Por exemplo, toda vez que a gente escreve curto, ou somos irreverentes com a semântica e a sintaxe, tem a ver com Oswald de Andrade (1890-1954). O bruxo-mor do modernismo escreveu o bem-humorado e bem pensado Manifesto Antropófago. Nele, a providencial advertência: "A alegria é a prova dos nove."
Toda vez que levamos a sério a pesquisa da arte popular, ou nos apaixonamos pelo café de São Paulo e o leite de Minas, ou somos generosos com jovens e velhos poetas, estamos evocando Mário de Andrade (1893-1945). É dele o Paulicéia Desvariada e o Macunaíma - herói sem nenhum caráter.
Sei que é raro, mas quando criamos frases encantadas, ou quando viramos crianças que escrevem bem, o anjo da guarda é Manuel Bandeira (1886-1968). O recifense do: "Teadoro, Teodora" e da Irene que não precisou pedir licença para entrar no céu.
Nos momentos em que nos tornamos seríssimos e, apesar disso, poetas. Ou no momento em que acreditamos ser possível transformar a vida com a força das palavras, o grande mestre é Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Aquele que bolou o slogan do modernismo: "Stop / a vida parou / ou foi o automóvel?"
Também quando juntamos militância com poesia, feminismo com boa prosa, irreverência com vida, a musa é Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962). Jornalista e autora do Parque Industrial - uma beleza de história, hoje caída no esquecimento mas que de repente pode ressurgir e encantar a moçada.
Não esquecer jamais dos herdeiros de 1922. Muito inspiradores, como os tropicalistas, os concretistas, os do Teatro Oficina. Lembrar sempre do herdeiro Paulo Leminski (1944-1989), poeta de alta grandeza. Sujeito que sintetizou com precisão o desafio da escrita atual: "Que a estátua do rigor e a estátua da liberdade velem por todos nós."
Apesar das nove décadas da Semana, e de suas personagens terem partido desse mundo, o espírito modernista segue nas ruas, nos grafites, nas redes sociais, em nós. Ele ressuscita toda vez que nos entediamos com os textos de terno e gravata, com a verborragia dos poderosos, com a pompa e circunstância da prosa oficial.
Post-Scriptum: Notem que há muitos Andrades entre os modernistas: Oswald, Mário, Carlos. Conto a vocês, sem me comparar, mas orgulhosa com isso, que também sou uma Andrade. Está na minha certidão de nascimento: Fernanda Andrade Pompeu.
fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, especial para o texto.
5 comentários:
Tenho que admitir que ando em uma fase meio "pouco tolerante" com celebrações desse tipo. Talvez porque ainda nenhum artista modernista tenha verdadeiramente entrado no meu coração. Ou então porque não sinta verdadeiramente nas estranhas a importância da Semana (sou de 1982). Lembro que, na época do ginásio (década de 90), tinha que destacar em seminário, feito papagaio, a importância da Semana (do contrário, era zero na prova - "Que aluno mais insolente"). Hoje tento exercitar, de forma um pouco vingativa (é verdade), uma visão que se constrói a partir da desconstrução (uma proposta meio Freiriana). Conhecer e sentir a importância de uma coisa, se possível até as víceras. Tentando, evidentemente, ficar alerta para não cair em um ceticismo ingênuo. Talvez toda essa reflexão seja herança dos modernistas e eu nem me dei conta disso. Eita!
Você faz honra mesmo a essa geração de luminosos!
Que belo passeio pelo século - 10... Daqui dez anos lembraremos ainda mais. Laços fora...
www.infinitomutante.blogspot.com
Gostei pra caramba do passeio !!! Você pode continuar ??? Sei lá ... conta pra gente mais dessa percepção ... dos dissidentes, dos divergentes, dos de Campos ... voe pro Rio Grande do Quintana, está gostoso ler esse texto.
Beijão jsavio
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