Uma mobilização que impede, veta, desaconselha ou vê com maus olhos a participação de partidos políticos – e falo não só dos partidos reconhecidos pela lei, mas de todos os grupos organizados em torno de um projeto de sociedade – tem um fator antidemocrático brutal
Algo entre 20 e 40 mil pessoas, variando bastante dependendo do jornal que noticiou, foram às ruas protestar contra a corrupção na capital da República, durante o feriado maldido – por cair numa quarta-feira – no último 7 de setembro.
Marcha realizada em 7 de setembro em Brasília |
Os organizadores da “Marcha contra a corrupção” tentaram dar um cunho antipartidário ao evento, como aconteceu diversas vezes: por exemplo, no movimento “Cansei”. E movimentos “antipartidários” surgem sempre, em todo lugar.
A lógica é que sendo uma marcha “contra” algo, não se pode colocar propostas “partidárias”, senão as pessoas não vão participar. Mas segundo o blog Conexão Brasília Maranhão, do caro Rogério Tomaz Jr., “o convite para a Marcha defende uma 'reforma prisional' porque 'somente no Brasil existe tanto benefício para quem está preso'”.
Eis uma contradição aí. E era de se esperar. Não se pode ser um agente político sem política, certo? Que o diga o prefeito Gilberto Kassab, cujo partido, segundo o próprio, não é nem de direita, nem de esquerda nem de centro. Aí, o máximo que dá para ser é um agente da politicagem. Mas política é uma palavra importante e nobre demais para se limitar a significar “as jogatinas, barganhas e negociatas que ocorrem nas mais altas instâncias do poder de um país”.
Proponho então aqui uma definição de partido: um grupo de pessoas que atuam, de maneira coordenada, em prol de um projeto de sociedade. Ora, um partido não é qualquer grupinho com um “P” na frente do nome. São pessoas, de qualquer tamanho, que militam em torno de um projeto de mundo. Nesse sentido, qualquer bandinho de skinheads neonazistas é mais “partido” que o PSD de Kassab (ou que praticamente todos os partidos que estão aí, ou alguém vê diferença de projeto de sociedade entre os diversos partidos da Câmara, por exemplo?).
E as pessoas terem a liberdade de se juntarem em torno de um projeto de sociedade é princípio fundamental de qualquer democracia e, mais ainda, as pessoas se juntarem em torno de ideias é pilar de sustentação de qualquer mobilização democrática. Senão a coisa fica monolítica, vira o pensamento único. E sempre que alguém se propõe a representar o pensamento “apartidário”, que quer “o bem de todos, sem esse jogo de interesse dos partidos”, está impondo seu próprio pensamento de maneira monolítica. Onde não se pode ter pluralidade de pensamento impera, consequentemente, o pensamento único.
Uma mobilização que impede, veta, desaconselha ou vê com maus olhos a participação de partidos políticos – e falo não só dos partidos reconhecidos pela lei, mas de todos os grupos organizados em torno de um projeto de sociedade – tem um fator antidemocrático brutal.
Imagem desvalorizada
Ainda assim, considero que a culpa dessa visão política problemática é, em grande parte, dos próprios partidos. É fato que a maioria das pessoas tem na cabeça a ideia de que partido são os “P-qualquercoisa” que participam das eleições. E claro, nem tem como se pensar muito diferente disso, quando os próprios partidos reforçam essa ideia e fazem, em 99,9% das vezes, cagada atrás de cagada. O próprio PT, que queria participar da tal marcha de alguma forma, foi um dos principais protagonistas de um dos eventos que levou a Marcha da Corrupção a ser um sucesso de público: a absolvição da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF).
Dos votos contrários à cassação de Jaqueline, uma boa parte veio do PT. Pois a defesa de Jaqueline usou o mesmo argumento de um monte de réus do chamado Mensalão que foram absolvidos, a de que ela fez merda sim, mas antes de ser deputada, então ela não pode ser julgada agora, mesmo que os fatos só tenham vindo a público depois de sua posse.
A grande maioria dos deputados sabia que, se Jaqueline fosse cassada, estaria aberto o precedente para que todo mundo que tem alguma sujeira de antes das eleições e, ao ter conquistado uma cadeira de parlamentar tenha conseguido se livrar, estaria de novo com o pescoço na guilhotina. Ou seja, a esmagadora maioria dos votos a favor da ainda deputada federal veio de deputados que votaram levando em conta exclusivamente seus interesses pessoais.
Jaqueline com o pai Joaquim: ele pode voltar a cena política |
A ideia é Roriz voltar ao seu berço político, se lançando candidato à Prefeitura de Luziânia, cidade goiana onde Joaquim começou sua carreira na política. Cheio da grana, Roriz parece ser poderadicto, pois só isso explica um cara com quase 80 anos não querer largar o osso do poder de jeito nenhum. Mas os chacais em sua volta pensam no cálculo de quanto ganham, em dinheiro e em capital político, com mais uma prefeitura.
Roriz e o PMDB do DF hoje são inimigos mortais.
Mas com o PMDB de GO, tudo bem. Vê-se logo que o PMDB é um partido, de fato, com um projeto claro e coeso de sociedade. Os tucanos do DF não querem Roriz em seu partido, pois a disputa interna por espaço já é uma briga de foice de proporções gigantescas. Mas parece que seus dirigentes preferem transformar Roriz no Michael Douglas do filme “Tudo por uma Prefeitura”.
O anúncio da candidatura de Roriz seria essa semana, mas teve de ser adiado: ainda não se sabe qual estúdio vai patrocinar a mais nova sequência da saga do Poderoso Chefão. Ele tem até 3 de outubro para mudar seu domicílio eleitoral e se filiar ao novo partido. Alguns ainda apostam que Roriz desista da empreitada, incentivado por sua família, que se preocupa com a saúde do velho coronel que, segundo o Correio Braziliense, hoje em dia, é obrigado a fazer diálise três vezes por semana e teria que fazer grandes sacrifícios para estar à frente de uma campanha eleitoral.
Por essas e outras, de PT, PMDB, PSDB, que a população tem na sua cabeça, de maneira generalizada, o conceito de partido político lá embaixo, na lama.
Rodrigo Mendes de Almeida, jornalista e editor de política, especial para o Nota de Rodapé
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