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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 9 de março de 2010

Paes de Lira e a pensão alimentícia devida pelo amante

- Você vai pagar muito caro por esta traição! -

Esta frase nunca fez tanto sentido como desde o dia em que o Deputado Federal Paes de Lira (PTC-SP) apresentou o seu polêmico projeto de lei junto à Câmara dos Deputados.
Já chamado nos bastidores da Câmara de “PL dos Cornos”, o projeto obriga terceiros responsáveis pela separação de um casal a pagar pensão alimentícia à parte que necessitar do auxílio. Segundo o próprio texto do projeto, o terceiro pagará pensão ao cônjuge infiel quando este não tiver condições financeiras de se sustentar e, também, tiver aberto mão da pensão do ex-conjuge em virtude de ser o culpado pelo fim do casamento (cônjuge traidor).
Suplente do polêmico e falecido Deputado Clodovil Hernandes (PR – SP), Paes de Lira, que também é coronel da Polícia Militar, afirma que a razão de seu projeto de Lei é a preservação das famílias. Também, segundo o deputado, tal Lei se torna necessária pois, com a descriminalização do adultério, "terceiros aventuram-se despreocupadamente a se imiscuir em comunhões de vidas alheias, concorrendo impunemente para desgraçar lares e desestruturar famílias, sem qualquer obrigação legal.”
Definitivamente revogado pela Lei nº. 11.106/05, o crime de adultério estava em desuso por longos anos no direito penal brasileiro, pois de difícil comprovação, já que se caracterizava pela consumação do ato sexual. Ou seja, somente era possível a punição no caso de adultério se o réu fosse “confesso" ou se fosse possível provar a realização do ato sexual (era necessário o flagrante pela autoridade policial ou uma filmagem).
Ao analisar o projeto de Lei o deputado Paes de Lira, “motivado sabe-se lá por que”, buscou instituir ferramenta de coação à prática do adultério. Só que a forma é inadequada. Explico:
As leis da prestação alimentícia (pensão) surgem de uma relação jurídica reconhecida. Assim, a legislação brasileira entende que os parentes (inclui-se os ex-cônjuges e ex-companheiros) podem exigir uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir. Basta algum grau de parentesco ou de relação marital para que se estabeleça, entre os envolvidos, a possibilidade de surgimento da relação de devedor/credor de pensão alimentícia entre eles.
Assim, é devida pensão alimentícia quando a parte não tem bens e nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria subsistência, e, mais importante, a obrigação de “prestar alimentos” está ligada ao dever moral de assistência e solidariedade entre pessoas que se originam do mesmo tronco familiar.
No entanto, instituir o dever a alguém fora do tronco familiar a obrigação de pagar pensão ao cônjuge necessitado é, em última instância, extrapolar os limites conceituais do instituto da pensão alimentícia.
Uma vez que no casamento os cônjuges se obrigam à fidelidade recíproca, na hipótese de descumprimento de tal obrigação é ele - o infiel - responsável perante a sociedade conjugal. Assim, se o cônjuge adúltero concorreu para o adultério, não é cabível a transferência da obrigação ao terceiro (amante) se eximindo das consequências.

Quem está na chuva...
O que se busca com a crítica ao projeto de Lei não é a convalidação da prática do adultério. Ao meu ver, esta questão está intimamente ligada à uma discussão ética, a um julgamento moral, que, se for de interesse e consenso da sociedade deve sim ser alvo da proteção jurídica. Ainda mais se o bem jurídico a ser protegido é a instituição familiar, que é de suma importância para a manutenção da ordem social.
Observa-se no Poder Judiciário algumas discussões em que há a busca pela responsabilização do 3º à reparação ao dano moral supostamente causado ao cônjuge traído, mas, para tanto, a ferramenta utilizada é o instituto da Responsabilidade Civil. O Código Civil de 2002 determinou a obrigação à reparação do dano. “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (Artigo 927).
Também, o entendimento acerca do instituto jurídico da Responsabilidade Civil (dever de indenizar), vejamos a definição: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (Artigo 186).
Portanto, se uma ação gera um dano, ainda que exclusivamente moral, o autor desta ação é obrigado a reparar o prejudicado através do pagamento de indenização.
Neste diapasão, o Poder Judiciário aplicou tal instituto (Responsabilidade Civil) à prática do adultério. Em primeira e segunda instância, havia várias decisões favoráveis ao cônjuge traído, no sentido de que o amante teria concorrido para o fim da sociedade matrimonial e que, portanto, seria obrigado a indenizar pelos danos morais causados.
Ocorre que, recentemente, tal entendimento foi modificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em seu voto, o relator ministro Luís Felipe Salomão, da quarta turma do STJ, entendeu que não há como o Poder Judiciário impor o não fazer ao amante e entendeu que não haveria como indenizar a traição por inexistência de norma legal. Em outras palavras, entendeu o ministro que o adultério não seria um ato ilícito cometido pelo terceiro, o qual em nada concorreria e nenhuma obrigação teria para com a relação matrimonial desfeita. No caso, se houvesse algum culpado, este seria o cônjuge adúltero.
Enfim, resta agora aguardar o projeto ser colocado em votação e, se aprovado, é certo que desta Lei decorrerão inúmeras ações judiciais contestando-a, por ser claramente inadequada ao nosso ordenamento jurídico.

Guilherme Ablas, advogado tributarista, jornalista e sócio do escritório Lins e Silva, Braghette, Bueno & Ablas. Mande suas perguntas e dúvidas para rodapejuridico@notaderodape.com.br

Um comentário:

Unknown disse...

Como diz um amigo mexicano, nada pior do que um imbecil com iniciativa. O autor desse projeto reúne essas qualidades.

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