Não faz muito tempo escrevi um texto sobre e agora já cá estou outra vez a aborrecê-los. É que fato corriqueiro acabou por remexer no porão das memórias e me obrigou novamente a debruçar sobre o assunto.
Nesta semana, no meio da bagunça, encontrei um livro de poesia que o amigo Ricardo Sangiovanni me deu. E naquele gesto quase automático, inocente, de abrir um livro e ler qualquer linha antes de deixa-lo novamente na estante, me encontrei com estes versos:
Algumas sinceridades
Em algum momentoO autor é o poeta soteropolitano Damário Dacruz e creio que o poema traz questão fundamental a ser pensada quando falamos da saudade. Nesse sentimento nostálgico relativo a momento, situação ou pessoal há também a nostalgia de nós próprios, de quem éramos naquela época na qual gostaríamos de voltar. Quando sentimos saudade de alguém sentimos saudade também (e sobretudo) de nós mesmos, mais especificamente da pessoa que éramos quando tínhamos ao lado essa que já não está mais.
sinto saudades de ti.
Desculpa…
a minha fala mais sincera
diz outra coisa.
Em algum momento
sinto saudades de mim
quando estava por acaso.
O que disse João Cabral de Melo Neto em relação ao amor também se aplica à saudade: não há guarda-chuva contra esse “mal”. Estamos condenados – e cada vez mais, porque pelo caminho vamos conhecendo gente, e lugares, e experiências – a sentir saudade de nós, daquele que um dia fomos, aquele que sonhava, que acreditava, que fazia planos e que se entregava.
Mario Benedetti escreveu que no final da vida chega a sabedoria e com ela a certeza de que o mundo, no final das contas, é “nos seus melhores momentos uma nostalgia e nos piores momentos um desamparo.”
Enfim, há que acostumar-se com a ideia, e nem adianta buscar proteção: não há guarda-chuva contra a saudade.
Ricardo Viel, jornalista, escreve às segundas direto de Salamanca, Espanha
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