“Me liga”, escreveu num e-mail
1996. Estava na sala de espera de um consultório médico quando um livro chamou minha atenção. Entre as revistas e o livro, peguei o livro. Sem reparar no autor, capa ou coisa do tipo arranjei algo para fazer o tempo passar. Era uma coletânea de crônicas. Escolhi uma que o título me agradasse. Escolhi a segunda, embalei na terceira e minha mãe saiu da consulta:
- Vamos?
Olhei para ela, olhei para o livro, olhei para a recepcionista, coloquei o livro debaixo do braço e sai com a frase estampada na testa: “Meu Deus, roubei!”
No mesmo dia já tinha lido o livro. Uma edição especial com as 100 melhores crônicas publicadas no jornal O Estado de São Paulo.
Um mês depois retornei ao consultório com minha mãe. Fui devolver o livro para a recepcionista e ela nem notou seu sumiço. Generosa:
- Fica com você!
2004. Terceiro ano de faculdade e estava experimentando o suor frio de conseguir entrevistar alguém de respeito no jornalismo. Era a proposta de uma das professoras para um trabalho de jornalismo literário.
Tinha cerca de 10 dias para entregar e desde o início tive uma certeza: quero o Mário Prata.
Por onde começar? Não sabia. Estava no auge do meu amor platônico por ele. Lia e relia suas crônicas, lia e relia seus livros. A verdade é que sonhava ser a versão feminina do Mário Prata.
Minha primeira ideia - para minha sorte - deu resultado: liguei no jornal e consegui seu e-mail já imaginando que aquele devia ser algo como filtro para spam, malas diretas e outros malas de plantão. Não tinha muita esperança na resposta. Mas ela veio rápida e rasteira.
“Me liga”
Como assim “me liga”? Não posso sair por ai “Te ligando”, pensei. Apelei para a água com açúcar e depois de horas meditando e sofrendo liguei. Ele atendeu. O Mario Prata atendeu. Uau!
Jornalismo, me revelou o episódio seguinte, se aprende fora da instituição educacional.
A certa altura ele me perguntou se eu sabia o que era uma máquina de linotipo. Não sabia o que dizer. Bastou o silêncio para ele entender que não fazia ideia.
- Como podem não ensinar aos alunos o que é uma máquina de linotipo?
Bastou uma pergunta.
Pesquisei, então, a tal máquina inventada em 1890 que significava ao Mário Prata muito mais do que a sua criação se propunha a fazer. Dias depois ele citou a questão da linotipo em uma das suas crônicas. Era o movimento cíclico da “Velha Guarda” com a nova geração.
Minha pauta caiu por terra. Olhava minhas perguntas e as achava ridículas. Ele não era intocável. Por alguns meses mantive contato por e-mail, mas como sempre me senti num estado de invasão de privacidade não prossegui muito tempo. Naquela época não conseguia compreender como um grande profissional era mesmo tão acessível. Fruto, quem sabe, do nosso atual jornalismo ter mais “Jornalistas que brilham” do que “brilhantes jornalistas”.
“Faculdade de surf também não precisa de diploma”
Existem profissões que você não escolhe. É escolhido.
Absurdos durante a faculdade me fizeram crer que novos ‘jornalistas’ estão longe de fazer a diferença positiva na profissão.
Uma garota no primeiro dia de aula justificou estar no curso porque queria mesmo era faculdade de surf - mas sabe como é - não deu certo.
Alguns anos depois um amigo, estagiário de jornalismo, revelou não gostar de ler. São muitos. Compreendi exatamente o que o Mario Prata me explicou nas entrelinhas: falta viver, sentir e transpirar a profissão.
Não vou entrar no mérito do diploma de jornalismo. Discuto a ausência do verdadeiro profissional. Esse que independe do diploma nas mãos. Caderno, caneta e pauta. A mesa de bar que democraticamente reunia diferentes jornalistas, diferentes correntes, diferentes empresas e mídias. Ali era o cenário onde se trocava experiência, informação e devaneios. Não havia notebook, gravadores digitais ou e-mail. Para fazer pesquisa não exista nem Google nem Wikipédia para resolver.
Estreio a coluna com uma justa homenagem ao profissional em que sempre me espelhei e que me ajudou a decidir pelo jornalismo quando relia pela milésima vez o livro que havia ganhado em 1996.
Fosse numa mesa de bar em frente ao prédio do jornal ou no cigarro para desabafar a tensão. E quem sabe no copo gelado de cerveja, e com a indisciplina no jeito jornalista de viver. De uma geração que deixou lições e que ensina até hoje que diploma algum te faz o profissional que desejaria ser.
“invasão nenhuma, fabiana: mas pra sair da ilha... dá uma preguiça. além do que, sempre me dá um frio na barriga. te agradeço, sinceramente, lembrar do meu nome. beijo. Prata”
6 comentários:
Diploma não faz profissional mesmo não, em nenhuma área..
basta ver o nivel de muitos medicos por aí.... meu farmaceutico da esquina de casa é melhor q eles para atender, ao menos, ele dá atenção, me olha e analisa com calma qq ta acontecendo....
adorei os textos Fabi...
bjos
ah, e Mario Prata é bom demais mesmo, tb adoro...
bjos
Luiz, quanto tempo!
Muito obrigada pelo comentário.É isso mesmo, a gente confia mais em uns do que em outros PHDs por ai!
Venha sempre hein...!!
Nossa Fabi, lembro da primeira cronica do Mario Prata que eu li, foi você que apresentou, mas ou menos na mesma época que você teve contato com ele.
Amei os textos querida!
Beijos
Oi menina. Mto obrigado pelo convite; valeu à pena vir até aqui! Adorei seu texto e tomara que a coluna se multiplique por mtas e mtas. Bjs. Laércio
Chorei de emoção ao ler. Bjooo
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