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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 13 de setembro de 2005

Intelectualidade na Crise

Essa opinião do sociólogo Ricardo Musse integra parte da matéria "o que pensam os intelectuais da esquerda" da revista Caros Amigos, edição de setembro. Essa análise é também o meu ponto de vista sobre toda essa canalhice política. Deixo aqui registrado, pois é crucial que tenhamos um olhar diferenciado sobre todo esse processo.
Ricardo Musse, doutor em filosofia e professor no Departamento de Sociologia da USP, nunca foi filiado ao PT, mas se diz militante do partido.
“Não há como deixar de considerar o governo a partir da crise política em que se deixou enredar. Foram 25 anos para chegar ao poder e pouco mais de 25 meses para colocar alguns de seus principais dirigentes no banco dos réus. Independentemente do poder econômico e político da oposição – de seus métodos e aliados no submundo –, houve um erro monumental na gênese desse fracasso, no mínimo por subestimar ou não identificar o adversário. O ‘grande organizador da derrota’ foi a tibieza em promover mudanças, a estratégia de continuidade na economia, na administração e na política. A fração petista no poder revelou-se alma gêmea do tucanato, desde a transição que virou coabitação até o neoliberalismo mitigado que abraçou como programa de governo. Há uma teia de causas e efeitos em tudo isso, um encadeamento nem sempre visível na mídia, que transforma a denúncia em espetáculo: a política econômica neoliberal só se mantém pela via da subordinação dos interesses populares ao poder econômico, pela mercantilização das consciências e da representação política, partidária, sindical etc. Hoje, o governo agarra-se à falsa expectativa de que agradando ao poder econômico não será destroçado, e dá-lhe cada vez mais do mesmo, ampliando a estratégia de capitulação que é a própria fonte do fracasso. Ao mesmo tempo busca o apoio das massas, ameaçando reeditar dinâmicas típicas da história do populismo no continente. A estratégia de ‘união nacional’, ensaiada desde o início do governo, a tentativa de se apresentar como ponto de confluência de movimentos opostos – do agronegócio e da reforma agrária, dos transgênicos e do ambientalismo, dos banqueiros e do setor produtivo, do capital e do trabalho – corre o risco ainda maior de desagradar a todos. Hoje, a nossa esquerda sofre de melancolia. Uma crise de legitimidade assola todas as instâncias do poder – o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, a mídia, o Exército, as igrejas etc. – e a esquerda imobiliza-se em discussões estéreis – é ou não golpe, querem ou não o impeachtment, deve defender ou não Lula – e não vê a oportunidade histórica de mobilizar os trabalhadores e os setores populares, de apresentar uma solução de esquerda para a crise. Uma das virtudes da crise é a desmistificação de ilusões, em especial da expectativa de que o capitalismo não seja a própria barbárie. Mas tenho me angustiado muito com a imaturidade e fragilidade da esquerda – com as exceções de sempre, como o MST. Uma parcela da esquerda, as ‘boas almas’, vê a conjuntura como uma reiteração de sua previsão de que não se deve lutar pelo poder e de que convém entregar o galinheiro às raposas. Outra, ‘exibicionista’, comporta-se como caudatária do PFL e da mídia. Há ainda alguns que, mesmo tendo alertado para os equívocos da fração dominante no PT, vestem a carapuça e propõem uma atualização dos rituais medievais de autoflagelação em praça pública. Agora e sempre, a tarefa da esquerda é uma só: organizar e mobilizar os trabalhadores e os setores populares. Numa sociedade em que todas as relações estão assentadas no dinheiro, só há uma força capaz de se contrapor a isso: a ação política das massas. O PT, apesar dos desvio de sua antiga direção, ainda é o espaço partidário mais democrático e representativo dos anseios de mudança. É o resultado da ação social de milhares de militantes anônimos que dedicaram parte de suas vidas a mudar o país, um legado que não pode ser usurpado.”

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