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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 20 de abril de 2010

Inativos hoje, radioativos amanhã?

Começou em Cochabamba, na Bolívia, a Conferência Mundial dos Povos sobre Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra — CMPCC, na sigla em castelhano. O evento foi convocado pelo presidente Evo Morales poucas semanas após o fracasso da COP-15, em Copenhague, que reuniu os líderes do mundo inteiro mas não chegou a nenhum acordo sobre o combate ao aquecimento global.
Poucos chefes de estado ou governo, porém, assistirão à CMPCC. O presidente boliviano deve receber a visita apenas de seus maiores aliados estratégicos regionais: Hugo Chávez, Rafael Correa, Fernando Lugo e Daniel Ortega. Todos eles integram a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), tiveram uma atuação semelhante durante a cúpula da Dinamarca e defendem que nenhuma política para mitigar o aquecimento global será efetiva dentro do capitalismo. Porque, ora bolas, é o próprio sistema que vem destruindo a natureza.
Alguns jornais chamaram a CMPCC de “Woodstock climático”. Eu prefiro fazer um paralelo com o Fórum Social Mundial, que surgiu para contrapor o discurso hegemônico do Fórum Econômico Mundial. Podemos dizer que as Conferências das Partes (COP) promovidas pelas Nações Unidas para discutir a mudança climática é como se fosse uma “Davos ambiental”, enquanto a nova CMPCC é muito mais Porto Alegre.
Na COP se reúnem empresários, lobistas e chefes de estado, que podem até impulsionar acordos para preservar a natureza, mas sempre acabam esbarrando em interesses políticos e econômicos que falam mais alto. Na CMPCC estarão presentes ongs e ativistas — e alguns presidentes, além de representantes de governo — que propõem e defender uma mudança de postura no que diz respeito à catástrofe climática. E já, pra ontem, porque o planeta não pode esperar.
“As coisas estão caminhando numa direção errada. Os governos sabem disso, os cientistas sabem disso, mas nada estão mudando”, disse Pablo Solón, embaixador da Bolívia nas Nações Unidas, em entrevista ao Guardian. “Esse é o único cenário para fazer um balanço entre a pressão que as grandes corporações estão colocando sobre os governantes e a pressão que pode emergir da sociedade civil.”
A CMPCC é uma significativa oportunidade dada aos povos de todo o mundo — sobretudo aqueles cujas opiniões são esquecidas ou ignoradas pelo poder hegemônico — para que se façam ouvir. Os discursos em torno da crise ambiental são, digamos, unidimensionais, na medida em que apenas conseguem conceber saídas ao aquecimento global dentro da ordem política e econômica vigente. É a insistência na manutenção das noções capitalistas de riqueza, crescimento e desenvolvimento que tem produzido abstrações esquizofrênicas para salvar o mundo da tragédia, como o mercado internacional de carbono, que faz cálculos inimagináveis para atribuir valor monetário a algo tão óbvio como a preservação ambiental.
Preservar a natureza, uma atitude gratuita, custa muito dinheiro dentro do capitalismo. Portanto, algo está errado.
É este recado, cuja inspiração parte do mundo indígena, que a CMPCC quer repassar ao mundo, uma vez que os líderes mundiais voltarão a discutir o aquecimento terrestre em dezembro de 2010, no México. Evo Morales também pretende que a Conferência seja o ponto de partida para um plebiscito mundial sobre o aquecimento climático, um instrumento que possa recolher a vontade da sociedade global sobre as políticas que estão — e principalmente as que não estão — sendo adotadas para combater a devastação.
As propostas centrais da CMPCC guardam estreita relação com muitos dos artigos e reportagens publicados aqui em Latitude Sul ao longo desse ano e pouco de atividade. São gritos para que a devastação seja interrompida de uma vez por todas, para que as florestas deixem de ser derrubadas, que os rios deixem de ser poluídos e o ar, contaminado, porque só assim poderemos viver em harmonia com a natureza, e não apartados dela, porque a ela pertencemos. E, caso a economia deixe de crescer por causa disso, então é hora de reinventar nossos padrões de bem-estar e dignidade.
Porque talvez valha mais a pena viajar menos, trabalhar menos e, consequentemente, ter menos conforto para usufruir de um ar com menos partículas pesadas, de uma água sem cloro e de florestas nativas. E, sobretudo, para que o mundo seja menos injusto. É uma escolha.

>> Notícias sobre a CMPCC podem ser acompanhadas, em espanhol, no saite oficial da conferência e também, em inglês, na cobertura do jornal inglês Guardian.

Tadeu Breda é jornalista e colunista do Nota de Rodapé. Também vive em Latitude Sul

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