Só em fevereiro, 334 famílias acampadas na eternizada esquina da Ipiranga com a São João resistiram a desocupações, descaso, violência antes de serem transferidos para um abrigo no Bom Retiro
A Prefeitura de São Paulo – com apoio da Justiça Estadual e da Polícia Militar – segue na ação política de impedir a ocupação de imóveis abandonados no Centro da cidade. Além disso, promove sistematicamente a retirada de pessoas que lutam pelo direito constitucional de moradia em áreas já possuidoras de toda a infraestrutura de saúde, transporte e educação.
Em novembro de 2011, a linha de atuação emitia claros sinais de como seria o tom para 2012 . Dez edifícios ocupados por famílias ligadas a movimentos sociais, como o Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC) e Frente de Luta por Moradia (FLM) passaram por desocupações e reintegrações.
No mês de janeiro, depois da desocupação dos casarões e prédios usados como refúgio para usuários de crack, na chamada “Cracolãndia”, em ação classificada pelo Ministério Público como desastrosa, os imóveis vêm sendo “reintegrados”, ou seja, entregues aos “donos” para continuarem lacrados e sem uso.
A encruzilhada de fevereiro
A mais rumorosa das reintegrações de posse no Centro ocorreu no último dia 2 de fevereiro, em um prédio na célebre esquina das avenidas Ipiranga e São João. A medida levou 230 famílias a montarem acampamento nas proximidades do ponto eternizado pela música Sampa, de Caetano Veloso.
Sem poder usar a força para impedir que cerca de 120 crianças da ocupação ficassem na calçada com as mães, a PM e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) destruíram, ainda no dia 2, os abrigos de madeira improvisados.
No domingo, 5 de fevereiro, agentes da GCM usaram cassetetes, gás de pimenta e bombas de efeito moral para tentar, sem sucesso, dispersar os ativistas.
“Depois disso, o Ministério Público entrou com uma ação contra a GCM, o que nos deu um pouco mais de tranquilidade. Pudemos esticar essas lonas para proteção”, explica a coordenadora do MSTC, Jussamara Leonel Manuel. “Nós só queremos uma solução de moradia para essas pessoas, que não signifique a desintegração das famílias, mas, até agora, o poder público não ofereceu nada”, reforça.
Na noite de 9 de fevereiro, quinta-feira passada, o alvo da ação do poder público foi o antigo Hotel Pão de Açúcar, localizado na rua Conselheiro Nébias, 314, esquina com a rua Vitória. No edifício, sem uso há quase dez anos, segundo a ex-moradora Rita de Cássia Pereira, viviam 178 famílias, incluindo 78 idosos, 98 crianças e três pessoas com deficência física. Dessas, 55 foram para a Ipiranga com a São João.
Parte das famílias do Hotel Pão de Açúcar aderiu ao acampamento. Diferente dos primeiros ocupantes da calçada, os novos desabrigados conseguiram garantir – na negociação para a reintegração de posse, que ocorreu sem violência – o cadastramento em programas de moradia popular, o que não garante o futuro com casa digna.
“Passamos quase o dia todo nas filas para informar os documentos e número de familiares”, conta a ex-moradora do hotel, Rita de Cássia Pereira (imagem ao lado). “Mas, na verdade, não sabemos o que a Prefeitura vai fazer com esses dados porque não recebemos qualquer protocolo ou comprovante do cadastramento e nem informações sobre os projetos pra gente”, explica.
No último domingo, 12 de fevereiro, as 334 famílias que ocupavam as calçadas da esquina Ipiranga/São João foram removidas para um abrigo no Bom Retiro. Elas enfrentaram por dez dias o sol, a chuva o descaso e a violência, mas ainda não sabem se realmente terão solucionada a questão habitacional, como manda uma liminar da Justiça.
No novo abrigo, após um prazo inicial de 30 dias, o futuro continua provisório para as 334 famílias e também para centenas de outras em ocupações na mira da especulação imobiliária.
Texto e fotos: Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá, do Mediaquatro, especial para o Nota de Rodapé
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