rua não somos pegos por uma cena incrível e hesitamos? Quantas vezes uma fotografia não ficou só na cabeça? Faltou tempo, coragem, feeling, atenção. Voltar? Refazer? A cada passo a imagem vai tornando-se translucida, entrando para os nossos arquivos mentais.
Acervo das imagens que não fizemos, das imagens que são somente potencial. E que não existem e nunca vão. Eu considero estas boas imagens também. Pois é em defesa das fotos que não fiz que escrevo este texto.
Imaginar imagens não deixa de ser um acúmulo de experiência fotográfica. Não, não estou propondo que você pare de fotografar ou que deixe de comprar aquela câmera. Estou fazendo uma ode à reflexão. Há que se pensar antes e depois do clic.
Nunca durante, nos ensinou o grande Cartier Bresson. Quando se trata de fotografar pessoas há que relacionar-se, baixar a câmera, olhar nos olhos, trocar palavras e dançar. Acrescento a dança porque outro dia ouvi intrigada de um amigo: “para esta sua profissão, tem que saber dançar, né?”. Não... devo ter respondido mentalmente. Mas é claro que sim. Saber trocar é essencial.
[clique para ver a imagem no tamanho original]
Sabemos devolver as imagens que produzimos? Está é uma postura que gosto de assumir e admiro os fotógrafos que fazem isso. Admiro as pessoas, fotógrafos ou não, que diante do outro se mostrem interessadas em aprender e não só em apreender. Existe um excesso de imagens sendo produzidas.
Às vezes temos a sensação de que todos os temas já foram clicados com tanta competência que nem vale a pena se lançar ao assunto.
A fotografia, uma jovem senhora de 172 anos atingiu proporções inimagináveis e o ineditismo perdeu lugar há muito tempo. Resta dizer que o que se fotografa não é mais o carro chefe, mas sim como se fotografa. A tecnologia mais cara da fotografia é o próprio homem, suas relações, suas paixões, seus desejos, seus sonhos e indignações. É por isso que eu, como ainda não sei dançar, estou tratando de arriscar alguns passos.
Próxima coluna. Entrevista com Luiz Achutti:
Achutti, preciso de uma brevíssima descrição tua para colocar no NR, pode ser essa: Fotógrafo, antropólogo, jornalista, ex-ator (anos 70), professor da UFRGS e membro de Phanie Centre de l'ethnologie et de l'image?- e Gremista!
Ana Mendes, 26 anos, gaúcha de nascimento, errante de coração e profissão. Fotógrafa e cineasta documental formada em Ciências Sociais. Trabalha como fotojornalista freelancer entre Brasília e Porto Alegre. A coluna Faço Foto, aqui no Nota de Rodapé, irá debater o ofício de fotógrafos que trabalham com a temática social em fotos de caráter documental, jornalístico e artístico.
8 comentários:
Ana Mendes. Parabéns. Gostei muito do seu texto e das reflexões que ele traz. A escolha de Luiz Achutti para abrir as entrevistas foi ótimo. Ouso sugerir um pequeno ensaio de cada entrevistado em resolução de tela , com marca dágua e autorização dos mesmos, para que esse material, entrevista e fotos possam ser baixados pelas diversas pessoas que reproduzem em cursos e oficinas a história da fotografia e seus saberes, citando sempre a fonte. Seria uma forma de tornar a fotografia brasileira e nossos fotógrafos conhecidos para quem começa a fotografar e para não fotógrafos interessados na nossa arte.
Obrigado pelos bons momentos
ripper
Parabéns! Aguardamos ansiosos as outras colunas!
Dizem que fotos valem mil palavras. Eu concordo. Mas aninhá-las em um contexto sensível e bem narrado é delicioso, valoriza o fotógrafo, o fotografado, as histórias de gentes e de lugares. Dá-le, Ana! Parabéns pela contribuição com as reflexões sobre essa arte. Parabéns ao NR pela criatividade.
Luiz Achutti foi meu orientador na conclusão de curso Ripper, a primeira entrevista é para homenagear este criador da fotoetnografia como método fotográfico e de pesquisa científica (antropologia).
Aproveito para registrar meu muito obrigada a todos pelos comentários! Tô me deliciando com a estreia. Feliz com os compartilhamentos e "curtições".
ana mendes
Ana, ótimo texto e que vai nos envolvendo. Parabéns e um abraço te desejando muito sucesso.Karla Nyland - Câmera Viajante
postei no face e depois percebi, esse é o lugar dos comentários..rsrs... aí vai:
fotógrafa, mas ainda assim etnógrafa: "Alguns fotógrafos querem passar desapercebidos. Eu preciso ser vista", hehe!
guria, te "puxa" que nós te ajudamos no "puxamento" também...
Cara Ana, muito bacana o teu trabalho, desejo muito sucesso para você e tua coluna, e que nos conte muitas boas por aqui, por aí, sempre que possível. Abraços
Parabéns Ana!
Gostei muito do texto! Muitas identificações! As relações mediadas pela maquininha de captar imagens e as imagens que só na mente foram clicadas dão muito o que pensar mesmo!
Sucesso pra teu espaço, pra tuas imagens e reflexões! Estarei de olho!
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