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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Os órfãos de Steve

Faz vinte e três anos mudei a maneira de trabalhar. Meu primeiro computador pessoal era um mastodonte. A CPU, enorme; o monitor, além de pequeno, de fósforo verde. A impressora matricial precisava de uma mesa só para ela. Batizei-o de Jorge Luís Borges. Na época, e ainda hoje, um dos meus autores preferidos. A geringonça era o máximo! Chamei os amigos para conhecê-la. Ficaram impressionados.

Depois do Borges, tive a Clarice Lispector, o Julio Cortázar, o Honoré de Balzac, o Machado de Assis, o Juan Rulfo. Para quebrar a monotonia deste ofício, que consiste em pôr uma palavra após outra e após outra, fui alternando entre desktops e notebooks. Todos PCs. Com exceção do primeiro, todos rodando o Windows do Bill Gates. Eu fazia parte de 94% do mundo. Por muito tempo, os Macintosh eram luxo de ricos ou ferramenta sofisticada para designers.

Confesso que tinha até antipatia da maçãzinha mordida. A Apple me parecia um clubinho, um gueto eletrônico, onde quem está dentro se ama e quem está fora não entra. Odiava quando diziam que o Windows era uma cópia do sistema operacional do Mac. Pois, francamente, no mundo da informática quem não copia? Dizem que a Apple copiou seu sistema de um projeto da Xerox. Que a copiadora Xerox copiou de algum CDF garagista do Vale do Silício. Que este, por sua vez, chupou das tabuletas do barbudo Moisés.

Araruta tem seu dia de mingau. PC convicta, um dia comprei o iPad. Fiquei com o bolso vazio, mas me encantei com a maquininha que permite que eu navegue na rede, seja dentro do ônibus, no banheiro, na fila do açougue. Possibilita que eu escreva minhas palavrinhas observando diretamente as pessoas, tal como faziam os pintores que carregavam seus cavaletes para a luz dos dias.



Foi só aí que comecei a me interessar pelo Steve Jobs. Comprei até um livro sobre seu estilo de apresentar os iMac, iPod, iPhone, iPad. Um vendedor matador. Não deu outra, com a experiência do deslumbrante iPad, comprei um MacBook Pro. Duas décadas depois, deixava o PC, me rendia à maçãzinha mordida. Pela primeira vez, não batizei o computador com nome de escritor. Ele se chama Yuri Gagarin.

Mas veio a surpresa. Logo depois de entrar no clubinho Apple, muito pimpona com meu tablet debaixo de um braço e o MacBook Pro debaixo do outro, o Steve anunciou um sucessor. O iPad 2 mais potente, mais fino, com duas câmeras! Como assim? Ainda estava recompondo o saldo bancário e o carinha vem com outro. Daí me falaram: "Boba, é assim mesmo. A Apple lança produtos a cada seis meses."

Não sei porque, quando soube da morte do dono da Apple, pensei na minha lavadora de roupas. Ela é mais velha que o meu primeiro PC, o Borges. A danada segue na ativa - lavando por agitação, enxugando por centrifugação -, libertando minhas mãos do tanque, deixando-as soltas para o desfrute das teclas que concretizam ideias. Quem foi o inventor da máquina de lavar?

Com o passamento do Steve Jobs (1955-2011), os artigos na imprensa foram superlativos. Colocaram o criador do App Store ao lado do Edson da lâmpada elétrica e do Einstein da relatividade. Menas! Acho que o temor dos fãs-consumidores é que Apple, sem seu mago inovador, fique como todo mundo. Fique PC.

Fernanda Pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

6 comentários:

seawiever disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
seawiever disse...

ótima Fe, mas vc me deixou curiosa: quem foi mesmo que inventou a máquina de lavar?
beijos

Cecy Fernandes de Assis disse...

Muito bom, Fernanda.
A máquina
Há um pedido de patente protocolado em 1691.
Anúncio, em janeiro de 1752 na Gentlemen's Magazine. Inglaterra.
Produção em grande escala a partir de 1906. Detentor da patente: norte-americano A.J.Fischer, embora não se possa afirmar que seja ele o real inventor.

Mario Buonfiglio disse...

Oi Fernanda, adorei. Também fui mordido pela maçã em 2004 e PC nunca mais.

Bjs,
Mario Buonfiglio

Jeronimo disse...

Meu primeiro PC também chamava Borges. Doado pela minha tia Fernanda. ;)
Jerônimo

Marisa Ferraz disse...

Como sempre, uma delícia ler seus textos...
Beijo,
Marisa

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