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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

As patinadoras


por Ricardo Sangiovanni*

Já ia dando a meia-noite, e a moça do caixa do supermercado não conseguia de jeito nenhum fazer passarem pelo leitor de códigos de barras os dois últimos produtos de minha cesta de compras. "Agora ela vai chamar a patinadora para trocá-los", torci infantilmente.

Torci inutilmente: pois há anos já que não se ouvem mais nos supermercados daqui o tilintar das rodinhas presas às pernas compridas daquelas mocinhas; nem se lhes vê mais o movimento gracioso dos braços e mãos ao deslizar, cujo charme guardo em minha recordação de menino.

Lamento, mas, na falta das patinadoras, perde o leitor dominical. Duplamente. Primeiro, porque faltará, ao cronista mundano que porventura eleja por tema "o supermercado", matéria poética para preencher o espaço da crônica.

Segundo porque, na falta do quelque chose das meninas, o mesmo cronista terá de preencher o mesmo espaço com algum outro e mais aborrecido assunto.

Pois bem: sem as patinadoras, perde o mundo em geral, em beleza; e os supermercados em particular, em presteza. (No caso, em vez da patinadora, a moça do caixa gritou, com cansaço ou ódio talvez na voz, um barrigudo "Luís", que levou uma eternidade para retornar com os produtos trocados).

E sem beleza nem presteza, o cidadão comum se irrita, e atenta mais facilmente para o fato de que não está ali plantado naquele diabo de supermercado por gosto, senão por melancólica necessidade. Emerge-lhe cristalina a convicção de que não há lugar mais insalubre para se estar à quase-meia-noite do que um supermercado, com seus víveres de duvidosa qualidade, suas filas abomináveis.

E por falar em fila, o cidadão comum, quando ocorre de ele ser também o cronista, aproveita para denunciar que grandes supermercados desta cidade estão ignominiosamente acabando com suas demoradíssimas filas únicas para compras de poucos volumes - atendidas por dois ou três parcos caixas -, substituindo-as por duas ou três demoradíssimas filas menores - em frente aos mesmos dois ou três malditos parcos caixas!

E assim termina a crônica, que era para ser leve, mas, por culpa dos supermercados, virou essa maçada. Já que nos tiraram a beleza das patinadoras, ao menos, pela presteza, botem mais caixas, seus sovinas.

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Ricardo Sangiovanni, jornalista, coordena o blog O Purgatório e mantém no NR a coluna Mistério do Planeta. Escreve de Salvador. Arte de Cínthya Verri

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