.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Finalmente, Itália!


por Júnia Puglia   ilustração Fernando Vianna*

Quando comento ser esta a minha primeira visita à Itália, minha amiga e hospedeira em Milão pergunta: você vai ao seu lugar de origem? Digo que não, e ela fica visivelmente decepcionada. Como assim? Qual o nome do lugar? Onde fica? Consultando minhas anotações, encontro o nome, que me foi passado por meu irmão há poucos dias. Fica bem longe daqui, muito mais ao sul. E o meu desapego aos detalhes da história familiar pode ser chocante mesmo.

Uma grande família com nome tipicamente italiano, passional e dramática como deve ser. Desembarcados em Santos no final do século 19, fixaram-se no interior de São Paulo urbano e, misteriosamente, se tornaram protestantes. A memória ancestral, incluindo referências básicas, perdeu-se rapidamente entre imigrantes rudes, que precisavam garantir a sobrevivência. Os relatos orais, tão importantes para a manutenção da memória familiar, foram poucos e inespecíficos, até onde consigo me lembrar.

Mas lembro dos sábados na casa de Franca, cheia de gente que falava alto, brigava e chorava à toa, e onde as mulheres passavam o dia todo na cozinha, preparando montes de comida, que era consumida imediatamente, à medida que as travessas iam sendo colocadas sobre a grande mesa de madeira. Comilanças intermináveis, com cheiros e sabores para mim sempre deliciosos.

A escassez de informações tem a vantagem de abrir espaço para a fantasia. Não sei dizer como começou, mas a partir de um certo momento, passei a imaginar alguém batendo à porta, ou chamando por telefone, para comunicar que eu era herdeira de uma fortuna em dinheiro e bens, e que precisava viajar à Itália para tomar posse do que me havia sido legado por algum parente que tivesse conseguido escapar da pobreza. Para ser uma fantasia completa, eu seria a única herdeira. Ou que algum mafioso tivesse se compadecido de ter eliminado a família toda que sobrou por lá e decidira procurar no Brasil alguma descendente que gostasse de viajar e escrever, para lhe deixar uma boa parte da grana dos cassinos e bingos, ou talvez alguma funerária de fachada. Até hoje, nada. Mas, se non è vero, seria ben trovato.

Desde que cheguei aqui, não me sai da cabeça uma canção gravada por Gigliola Cinquetti, que foi um hit quando eu tinha uns doze anos, “Non ho l’età”, “não tenho idade para te amar, para sair sozinha com você...”, do filme “Dio, comme ti amo!”, esta também uma canção que fez um enorme sucesso à época em que a música italiana tocava muito no rádio. O filme contava a eterna história da mocinha pobre e ingênua, apaixonada pelo filho playboy do patrão milionário. Açucarou-me alguma tarde de domingo encantada. Mas, pelo que vejo in loco, não faltam galãs de cinema entre os taxistas, garçons e carabinieri.

Decidi ver apenas pequenas amostras desta vez. Cinco dias entre Milão e Verona, sem coragem de encarar Veneza sozinha. Na primeira, fiquei tão impactada com passeios a pé pelo miolo da cidade e com as visitas a uma pinacoteca, um museu e duas igrejas, que gastei nisto todo o tempo que tinha ali. Perguntei-me muitas vezes o que teria sido da arte ocidental sem o catolicismo, e vice-versa.

Em Verona, bela cidade totalmente entregue ao magnetismo do mito de Romeu e Julieta, a lua cheia sobre a arena romana só confirma que o amor é lindo mesmo, apesar das hordas de chineses, russos e brasileiros que ocupam todo o espaço.

A visita às raízes propriamente ditas não foi dessa vez, mas promete. Exige preparo emocional, disposição e dedicação. Ou nada disso. Desembarcar lá e pronto. Veremos.

* * * * *

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

6 comentários:

Anônimo disse...

Oh! LA BELLA ITALIA! Mamma mia !Que comentario precioso para esquentar a alma,e derreter a saudade. Pena que o passado nao venha me visitar.
Obrigada, Junia, por essas recordacoes guardadas no bau dos sentimentos.
Mummy Dircim

Anônimo disse...

O casamento entre a realidade e a fantasia deu um bom fruto: um texto interessante, jocoso, permeado de gostosas lembranças. Adorei, Ju.
Terê

Anônimo disse...

Ju, mais uma vez, vc me proporcionou uma viagem... Adorei! Tâ

Anônimo disse...

Ahhh. la Famiglia!! A herança de ficar sempre em volta da mesa, falando, comendo, gesticulando, tudo e todos ao mesmo tempo e como por magia se entendendo! :)
Baccione
Ana Karina

Pastora Leila Müzel dos Santos disse...

Parabéns e obrigada Junia por nos brindar com mais uma bela viagem no túnel do tempo! Doces lembranças trazem consigo sentimentos deliciosos de um tempo que parece não voltar... Só parece, pois voltam enriquecidas pela nostalgia misturada à alegria de termos experimentado situações que de alguma forma moldaram o nosso jeito especial de ser! beijos pra ti e pra Mummy.

Anônimo disse...

Amei!Maravilhoso texto e mesmo uma viagem ao passado ! Esperarei ansiosamente sua volta a cidade italiana de onde vem seus antepassados!!! obrigada

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics