por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna*
Sou bem desentendida dessas coisas. Na condição de psicanalisada, suponho ser porque, quando eu tinha uns seis anos e a mãe de uma colega do jardim de infância me maquiou a caráter para a festa junina da escola, a minha própria mãe quase desmaiou ao me ver toda pintada. Maquiagem não era coisa de criança, ponto final. Mal estava autorizada para mulheres adultas, dentro do nosso mundo evangélico puritano. Eu, que já tinha uma penca de dificuldades com a tal feminilidade do pacote pronto, apaguei do meu radar qualquer possibilidade. Já na casa dos vinte, eu passava muito longe dos pós, sombras, lápis e delineadores, e dos esmaltes de unha também.
Casei-me pouco antes dos trinta. Se há um momento de fulgurância obrigatória na vida das mulheres, é o do casamento. Lá fui eu ser maquiada por um profissional, me achei linda, casei, lavei tudo bem lavadinho e segui em frente. Um dia, não sei quando nem como, me encantei por ele, e só por ele: o batom vermelho. Ficamos inseparáveis. Tempos depois, agreguei um lilás, outro cor de chocolate, rosa-choque, todos bem marcados, mas nenhum como ele, o único item de pintura que se infiltrou de vez na minha vida.
Quando minha filha, já adolescente, quis se maquiar pra uma festa, fui salva pela amiga perua, que veio toda equipada acudir a filha alheia. Solidariedade feminina inclui essas coisas. Depois, ela aprendeu muito bem a realçar seus traços fortes e definidos com linhas, cores e efeitos que me deixam de boca aberta. Acho até que já perdoou a mãe por mais esta incompetência.
Sem ele, sinto-me nua, imprópria para circular em público. O batom vermelho. Faz milagres. Cura casos leves de depressão, sacode autoestimas pisoteadas, eleva uma roupinha de feira a níveis impensáveis de exotismo e elegância. E, o mais importante, faz o espelho me mostrar uma imagem bem mais interessante que aquela falta de graça que refletia no passado, antes que eu descobrisse a mágica da boca rubra.
Batons vermelhos variam bastante em tons, consistências e preços. Tolice gastar muito dinheiro com isso, o baratinho cumpre bem o seu papel. O campeão dos campeões, na minha opinião, é um tal “vermelho russo”, denominação que certamente provoca abalos cotidianos nas tumbas de lênins e stálins. Acredite-me, camarada. Um batom vermelho russo não tem concorrentes na tarefa de colorir uns lábios cuja linha já está se diluindo no solvente do tempo, sobre uma pele deficiente de melanina. Um autêntico herói revolucionário.
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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.
4 comentários:
Batom, cremes, esmaltes ,mil produtos de maquiagem continuam tendo cada vez mais importância no embelezamento da mulherada.Mas naquela época.....
Será que a "mummy incompetente" já foi devidamente perdoada "?
Kisses from Dircim
Esse texto é a sua cara, Ju. Claro, que de boca bem colorida. Não consigo imaginá-la de lábios desbotados...
Você me divertiu muito. AMEI!
Ah, e esse Fernando é um danado, mesmo.
Terê
Ah, e esse Fernando é o máximo.
Acho mais provável que lenins e stalins estejam morrendo de rir. Quebra total da sisudez característica das figuras. Diante do seu texto e da ilustração tão inspirada, só posso pensar que caiu tão bem neles quanto em você!!! Bjs. Olga Ronchi
Quando jovem nunca pensei em usar nem mesmo um creme; mas, após a fase de criar a prole, com mais tempo para mim, passei a adorar maquiagem e, apesar de não usar sempre (só quando saio à noite, o que é muitíssimo raro, e se for fim de semana!), sou capaz de perder horas em boas lojas do ramo, encantando-me com os produtos, as cores... Assim mesmo, nunca pensei em usar um batom vermelho até conhecer você!!! Aliás, naquele tempo em que a conheci, você me perguntava porque eu não usava nem mesmo um batom... Pois é, agora eu uso, imitando sua alteza - KKKK! Mas em ninguém fica tão bem quanto em você, vocês fazem um par perfeito. Beijão, FF
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