.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A espera de um milagre

O desabafo de uma mãe que tem um filho usuário de crack. Me escreveu: “Me sinto perdida, agora escurece e estou aqui, olhando meu filho dormir sob efeito de remédios e de crack.”

Talvez fosse mais uma destas curiosas misturas linguísticas tão comuns na cultura brasileira, onde se nomeiam os filhos a partir de uma junção simples do nome do pai com o nome da mãe.

Mãe Aline, morena de pele escura e fala agitada, o Pai, Sinval, respeitado jogador de truco do bairro das lamentações. Ou quem sabe seria apenas uma adaptação de um nome francês ou inglês. O fato é que Sinvaline bateu a minha porta virtual no início dessa semana.

Acabo de voltar de férias e ao conferir meu correio eletrônico me deparo com uma inesperada e triste surpresa. Minhas imagens haviam provocado lágrimas em uma mãe sofredora. O motivo? A principal epidemia contemporânea, o Crack, batera a sua porta e se alastrará no coração de seu filho.


[clique para ampliar as imagens]
“Olá, me deparei com suas fotos tentando aliviar a dor de uma noite de terror. Escrevi, fotografei as mazelas da miséria humana e essa noite eu estive de frente com o crack dentro da minha casa. Meu filho, alucinado, olhos virados, nem me via…. E aí? O Vício não tem cura, eu não tenho o que fazer… abraços.”

Aprendi com o mestre Robert Capa a célebre frase: “Se a foto não ficou boa o suficiente, é porque você não estava próximo o suficiente do objeto” ou algo parecido. A proximidade implica em se relacionar, em se abrir para o novo, em trocar seja lá o que for.


Quando se opta por fotografar determinado tema com uma grande angular escancarando a realidade, interagindo com a situação, os resultados são viscerais e autênticos. O Crack sempre me intrigou, me fez conhecer muitos usuários e viver o mundo assombrado destas pessoas atormentadas pelo vício.

Os efeitos do uso para a saúde, como bem se sabe, são devastadores, mas é o sofrimento subjetivo das famílias que choca o pensamento de quem olha de perto este problema. Uma sopa insalubre de sentimentos negativos inunda o coração de Sinvaline.

Eu me disponho a ser seu confidente, seu amigo virtual para as horas de tentativa de consolo, porque a dor que ela sente, só uma mãe nessa condição pode sentir.


“Ajudar? O que você poderia fazer? Me sinto perdida, agora escurece e estou aqui, olhando meu filho dormir sob efeito de remédios e de crack.”

Esperança já se torna uma sentimento abstrato, tão distante quanto o planeta Marte. O novo programa de Combate ao Crack, lançado na semana passada pelo governo federal, prevê uma série de ações na tentativa de estancar a epidemia. Consultas ao ar livre e internações involuntárias fazem parte desta medida. Mas os efeitos sociais causados pela droga ainda estão longe de serem conhecidos. O que se sabe de fato, é o seu imenso poder de destruição familiar e individual.


“Desculpe se o importuno… A visão é turva pela tristeza, a impotência baixa o semblante, nada tem sentido agora. São muitos anos de luta, uma vida de sentimentos tristes, alegres e na maioria de muito trabalho. Uma corrida contra o nada. Quando nasce, só se sabe que irá morrer um dia, o resto é incerteza. A certeza de agora é um mundo enorme e nossa pequenez. A mulher forte se abate diante da fumaça que turva tudo. Sorrir como? Tudo se esvai aos poucos, o corpo, a mente, a esperança… Refém de situações alheias, uma prisão com grandes ferrolhos. O Relógio bate, a noite vai passando, os gemidos se fazem maiores até que o clarão do dia nasce amarelo e triste. No quintal, as árvores crescem, a terra coberta de folhas secas. Na rua, o asfalto cheio de lixo, crianças, cavalos, cachorros, mendigos, engraxates são vítimas do descaso social. E aqui, no fundo de casa, somos vítimas em sucessão de um todo desigual. Abraços e obrigada.”

Quando o estado se ausenta de suas funções: sociais, sanitárias e educacionais, o fundo do poço parece estar cada vez mais próximo das pessoas, em especiais, as desfavorecidas economicamente. A solidão e o desamparo tomam suas personalidades.

Victor Moriyama, 26 anos, é repórter fotográfico do Jornal O Vale, em São José dos Campos, cidade que reside atualmente. Mantém a coluna Fotógrafo-escreve no NR.

3 comentários:

Anônimo disse...

Comovente seu texto, Victor.

Valéria Carraro disse...

Excelente!!! Um tom de poesia...um tom de dor!!!Trabalho maravilhoso e fotos e de texto. Parabéns!!!

Selma Venco disse...

Parabéns! texto e fotos sensíveis, com olhar apurado para os problemas sociais que se mesclam à desigualdade social.

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics