R: Procure um médico...”
Há quem diga: trabalhar com música é pura diversão.
Melhor advertir: sim, digamos que trabalhar no ramo é engraçado, tem suas facilidades, mas ‘rola’ muito trabalho sério e temos que aguentar muita carne de pescoço - com um sorriso no rosto - que Fernanda Montenegro daria os parabéns pela bela interpretação.
Após ter começado a trabalhar no ramo aconteceu uma desmistificação automática do ser “ídolo”. Conservo pessoas que admiro, mas passei a enxergar tudo de maneira diferente, ou melhor, de maneira realista: somos todos iguais!
Você passa a perceber os defeitos, qualidades, manias, estrelismos desnecessários, caras e bocas e tudo mais que se possa imaginar.
Tudo isso porque viver nesse mundo eleva o desejo de status, pequeno poder, competição por mídia, por valor de cachê, e esquecem o essencial: executar a arte e levá-la para onde o público estiver. O dom virou um negócio lucrativo, apenas isso. Mas, se todos tivessem dom isso já seria um alívio!
Pior são aqueles que acreditam que são mais artistas do que o próprio artista. E isso já ‘queimou filme’ de muitas celebridades. Já vi tantas exigências que o artista sequer sabia que estavam na sua lista de necessidades. É a super valorização do talento, assim como acontece no futebol.
Apesar de todo o glamour e chateação a vida de quem trabalha com musica é tão dura quanto de um administrador de empresas, advogado, jornalista etc. São dias úteis e finais de semana em árduo trabalho e muitas horas fora de casa.
Essas pessoas têm família, amigos, sofrem com problemas afetivos, tem problemas de saúde, muitas vezes viajam dias e dias doentes, não dormem por que precisam pegar o primeiro vôo do dia. E não tem essa de atestado médico, no show business isso não funciona.
Uma amiga, também produtora, já passou a semana inteira tomando cortisona para aguentar a gripe que piorava a cada dia. Tem como melhorar? Em um dia era show em São Paulo, no outro em Minas e no dia seguinte no Sul. Nesse meio tempo conseguiu dormir 6 horas e se alimentou apenas de comida de camarim (e ainda há contratante que reclama de fornecer abastecimento de camarim). Perde-se o vínculo familiar e já não tem graça experimentar os melhores hotéis do Brasil, não há conforto que traduza a alegria de estar ao lado de familiares e amigos ou no aconchego do lar.
“Show em nome de Deus”, disse furibundo
Em 2007 viajei para a cidade de Cruz das Almas no interior da Bahia. Era um show Gospel, e quando chegamos ao local não havia a iluminação solicitada em contrato, nem mesmo uma sonorização decente. Para piorar, ao reclamar, me disseram que não poderia agir daquela forma porque tínhamos que executar o “show em nome de Deus”. Não aguentei: “Então peça ao seu Deus que coloque agora um sistema de som que faça o show acontecer.”
Daí em diante foi terror e caos. Fui agredida verbalmente pelo contratante evangélico e chamada de atéia por ele e demais companheiros. Tive, ainda, que subir ao palco e explicar ao público que não teríamos como prosseguir com o show naquelas condições. O contratante virou o próprio capeta e diante de muita discussão o show não durou mais do que 20 minutos. Com direito a polícia na porta, tivemos que sair escoltados direto para pousada, dormir algumas horas e correr para o aeroporto. Foram poucas horas de sono, duas de estrada até o aeroporto, uma na sala de embarque e três de vôo. Fora a espera de meia hora para o desembarque das bagagens, a fila do táxi e a aguardada chegada em casa para desabafar o choro contigo da noite anterior.
Quem trabalha com música vive na estrada. Filhos passam seus aniversários longe dos pais. Não acompanham o crescimento dos sobrinhos ou o nascimento de um novo integrante da família. Não tem dia dos pais, das mães, páscoa e muitas vezes nem fim de ano. Fazer planos não faz parte dos seus planos!
Um produtor também faz empréstimo, também perde namorada (o) por falta de tempo para ter uma relação de verdade e deixa de participar da vida do filho na escola, além de não comparecer em reuniões de pais e mestres.
“Muletas profissionais”
Para que um belo show aconteça tem gente na estrada batalhando e que passa por situações muito piores.
Se tem algo que me irrita é o chamado “pequeno poder” de pessoas que acreditam ser poderosas por ostentar uma credencial pendurada no pescoço ou que gozam de uma posição social a qual não pertence. Gente sem qualquer talento ou percepção de realidade que faz dos demais companheiros de trabalho muletas profissionais. Não são humildes, são petulantes; o que não é exclusividade do ramo musical.
Sim, pequenas coisas me divertem como o início desse texto que nada mais é do que a resposta de um empresário da música para um artista novato recém contratado que “cheio de dedos” queria saber sobre uma rescisão contratual.
Fabiana Cardoso é jornalista e produtora
5 comentários:
Fabi, amei o texto, retrata muito bem a vida nessa área e é bem parecida com a minha em Hotelaria, não saber o que vai acontecer amanhã, trabalhar todas as datas comemorativas, incluindo ano novo (meia noite servindo hospede). Pois é querida..... é isso que a gente escolheu para a vida....
beijos!!!
Re, ces't la vie!
A gente reclama, mas ama o que faz! ;) não tem jeito!
Amiga, parabéns pelo texto.
Aproveitando, qq semelhança seria mera coincidência se não fossem tantas coincidências, mas isso só comprova que empresa é empresa em qq lugar, em qq ramo e com qq objetivo! Fazendo uma pequena anologia (olha eu fazendo analogias...) vimos diretores de grandes empresas que tb se vangloriam pelo cargo que possuem......presidentes de multinacionais que tb acham que têm o direito de "pisar" em pessoas de cargos inferiores.....chefias que mal sabem almoçar com subordinados.....enfim.....
Tipico de cidadãos mesquinhos que não sabem viver em sociedade.....acontece né?
Bjosssss, escreva mais......
Kau
É isso mesmo!
Adorei sua visita, venha mais!
bacana fabi,
bem sei o qto suas palavras são verdadeiras.
bjø grande!
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