Histórias de pessoas de carne e osso – e também de personagens de papel – que viveram na roda viva da ditadura militar. Episódios quinzenais toda quinta-feira.
(episódio 20)
por Fernanda Pompeu ilustração Fernando Carvall
Enquanto os foliões cariocas pulavam nas ruas a alegria do carnaval de 1974, reciclando mais uma vez homens vestidos de mulheres, pierrôs e colombinas, dois jovens – Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho – eram presos por agentes do DOI-CODI do Rio de Janeiro. O fato ocorreu em Copacabana, onde Fernando e Eduardo haviam marcado um encontro.
Os dois eram militantes da APML (Ação Popular Marxista Leninista). Era uma entre várias micro-organizações que tentavam enfrentar a ditadura militar instaurada dez anos antes daquele carnaval de 1974. Se atrás de uma bola vem sempre uma mãe. Atrás de um filho preso também. Foi assim que Elzita, mãe de Fernando, e Risoleta, mãe de Eduardo deram início à épica procura por seus filhos.
As duas tentaram de tudo. Falaram com carcereiros, bispos, militares. Estiveram frente a frente com o general Golbery do Couto, o todo poderoso chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. Ele as ouviu em silêncio e em silêncio permaneceu. Informações posteriores comprovariam que Fernando e Eduardo tinham sido mortos sob torturas. De maneira bem frequente naqueles anos, seus corpos desapareceram.
Em entrevista a Patrícia Negrão, no livro "Brasileiras Guerreiras da Paz", publicado em 2006, Elzita Santa Cruz Oliveira diz: "Depois que perdi a esperança de encontrar Fernando, só me restou falar, para que um fato tão triste não caísse no esquecimento". Antes da prisão do filho, Elzita já havia vivido o sufoco da prisão da filha Rosalina.
Por Rosalina Santa Cruz, ela também bateu portas de quartéis. Desafiou o arbítrio e o totalitarismo dos homens de farda: "Eu sentia medo. Mas por um filho, vou até para dentro do fogo". A mãe acabou encontrando a filha, solta um ano depois de presa. Mas com Fernando a história seria mais triste. Sem pistas, sem corpo. Apenas matéria incendiando a memória.
Fernando, nascido no Recife, em 1948, foi preso a primeira vez ao participar de uma manifestação estudantil contra os acordos MEC-Usaid. Refrescando os fatos: esse acordo era pura subserviência aos Estados Unidos. Indicava privatização do ensino, entre outras injustiças. Foi aí que Filosofia e Latim foram retiradas da grade do ensino fundamental. Por ser menor de idade, o rapaz permaneceu pouco tempo detido.
Mas em 1974, o carnaval foi outro. Havia ordens de desmantelar o maior número possível de organizações opositoras à ditadura. Ordem de torturar e matar os militantes. E, é claro, desaparecer com seus corpos. Como se nunca nada tivesse acontecido. Como se fosse super natural matar Fernando, deixando o filho Felipe, então com dois anos, órfão.
Até hoje, neste ano da graça de 2014, famílias inteiras seguem esperando por respostas. Nenhuma alimenta a ilusão de encontrar pais, filhos, irmãos vivos. O que querem é o direito básico da verdade. Não só isso. Querem também divulgar como essas pessoas morreram e quem foram seus assassinos.
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Fernanda Pompeu é escritora e redatora. Fernando Carvall é o homem da arte.
Um comentário:
Super oportuno escrever sobre essas verdadeiras desgraças familiares que nos brindou a ditadura militar. Inacreditável que ainda há pessoas-quero acreditar que totalmente ignorantes do que foi a ditadura militar - vão às ruas para pedir o retorno deste período MACABRO!!! PARABENS FE!!!
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