Pensando Alto
O mundo segue com seus inúmeros e cada vez maiores problemas, entre eles a provável escassez de água potável, a ainda necessária obtenção e distribuição de petróleo (energia essencial pelos muitos e próximos anos) e, em consequência disto – além da destruição perversa do meio ambiente para satisfazer a ganância capitalista – a temerosa manutenção de vários focos de disputa pelo domínio e poder político/econômico: Afeganistão, Iraque, Palestina, Sudão, Colômbia, Honduras para ficarmos em alguns exemplos.
Por aqui, país do futebol, dos BBB’s televisivos, da corrupção político/empresarial e outras mais modestas do dia a dia, “divertimo-nos”, manipulados por uma mídia irresponsável e defensora de interesses, na maioria das vezes antipopulares e antinacionais, com as estripulias de jogadores e técnicos de futebol ou artistas e “celebridades” e seus astronômicos salários (a projeção do efêmero) ou com a possibilidade de aumentar o número de mortos com a gripe suína (a expectativa mediática do terror) ou ainda com a crise do senado (a tese do somos “quase” todos corruptos).
Por vezes sobra a impressão de que o Brasil, vivendo a crise da adolescência econômica (passando de país monocultor a país agroindustrial), sustentada em uma subdemocracia (onde todo mundo grita, mas ninguém tem razão), cujos três poderes constitucionais (Executivo, Legislativo e Judiciário) não passam de simulacros do chamado governo do povo, para o povo e pelo povo, sobra a impressão, repetimos, de que o Brasil vive num mundo à parte. Ou seja, o que se passa no resto do mundo não nos interessa, tanto se nos dá.
O único país que conheci em minha vida (e já conheci muitos) que sempre viveu uma espécie de autismo geopolítico e ideológico, com profundo desprezo por outras culturas que não seja a sua, chama-se Estados Unidos da América. Cultura do velho oeste baseada na invasão de territórios e grandes matanças de índios, onde os generais Colt e Winchester dão as ordens e fazem a alegria de milhares de acionistas. Único país no mundo, aliás, que até hoje usou a bomba atômica contra outro povo. Em nome da paz...
No momento em que a América Latina ou pelo menos vários de seus países se empenha para a conquista da independência e soberania de seus povos, com a defesa de suas riquezas naturais, é natural o desejo de evoluir-se para o estabelecimento de uma democracia participativa, onde o valor da consulta popular e o exercício do voto não se baseiam somente no poder econômico e na corrupção daí advinda.
Quando povos despertam em defesa de suas culturas, em defesa de um modelo econômico alternativo ao neoliberalismo, que tanto dano provocou às nações menos desenvolvidas, isso põe em alerta as mentes mais conservadoras e reacionárias do mundo. Quando se convocam Assembléias Constituintes para ajustarem as constituições às necessidades dos novos tempos, criando a possibilidade de que as leis de uma Carta Magna não atendam apenas, na prática, aos interesses de oligarquias nacionais ou regionais, isso acaba por estabelecer uma nova linha divisória naquilo que há mais de cento e cinqüenta anos, pelo menos, se conhece como luta de classes.
O Brasil tem procurado marcar presença nessa nova história latino americana com o comportamento do realismo pragmático, o que – se em muitos casos é profícuo – em outros pode se transformar em covarde egoísmo ou medo de enfrentar os desafios com maior coragem e discernimento. Batemos uma no cravo e outra na ferradura, consoante os interesses de momento. Em princípio uma política que se entende e que até proporciona atitudes coerentes, como a revisão do acordo de Itaipu com o vizinho Paraguai, por exemplo, reparando-se uma injustiça com o país irmão, vítima de um contrato selvagem de exploração de suas águas.
Outras situações, no entanto, exigem mais presença e mais firmeza do nosso país no cenário sul americano. Quando a Colômbia, ampliando os limites de sua frágil e discutível soberania, permite a instalação de mais bases norte-americanas dentro de seu território, numa evidente manobra de desestabilização da região noroeste da América do Sul e do Caribe, cabe indagar qual a posição do governo brasileiro a respeito, quando a Amazônia – uma das regiões mais ricas do mundo – fica a alguns poucos quilômetros dessas bases militares de um país estrangeiro dentro de outro país estrangeiro e limítrofe.
Alguém acredita, sinceramente, que tais bases militares são para ajudar a combater o narcotráfico? Ou para protegê-lo? Relatórios recentes da ONU indicam que o maior produtor mundial de cocaína ainda é a Colômbia e que o maior consumidor da droga são os Estados Unidos da América. Como é que fica? O país de Barack Obama já não engana ninguém há muito tempo com essa sua baboseira de defender a democracia pelo mundo. Qual democracia? Existem tantas, para tantos usos. A italiana, por exemplo, permite que o primeiro ministro Berlusconi se divirta com prostitutas e garotas menores de idade. A francesa permite a discriminação contra cidadãos estrangeiros que trabalham há anos no país. A norte-americana incorporou a tortura como forma de interrogatório. A brasileira permite que um banqueiro, Daniel Dantas, condenado pela justiça, continue lavando dinheiro e comprando jornalistas e juízes para se manter em liberdade. A chilena permite a discriminação contra grupos indígenas. A hondurenha foi substituída por um golpe de estado.
Quem nos defenderá dessas democracias?
Izaías Almada é autor entre outros do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Editora Boitempo) e colunista do Blog Rodapé.
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