por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna*
Fila de supermercado é um ótimo lugar para, como se diz, tomar a temperatura dos sentimentos coletivos. Logo antes do jogo danado da última terça-feira, fui comprar uns acepipes para a comilança que faz parte do ato de torcer na frente da televisão. Mercado lotado, naquele clima de fim de mundo dos lugares onde se vendem comes e bebes em pré-jogo do Brasil. A fila do caixa era grandinha e, bem atrás de mim, duas mulheres engrenaram um papo animado, como velhas conhecidas que acabavam de se conhecer.
Começaram falando das nêsperas, caríssimas, que “quando eu era criança, lá na roça, a gente chamava de ameixa” (aliás, digo eu, como a tilápia, hoje cultivada em fazendas industriais, rebatizada de “Saint Peter” e cobrada em libras). Na frase seguinte, já estavam excomungando o governo e vaticinando um quebra-quebra de proporções apocalípticas em caso de derrota no jogo contra a Alemanha. Uma delas decretou que “já estamos quebrados, somos uma Venezuela, só não vê quem não quer” e por aí foi uma longa enfiada de asneiras no mesmo tom. Várias pessoas assentiram. Eu calada, olhando para o nada, detesto entrar nesse tipo de conversa.
Que chegou à Argentina. Aí mais gente se animou a expressar seu desejo profundo de que nossos vizinhos fossem derrotados pela Holanda, pois ninguém aqui vai torcer pra eles, né? E eu com cara de paisagem. Hummmm, eu vou sim torcer pra Argentina, inclusive porque não tenho nenhuma razão para fazer o contrário. Minha torcida funcionou, pelo menos neste caso.
Então, senhoras e senhores. Não vou sair por aí defendendo ou atacando o atual governo. Vejo nele virtudes e pecados, que são para conversas em casa ou com amigos. É o meu jeito. Mas dizer que já somos uma Venezuela, me dá vontade de rir. O que sei sobre o vizinho bolivariano do norte é o que nos chega através da imprensa, que sempre deve ser tomado com cautela, mas me parece que passa beeem longe da nossa realidade, atual ou futura.
Já a situação da Argentina, sinto no coração. Enquanto seus craques avançam na Copa, com uma torcida tão apaixonada quanto a nossa, os hermanos tentam com unhas e dentes renegociar partes da dívida contraída com os tais fundos “abutres”, que, como diz o lindo nome, não estão aí para fazer graça, mas para se fartar da carniça de países encalacrados. Se não conseguirem, vai ser uma quebradeira de verdade. Sem entrar nos detalhes, alheios à minha competência, constato, mais uma vez, que os mecanismos de empréstimos internacionais, especialmente os de origem nos fundos privados, são feitos para destruir seus credores, jamais para construir.
Como os agiotas que atuam nas periferias das grandes cidades. Cada grupo de oito ou dez famílias tem o seu, geralmente o dono ou dona do lote onde moram, que lhes empresta folhas de cheque ou o cartão de crédito para compras de roupas, eletrodomésticos, ou algum outro gasto maior, e cobra juros indecentes de vizinhos que vivem na corda bamba. Qualquer semelhança com os fundos abutres é mais do que mera coincidência.
Aguentei firme a cara de paisagem. Felizmente, chegou a minha vez, passei as compras e me livrei das matracas que já vivem na Venezuela lá delas.
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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com
2 comentários:
Fila ! Que coisa divertida ! É só prestar atenção,se não tiver o desprazer de fazer parte de uma. Pode ser em qualquer lugar :banco, ônibus,aeroporto.É
espelho fiel do que vai na cabeça do povo. Se for bom analista, vc vai tirar conclusões sobre todos os problemas do país e.....o mais importante : vai
poder resolvê-los de acordo com a sabedoria popular.Aí todas as causas estarão "solucionadas" e seus ouvidos estarão agradecidos pelas sugestões gratuitas .
Bjs da Mummy Dircim
Puxa, ainda bem que resolveu ficar com cara de paisagem! Caso contrário, as donas do supermercado e suas vizinhanças é que iriam fazer uma! KKKKKK
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