Aqui em Portugal, a imagem – que a Rede Globo ajudou a construir (melhor, destruir) – que se tem dos brasileiros é a de que não somos “gente séria”. As mulheres, em sua maioria, são putas, e os homens, promíscuos. Preferível que a filha tenha um tumor a um namorado brasileiro (porque o tumor, com alguma sorte, é benigno).
E do lado de lá (digo, daí), olha-se para os portugueses com a miopia que já tanto conhecemos: são ignorantes, burros, atrasados e passam o dia escutando fado e comendo bacalhau (para não falar das mulheres de bigode e dos donos de padaria chamados Joaquim e Manuel).
Desde que o primeiro português aportou na costa brasileira esse muro feito de desprezo e essa ignorância foi, com extrema eficiência, sendo construído (e de ambos os lados). E quando você se depara com alguém de 25 anos, que já não vive em uma aldeia, que tem acesso a informação e possibilidade de conhecer o mundo, e que reproduz o discurso de sempre, percebe que, 500 anos depois, nos comportamos ainda como se nunca tivéssemos nos conhecido (talvez porque, de fato, não nos conhecemos).
Hamilton de Holanda |
Falo de gente como Hamilton de Holanda, que na sexta-feira passada fez um show estrondoso aqui em Lisboa. Em mais de uma hora de música, e apenas meia dúzia de palavras. E não foi preciso mais. Chamou ao palco músicos portugueses, tocou canções de cá e de lá, e demonstrou que o remédio contra o preconceito é a arte.
Espero que o Brasil se permita conhecer figuras como a fadista Carminho e o fadista Camané, o poeta José Luis Peixoto e o escritor Valter Hugo Mãe, que seguramente ajudarão, com sua produção, a desconstruir essa barreira que nos separa. E espero que do lado de cá eles também joguem no lixo os rótulos e se abram para escutar-nos – e assim poderão apreciar coisas sublimes como o bandolim de Hamilton de Holanda.
Nota: sobre o tema, recomendo a leitura da "Carta Aberta ao Brasil" de José Luis Peixoto, e um texto que Miguel G. Mendes escreveu para O Globo.
Ricardo Viel, colunista do NR, escreve de Lisboa, Portugal
3 comentários:
Ricardo, concordo contigo em gênero, número e grau. Já está na hora de abandonar a velha roupa que não nos cabe mais e nos aventurar pelo mundo dos novos conceitos. Vamos nos permitir!
Concordo plenamente, sou portuguesa mas gosto muito de ouvir podcasts brasileiros, é maravilhoso existir um pais do outro lado do oceano que é tão populoso e que fala a mesma lingua. Porém, reparo nesse preconceito que existe contra Portugal, fico triste de constatar que jovens na faixa dos 20 e 30 continuam a mitigar esse tipo de comportamento, é realmente triste.
Me considero um luso-americano. Sou muito mais "português" do que "índio" ou "africano". Prezo a língua portuguesa que é o idioma da minha alma. As pessoas letradas de ambos países não devem se importar com estas questiúnculas. Estou informado de que entre franceses e belgas, estadunidenses e ingleses há , também, trocas de farpas. Não alimentemos essas bobagens. Se possível deveríamos unificar Brasil e Portugal em todos os âmbitos. Valfredo Novais
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