As pessoas, então, podiam eleger o santo de devoção. Acender velas para Santa Clara ou São Jorge. São Cristovão ou São João do Carneirinho. Inundar as ruas com impressos do Santo Expedito, o das causas urgentes, o armênio mais brasileiro que existe.
Sinto saudades do Brasil macumbeiro com seus passes, búzios, encruzilhadas, oferendas, mães e pais de santo. O Brasil dos tambores, do corpo fechado, da comida com pinga, da carne de porco com farofa apimentada, dos cheiros, das cores. Saudades dos orixás: Ogum, Iansã, Xangó, Oxumaré, Nanã, Obá, Oxalá. E de Iemanjá - rainha das águas e musa dos réveillons nas praias de areias moles e duras. Brasil zombeteiro. Mescladão. Sem terno e gravata.
Pois agora o Brasil está cada vez mais evangélico, refém de versículos e mandamentos. Os irmãos e irmãs tocam a campainha às oito horas do domingo para nos enfiar alma abaixo a palavra do Senhor. Brandem a Bíblia como espada contra os ímpios, consumistas, sexualizados, conectados. Até os taxistas - que, na maioria, já foram malufistas, janioquadristas, malufistas - estão cada vez mais por Jesus. Se antes eram mestres nas frases feitas pelo povo, hoje são alunos das frases feitas dos apóstolos.
Agnóstica que sou, nada tenho contra evangélicos, católicos, candomblecistas, umbandistas, espíritas, zen-budistas, zens, israelitas, mulçumanos. Religião é como dança, cada um requebra como pode. O que me incomoda com os evangélicos é a monotonia do discurso: Jesus é a palavra, o parágrafo, o capítulo. O romance inteiro. Quem não está com ele está no desvio, na beira do precipício, no elevador quando acaba a luz.
Jesus virou marca. Muito mais poderosa que Apple, Petrobrás, Honda, Mercedes-Benz, Smith & Wesson juntas. Seu nome está na traseira de carros, motos, bicicletas, carroças, caminhões. Está na tira de alpargatas, na aba de mochilas. Bordado em panos de prato, fuxicos, toalhas de banho e de mesa. Gravado em xícaras, canetas, chaveiros, canivetes, porta-retratos, ursinhos de pelúcia. Seu rosto, com espantosos olhos azuis, está estampado em camisetas, protetores de tela, capas de caderno, papéis de jornal, couche, reciclados.
Na minha infância, evangélicos eram chamados de crentes. A primeira crente que conheci foi a Isabel. Ela morava na suburbana Nova Iguaçu. Todos os dias, viajava de trem, descia na Central do Brasil, pegava o ônibus para cozinhar na casa da minha avó na Tijuca. Isabel usava saia comprida. Seus cabelos eram longos e presos. Não fumava, não bebia, não falava palavrão. Ela nunca sorria para nós. Mas também nunca tentou nos ganhar para Jesus. Tenho saudades da Isabel.
Fernanda Pompeu, escritora, estreia hoje a coluna Observatório da Esquina. Mantem também o blog CapimLetrado.
5 comentários:
Muito bom texto Fernanda, acho muito importante como cristão, pensar o que eu quero e penso sobre uma nação refém de uma religião, afinal nem era essa a proposta do próprio Cristo, se assim fosse ele teria se unido a Barrabás.
Sucesso aqui no Nota de Rodapé e um grande abraço.
adorei Fe. em cima!
não gosto de me sentir refém de ninguém
entendo suas saudades da Isabel.
muito axé, my friendinha
beijos
ma
Fé metida goela abaixo não dá, né?
Super beijo
Lenita Verônica
ACREDITO EM DEUS E SOU CATÓLICO, AO ASSISTIR UM CULTO OU UMA MISSA, TENHO MEU CORAÇÃO DOMESTICADO .
Esta coisa de manipularmos tudo torna-nos preguiçosos! Habituarmo-nos ao replay faz com que actividades como escutar, ver, e mesmo pensar, pudessem ficar suspensas até ao momento em que decidimos prestar-lhe atenção. Fê gostei do texto, gostei da indignação, gostei da chamada de atenção, da tua resistência em não aceitar essa ocupação agressiva, gostei de saber que apreciaste a Isabel e sentes saudades do Brasil macumbeiro.
Paula Correia, Algarve, Portugal.
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