Em maio deste ano informações dão conta de que o Saneamento Ambiental de Atibaia (SAAE), no interior de São Paulo, começou a debater internamente uma proposta de mudança no modelo de gestão do saneamento básico.
Tomando como exemplo o padrão adotado na cidade de Guaratinguetá (SP) o poder público atibaiense busca a iniciativa privada para angariar recursos financeiros o setor. A justificativa é que, sozinho, não conseguirá alcançar metas de saneamento básico previstas em lei federal (lei 1.445 de 2007) que diz, por exemplo, que os serviços devem ser universalizados.
Na proposta, a Prefeitura tenta que a Câmara de Atibaia aprove projeto de alteração de regime jurídico do SAAE (de autarquia para empresa pública) o que possibilitaria, como em Guará, a contratação de uma Parceria Público Privada (PPP).
O esforço da Prefeitura é tamanho que, na semana passada, antes de qualquer chamado para audiências públicas e com atropelamento do tempo que deveria ser direcionado a estudos minuciosos e debates amplos, o vice-prefeito em exercício, Ricardo dos Santos Antonio (PT), solicitou sessão extraordinária no Legislativo, em pleno recesso parlamentar, para votar a proposta.
A sessão foi recusada pelo presidente da Câmara, vereador Emil Ono. No entanto, é provável que quando o Legislativo retornar de férias, no dia 1 de agosto, o assunto volte à pauta.
A alteração de regime, embora a direção da empresa afirme que nada vai mudar para quem fez carreira no SAAE, coloca condições diferentes nas relações de trabalho, ameaçando empregos e direitos adquiridos, o que preocupa funcionários e consumidores.
Sobre as relações de consumo, se deixar de ser uma autarquia, a empresa perderá a isenção de diversos impostos, como PIS e Cofins, ligados à seguridade social. Essa diferença será ou não repassada para as tarifas cobradas da população? Não se sabe até o momento.
Água como
mercadoria
A Companhia de Serviço de Água, Esgoto e Resíduos de Guaratinguetá (SAEG) é apontada pela atual administração atibaiense como exemplo de solução para atingir essas metas da lei federal, bem como um instrumento capaz de sanar finanças.
Em Guará, o argumento para a mudança e a entrada do setor privado na gestão de água e saneamento era que o poder público não teria condições econômico-financeiras de manter a instituição após a sanção da lei federal de 2007.
Já em 2008, o Serviço Autônomo de Água, Esgoto e Resíduos de Guaratinguetá (SAAEG) mudou o regime jurídico – de autarquia para empresa de economia mista – tornou-se SAEG e instalou uma PPP.
O Grupo Galvão, detentor da Companhia de Águas do Brasil (CAB Ambiental), em tese, seria a solução dos problemas da antiga autarquia de Guará. Não é o que se vê.
No último dia 1 de junho, o prefeito de Guaratinguetá, Junior Filippo (DEM) encaminhou à Câmara Municipal do município um projeto de lei solicitando autorização legislativa para a concessão da água na cidade. Trocando em miúdos, fazer da água uma mercadoria a ser vendida a população sob a tutela da iniciativa privada.
A alegação era de que a capacidade de investimento de Guará é baixa, por isso a decisão de estreitar relações com o setor privado. No dia 30 de junho, em sessão ordinária, os vereadores votaram e aprovaram o texto “em regime de urgência”, por oito votos a três.
A propósito, a CAB Ambiental é o elo das propostas de Atibaia e Guaratinguetá. Além de já estar presente no saneamento da SAEG de Guará, ela é quem fez o projeto de PPP para o SAAE de Atibaia.
Contas
mais altas
Com a crescente busca pela privatização no setor de água, o consumidor pode ter pela frente contas mais altas. A avaliação é de organizações sociais que participaram, na última quarta-feira, 20, de seminário que debateu como a população pode se organizar para impedir a venda das empresas.
De acordo com representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), 90% da rede de distribuição de água no país são controlados por empresas públicas, com uma cobertura de quase 100% das grandes e médias cidades.
Para o MAB, um negócio que não requer grandes investimentos (já que conta com estruturas prontas, criadas com dinheiro público) e movimentar anualmente cerca de R$ 120 bilhões – mais que todo setor elétrico – desperta o interesse da iniciativa privada.
Sob o controle das empresas particulares, a consequência imediata é o aumento abusivo dos preços, segundo um dos diretores do MAB, Gilberto Cervinski. No município de Santa Gertrudes, em São Paulo, onde o sistema foi privatizado em 2010, os preços triplicaram em seis meses. "Isso ocorre por causa do modelo de reajuste estabelecido com base em preços internacionais. No caso do setor elétrico, depois da privatização, os preços subiram 400%", diz.
A elevação dos custos ocorreria pela própria lógica do sistema privado, que adota um modelo de reajuste estabelecido em preços internacionais. Representantes das organizações já preveem um aumento imediato nos preços, além de uma diminuição dos investimentos no setor.
Os participantes do seminário denunciaram práticas ilícitas em alguns estados do país. Em Rondônia, na região norte, representantes do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas de Água e Energia afirmam que empresários assediam vereadores.
A entidade também denuncia que, em alguns municípios, as prefeituras têm desconsiderado processos legais, como a licitação para a concessão do sistema de abastecimento, exemplo ocorrido na cidade de Ariquemes. Contra a privatização, os sindicalistas avaliam que as empresas privadas investirão menos na ampliação da rede e, principalmente, em saneamento.
O caso de
Paranaguá
A Justiça de Paranaguá, no Paraná, determinou a rescisão do contrato entre as empresas Águas de Paranaguá S/A, sub-concessionária que administra o serviço de abastecimento e saneamento na cidade, a Companhia de Água e Esgotos de Paranaguá (CAGEPAR) e o município.
A decisão, de caráter liminar, atende ação civil pública apresentada em maio deste ano, pelo Ministério Público do Paraná. A Promotoria de Justiça da comarca sustenta que a empresa deixou de cumprir diversas obrigações contratuais, resultando em grave prejuízo financeiro aos cofres públicos, sem contar a má-qualidade do serviço que é oferecido à população e o desrespeito à legislação.
O juiz que acatou os argumentos do MP impôs prazo de oito meses para que a administração municipal volte a assumir o serviço hoje prestado pelas empresas. Em caso de descumprimento, a Prefeitura deverá pagar multa diária de R$ 10 mil.
Os promotores de Justiça apontaram diversas ilegalidades, como o não pagamento de encargos aos cofres municipais e o descumprimento recorrente de várias cláusulas contratuais, que implicaram na não realização de investimentos em melhoria do serviço e, consequentemente, prejuízo direto para a população.
Na decisão, o juiz chega a transcrever trecho da medida do MP-PR, que resume a situação: “Aproximadamente 45 anos após a assinatura do contrato de concessão de exploração dos serviços de água e esgoto e, após 14 anos da assinatura do contrato de subconcessão destes serviços, nem a Cagepar e nem a Águas do Paraná executaram satisfatoriamente, nem o Município exigiu tal implemento”.
O juiz também destaca: “Frise-se, após 14 anos do contrato de sub-concessão, não há sequer 5% de rede reparadora de esgoto no município de Paranaguá”. Por contrato, a empresa deveria ter implantado 85% do sistema de atendimento de esgoto até 2003.
Além disso, a Águas de Paranaguá havia se comprometido a construir reservatórios com capacidade de 17mil m3 até 2001, sendo que, até 2005, instalou apenas um reservatório, com capacidade de 1 mil m3.
Em virtude disso e de outras situações, em março deste ano, quando houve uma enchente na região, os moradores da cidade ficaram sem abastecimento de água por vários dias. “As fortes chuvas do início do ano nos deram a prova material de que o sistema era de fato frágil e que a população corria risco”, afirmam os promotores de Justiça autores da ação.
Eles estimam que, no total, o descumprimento de cláusulas contratuais que implicavam em investimentos na rede de água e esgoto e o não pagamento de encargos resultaram em um rombo de cerca de R$ 60 milhões aos cofres públicos.
Fracasso
Europeu
Europeu
O doutorando da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Juscelino Eudâmidas diz que, de acordo com pesquisas internacionais, até 2015, cerca de 60% da capacidade de abastecimento da América Latina estará privatizada. Ele destaca que, nos países ricos, onde a ideia da privatização surgiu, os governos estão voltando atrás.
"O Estado francês, onde surgiram as primeiras experiências de concessão do sistema de distribuição de água, está reestatizando todo o serviço. Eles viram que a qualidade do serviço e da água caíram, os preços subiram exorbitantemente e o serviço não foi universalizado", diz Eudâmidas.
Representantes do MAB destacam que a Itália, por meio de referendo, decidiu, em junho passado, que o sistema de água deve ser gerido por empresas públicas.
Moriti Neto é jornalista e colunista do NR.
Com informações de Agência Brasil e Ministério Público do Paraná
2 comentários:
Expressar uma opinião de esclarecimento nem pensar. Já escrevi um texto enorme não aceito, porque ia contra o escritor e diz a verdade! PPP é parceria....privatização venda. Conceder...concessão é investir e devolver ao poder concedente, prefeitura....por sua vez população todos os investimentos em troca da exploração do serviços.
Impressionante a prisão do anônimo ao dicionário.
Se concessão por 30 anos - renováveis automaticamente por mais 30 - não é privatização, fica difícil saber o que é. Provavelmente, ao final do prazo, nem estaremos vivos pra avaliar.
Tomara nossos filhos e netos tenham água de qualidade. E o interesse coletivo a soberania proveniente de um recurso tão importante.
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