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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A encruzilhada norte-americana

Não consigo entender a razão que me impede de ser um grande admirador dos Estados Unidos da América do Norte. E olhe que já tentei: comprei um chapeuzinho do Mickey na Disneylândia, fantasiei-me de Homem Aranha no Carnaval, compadeci-me com os assassinatos de John Kennedy e Martin Luther King, tenho uma nota de um dólar guardada como talismã, mas não tem jeito, não consigo engolir o tal ‘american way of life’.
Devo confessar, inclusive, que tenho grande admiração pela produção cultural norte americana, sua literatura, seu teatro dramático e musical, o blues e o soul na música, muitos de seus filmes, poetas como Whitman e Auden, dramaturgos como Albee, Miller e Tennessee Williams, escritores do talento de Faulkner e Baldwin... E a lista aqui seria extensa.
Mas quanto à sua decantada democracia e o seu papel de polícia do mundo, não. Aí, não... Aí o assunto se reveste de inquestionável transcendência. O mundo já está cansado da intromissão direta de siglas como CIA, DEA, FBI, MARINES ou indireta como FMI, ONU, OEA, OTAN (onde prevalece a ‘visão norte americana’ e corporativa do mundo capitalista) e outras menos conhecidas pelo grande público, mas não menos importantes ou perniciosas.
Desde que a Segunda Grande Guerra desmontou o poder hegemônico da Europa sobre o mundo, inclusive expondo as vísceras de um colonialismo perverso e ultrajante de países como a Alemanha, a Holanda, a Inglaterra, a Itália, Espanha, França, esse lugar foi ocupado pelos Estados Unidos da América do Norte, que soube, mais do que ninguém se aproveitar da oportunidade oferecida pelas circunstâncias da luta contra o nazi/fascismo, entre outros fatores, e assumir o papel de gendarme da humanidade.
Ao ajudar combater o eixo Roma/Berlim/Tóquio e eliminar o fantasma de um mundo governado por um psicopata como Adolpho Hitler, os EUA envolveram-se num manto de simpatia mundial que muito bem souberam canalizar para a defesa de seus interesses econômicos e estratégicos, aos poucos disseminado e sustentado por uma poderosa máquina de manipular ideias e consciências por meio do rádio, da imprensa, do cinema e da televisão.
Pode-se mesmo dizer que os últimos 70 anos vividos pela humanidade, se caracterizaram por uma monumental propaganda em favor de um sistema econômico que transforma a água em vinho, multiplica os pães, mas deixa na miséria, ou quase, 90% da população mundial. E, o que é mais grave, crucifica a todos aqueles que não rezam pela sua cartilha. E não são poucos os Pilatos que lavam as mãos diante de tal situação.
Coréia, Vietnam, Indonésia, ditaduras pela América Central e do Sul nos anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra, apoio a genocidas africanos, apoio a golpes de estado em países como Chile, Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai, nos anos 60/70, Kosovo (Bálcãs), Haiti, Honduras em anos mais recentes dão, apesar do volume de ações, uma pálida idéia da intromissão de um país autoritário e arrogante na vida política de outros povos.
A livre concorrência e a defesa de interesses econômicos dão aos EUA, no limite dos direitos adquiridos e na prática de uma diplomacia minimamente civilizada, consoante as próprias leis que regem o sistema capitalista, a possibilidade de se fazerem ouvir em qualquer ponto do globo terrestre. Contudo, direito igual têm todos os outros países da comunidade internacional.
No entanto, não é esse o filme a que se assiste. Apoiado por uma poderosa máquina de guerra, onde se destacam as armas nucleares (negadas ou permitidas a outros países conforme as alianças que se fazem), a hipocrisia (para dizer o menos) da política norte americana é de transformar o Iago da tragédia shakespeariana numa verdadeira Madre Tereza de Calcutá.
Mistificando suas ações de combate ao terrorismo e ao narcotráfico, o Departamento de Estado e sua diplomacia feita de chantagens e espionagem, conforme revelações mais recentes do site Wikileaks, parecem ter chegado a um impasse nessa primeira década do século XXI. Sua economia vai mal, seu poder de barganha diminui, sua influência na América Latina e agora no Oriente Médio declina.
Conseguirá o presidente Barack Obama mostrar que foi merecedor de um prêmio Nobel de Paz ou esse galardão se desmoraliza em definitivo?

Izaías Almada é dramaturgo, escritor e colunista do Nota de Rodapé e do Escrevinhador

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