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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Incômodo animal

Houve um incêndio num apartamento. Não um apartamento qualquer, mas a casa de um grande colecionador de obras de arte, onde estavam objetos de valor incalculável, e muitos deles foram consumidos pelo fogo. Vi a notícia na televisão, junto com um rápido desabafo do proprietário, muito abalado com o acontecido. Não tanto pela sua coleção, como ele mesmo disse; muito mais pela morte do seu gato.

Esta ligação profunda entre humanos e alguns grupos de mamíferos quadrúpedes, especialmente cachorros e gatos, é coisa que vem de longe, milênios de convivência e adaptação mútua, durante os quais os bichos foram trazidos para dentro da casa e da vida das pessoas, estabelecendo uma convivência intensa. Os chavões em torno do assunto são mais do que surrados, mas nenhum como o que determina o cão como o melhor amigo do homem.

Não tenho uma ligação profunda com nenhum animal. Pelo contrário: durante toda a minha infância, eu tinha muito medo de bichos, independentemente do porte, temperamento ou incentivos para me aproximar. Aprendi a conviver com eles depois da chegada em casa de um cachorro que ganhamos de amigos. Mais recentemente, evoluí para uma relação de proximidade e afeto com os sucessivos gatos adotados pela minha filha, e não descarto a possibilidade de eventualmente escolher um bicho de estimação pra mim.

O que tem me chamado muito a atenção, nos últimos anos, é o que nós, humanos, fizemos e estamos fazendo com os outros animais, inclusive os “domésticos”. Uma coisa é domesticar, ou seja, trazer para dentro de casa e para a convivência cotidiana seres não humanos, e estabelecer com eles uma relação de amizade e parceira. Outra coisa é transformá-los em humanos – ou tentar fazê-lo. E é isto que anda me incomodando.

Um dia desses, vi uma notícia dessas bem malucas, sobre uma socialite de Nova York que havia dado uma grande festa pra comemorar o casamento de sua cadela. Festança mesmo, com vestido de noiva, véu e grinalda, bolo, champagne e tudo o mais. E a pobre bichinha lá, junto com o “noivo”, fazendo aquele papel ridículo.

Leio e ouço sobre gatos e cachorros obesos e deprimidos. Vejo cães enormes confinados em apartamentos, praticamente impedidos de andar, fazendo dieta especial, desenvolvendo artrite, artrose, neuroses, intolerância alimentar, frequentando dentista, terapeuta, massagista, academia e toda a parafernália que construímos para lidar com a vida insana que desenvolvemos para nós, especialmente nas grandes cidades.

Sem falar na infinidade de produtos como roupas, sapatos, brinquedos, adornos, xampus, cremes, guloseimas e o que mais se possa pensar, que inventamos e compramos, como se fosse pra nós mesmos. O nó da questão é que aquelas criaturas não são como nós.

Acolher os animais, tratá-los bem, cuidar da sua saúde e bem-estar “enquanto bicho” é uma coisa. Querer mudar a sua natureza é outra bem diferente e, na minha opinião, muito cruel. (Ao mesmo tempo, tem gente que adota animais apenas para maltratá-los e torturá-los, mas essa é uma outra história).

Enquanto brigamos pelo nosso direito de escolher e de viver a vida do jeito que quisermos, impomos aos animais com quem convivemos uma vida infernal. Nossa arrogância, mais uma vez, se sobrepõe ao que poderia ser – e em muitos casos, é – uma convivência harmoniosa, mutuamente gratificante e valiosa, ficando cada um no seu quadrado. Quem disse que o bicho quer ser gente? E quem disse que ser gente é bom pra ele?

Não sei como era no caso mencionado lá em cima, do gato morto no incêndio, mas espero que ele tenha tido uma boa vida de gato, apesar do fim trágico.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

6 comentários:

Carlos Augusto Medeiros disse...

Concordo plenamente. Recentemente, tenho visto com muita frequencia, "madames" indo a shopping com seus bichinhos dentro da bolsa. Imagino que os pequenos animais sofram para agradar seus donos, mas isto é sofrimento em demasia. Mas convenhamos..... são excelentes companheiros e por isso mesmo devem ser respeitados em suas diferenças. Obrigado pela reflexão. Bjs, Carlos.

Anônimo disse...

Cuidar de animais ? Nunca deu certo para mim. Gosto de gatos,especialmente da Frida,minha amiga que mia me "chamando" quando a visito. Mas é só. Quero-os livres em seu espaço animal e não dentro de bolsas de madames que tentam satisfazer seu ego enjaulando os coitadinhos.Aconselho essas ilustres damas a desenjaularem primeiro seu ego. Deixem os bichos viver vida de bicho. Cada um na sua.
Bjs da mummy Dircim

Anônimo disse...

Acho que o melhor lugar para comentarmos o tema desta semana é Pirenópolis, na presença das mais interessadas: Jolie e Sarah. Te esperamos! Bj, Olga

Anônimo disse...

Grande pedida, Olga! Vou adorar conhecer a opinião delas. Júnia.

Elezer Jr. disse...

Junia, parabéns pelo foco, bom senso e atualidade. Concordo em gênero, número, grau e espécie.

Anônimo disse...

Muito bom, Junia! Você manda bem! Estou adorando seus texteos. Beijos, Bia

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