As habilidades comunicacionais do candidato Aécio Neves constituem areia movediça que traga muitos desavisados. O discurso é escorregadio e generalista, alicerçado no apelo fácil à panaceia do governo de integração nacional, aquele que serviu a Juscelino, a Tancredo, a Sarney, a Collor e a Itamar. O que elimina os conflitos e se apresenta como salvador da pátria, pacificador e unificador.
"Ninguém é dono desse Brasil", ele apregoa, na tentativa de mobilizar o telespectador para suas fileiras. "Precisamos de gente séria, honrada... Eu vou fundar a nova escola brasileira!" Aécio procura frases de efeito e agrega assuntos desconexos - o que o Brasil precisa e o que ele, o salvador da pátria pretende fazer. É o discurso apelativo do macho-dono-da-verdade.
Aécio começa sempre como bom moço, professoral, paladino da justiça, dos bons costumes, da moral, da ética. Veste a mesma roupagem dos bem-nascidos como ele. À medida que o debate esquenta e aparecem as evidências da compra de votos para aprovar a reeleição de FHC, da privataria tucana, do desvio de dinheiro público nas obras do metrô e trens de São Paulo, do nepotismo no governo mineiro, cai a pele de cordeiro e emergem os olhos sagazes e o pelo lustroso de velha raposa.
A todas as acusações, às provas incontestes, devidamente arquivadas, Aécio chama de mentiras e responde simplesmente que, "se as pessoas estão soltas é porque não foram condenadas". Ele omite o quanto e como sua trupe operou para que as pessoas de seu partido, o PSDB, e outras sob sua proteção e mando não fossem investigadas.
"A senhora prevaricou!" Ele grita para a Presidenta Dilma Rousseff, lançando mão de palavra técnica que, no imaginário popular recebeu conotação sexual, sabe-se lá porque cargas d'água. Logo, aquele público pouco escolarizado que o assiste, chamado por FHC de ignorante, pode imaginar, a partir da acusação de Aécio, que a acusada está envolvida em temas sexuais duvidosos. A escolha da palavra não é mera tecnicalidade, ele sabe onde quer chegar e que ponto do eleitorado, principalmente do setor machista, quer atingir.
Aécio mente, des-ca-ra-da-men-te e, assim como acabei de fazer no texto escrito, com o objetivo de chamar a atenção dos leitores que me acompanham, separa as palavras em sílabas, enquanto fala, para chamar a atenção de seus ouvintes. É um recurso que funciona muitas vezes, embora ele o utilize em demasia, tornando-o enfadonho.
Seu discurso está alicerçado em bravatas. Ele assegura, por exemplo, que o PT votou contra a redemocratização do país. Na verdade, refere-se à debandada de Tancredo e seus seguidores para a eleição no Colégio Eleitoral, enquanto o PT se manteve firme, partidário das eleições diretas. Lembro-me do último comício pelas Diretas em MG, na praça Rio Branco (praça da rodoviária) em Belo Horizonte, quando, para frustração geral da audiência, lá, no último comício pelas Diretas, ouvimos Tancredo anunciar a inexorabilidade da eleição no Colégio Eleitoral. Depois, foi só acompanhar pelos jornais a campanha e articulação do PMDB pela eleição de Tancredo.
Aécio mente ao dizer que Lula e Dilma foram contra a construção de escolas técnicas no Brasil, é só observar os números: no governo Sarney foram construídas treze escolas técnicas; no governo Collor, três; no governo Itamar, vinte e sete; no governo FHC, onze; no governo Lula (em 8 anos), 355, isso mesmo, trezentas e cinquenta e cinco; por fim, no governo Dilma, 208, isso mesmo, duzentas e oito. Mas, o netinho do vovô acha que ao manipular a palavra pode fazer o mesmo com os dados e com a opinião pública. Ledo engano! Rude ilusão.
Dois assuntos o tiram do sério, além dos questionamentos a seus desmandos administrativos e política de compadrio, as drogas (lícitas e ilícitas) e a boataria de que é usuário, bem como os aeroportos construídos com dinheiro público em fazendas de familiares seus, localizadas em pequenas cidades do interior de Minas e suspeitos (os aeroportos) de fazerem parte de uma rota internacional de tráfico de drogas. O transtorno obsessivo arrebenta seus nervos, ferida, a velha raposa ataca. Curiosa é a forma do ataque-defesa: "a senhora (dirigindo-se à Presidenta Dilma) está desrespeitando Minas Gerais com as mentiras acharcadas nas redes anonimamente. A senhora tem permitido ao Brasil ver o mais baixo nível de campanha presidencial." Do que falávamos mesmo? Conversávamos sobre o uso de drogas lícitas e ilícitas, sobre a construção de aeroportos privados com dinheiro público levada a cabo por um indivíduo, por acaso, mineiro, candidato à Presidência da República! O que isso tem a ver com Minas Gerais? Por que devemos nos submeter ao hábito despótico de um adolescente mimado de substituir parte, ou seja, um mineiro no exercício da função pública, acusado de corrupção, nepotismo, má administração, desmandos e censura à imprensa, entre outras acusações, pelo todo, o estado de Minas Gerais?
Aecim não responde, ele está acima da necessidade de respostas e justificativas, seu todo-poder não comporta explicações. Ele continua a performance arrogante: "quando vou à sua cidade, Porto Alegre, quando vou à minha Belo Horizonte...", determina a cidade de Dilma no sul do país, buscando afastá-la do Curral Del Rey, a Belo Horizonte de nascimento de Dilma. É sabido que a Presidenta saiu de lá para viver na clandestinidade, perseguida pela ditadura civil-militar que Aécio chama significativamente de "revolução", como de resto, toda a direita. É Aécio, o mineiro-mor, o mais mineiro dos mineiros, o dono da sesmaria, que se arvora a outorgar (ou não) o atestado de pertencimento político ou afetivo a Minas Gerais. Mais adequado seria que Aécio dissesse "o meu Rio de Janeiro", cidade-base de onde governava Minas.
Ele não desiste, é teimoso, quer vencer a interlocutora e a audiência pelo cansaço, pela repetição de uma ideia à exaustão: "vamos deixar os mineiros em paz, candidata (referindo-se às admoestações que Dilma impinge a ele, um reles mineiro, que se acha "o mineiro"). Os mineiros sabem o que fazem. Vamos discutir o Brasil, Candidata"... Minas Gerais e seus políticos, como rebentos e netos da política de cabresto estariam acima do Brasil e de qualquer inquirição. Aecim inventou o planeta-Minas, ou não, talvez ele trate apenas de galvanizar o tal sentimento de mineiridade, conclamando os cidadãos (já que ele só enxerga as mulheres de maneira subalternizada) a posturas xenófobas contra Dilma, uma "de dentro" que ele, o todo-poderoso, alcunha como alguém "de fora". Incansável no objetivo de convencer os ouvintes de uma ideia (característica fundamental dos que dominam a oratória), Aecim lança mão da ironia mordaz e pode desconsertar um interlocutor que não goze do mesmo jogo de cintura: "quem ligar a televisão desavisadamente vai achar que a senhora quer disputar o governo de Minas ou a prefeitura de Belo Horizonte. Talvez a senhora queira, desempregada a partir de primeiro de janeiro, ser candidata ao governo de Minas, aí a senhora terá tempo para discutir Minas Gerais." Enquanto isso, deixe meu curral em paz.
Quando confrontado com função de censora da imprensa mineira atribuída à sua irmã, durante todo o governo, pressionando jornalistas, jornais e revistas, para que não criticassem o governador, tampouco expusessem os bastidores dos negócios de governo, Aécio utiliza outras frases de efeito para tentar jogar a audiência contra sua oponente: " a senhora está mentindo para o Brasil! Minha irmã Andréa, de quem tenho muito orgulho (vejam como ele é um maninho amoroso), assumiu o cargo de voluntariado, cargo que as esposas dos governantes geralmente ocupam." É uma frase carregada de sentidos. Tem-se a informação de domínio público que Aécio vivia agitada vida de solteiro, que, durante a posse, como governador, foi acompanhado pela filha, então adolescente. Por que? Porque exercia o sagrado direito concedido aos homens heterossexuais de viver sua sexualidade em plenitude com diferentes mulheres, mas, na hora das coisas sérias, convoque-se a filha, convoque-se a família, o lado A dos "homens de bem." Não esqueçamos do componente de comiseração que um homem solteiro provoca, pois, coitadinho, não tem uma mulher para cuidar dele. Sorte de Aécio que tem a irmã, uma super cuidadora. Mas, o mais capcioso da frase explicativa dirigida à Presidenta é deixar subentendido que: 1 - função de mulher é ser primeira dama; 2 - a irmã dele exerce uma função típica de mulher, ao contrário da Presidenta que exerce uma função destinada aos homens, destinada a Aécios.
Em tom laudatório, professoral e pretensamente definitivo, Aecim se recompõe: "vamos tentar novamente falar de futuro em homenagem e respeito ao telespectador que nos ouve agora. Vamos elevar o nível do debate, candidata". Então, na primeira de três vezes que se seguirão, Aecim dirige-se aos motoristas de automóveis que provavelmente estão ouvindo o debate presidencial que ocorre às seis da tarde pelo rádio do carro. Para ele, inexiste a maioria dos trabalhadores brasileiros e da população que naquele momento está apertada no transporte público, nos trens, ônibus, metrôs. Essas pessoas, nos governos Lula e Dilma puderam comprar celulares de última geração, tablets, smartphones e usam esses aparelhos enquanto se deslocam para casa e para o trabalho. Mas, ele não as menciona porque elas não existem para o PSDB, são apenas votos, logo, não são lembradas, tampouco citadas de maneira natural, como os usuários de carros, helicópteros, jatinhos e aeroportos privados.
Outra vez, perguntado sobre a Lei Seca criada em 2012 para coibir a circulação de motoristas embriagados ou sob efeito de drogas, Aécio se desequilibra. Para quem não sabe, ele foi parado em blitz da Lei Seca no Rio de Janeiro e recusou-se a fazer o teste do bafômetro. A resposta dada tenta inverter o vetor da acusação: "candidata, tenha a coragem de fazer a pergunta direta, a senhora traz para esse debate, talvez pelo desespero, um tema que tem que ser colocado com absoluta clareza..." Só no planeta de Aécio, provavelmente, alguém que esteja "desesperado" tem racionalidade para propor temas que devem "ser discutidos com absoluta clareza." Esse tipo de prática é, ao contrário, de quem tem lucidez, de quem pensa e não tem os neurônios comprometidos por essa ou aquela substância química. Aecim continua: "eu tive um episódio em que parei numa Lei Seca porque minha carteira estava vencida e ali, naquele momento, inadvertidamente não fiz o exame, me desculpei, me arrependi disso. A senhora não se arrepende de nada que fez em seu governo, diz enfático, é importante que nós olhemos pra frente, vamos falar do Brasil, vamos falar de coisas sérias, não é possível que a senhora abaixe tanto a campanha. Quando a senhora ofende a mim e a minha família, ofende todos os brasileiros que querem mudança."
Aécio tenta conquistar a empatia do eleitor fazendo-se de frágil e flexível na esfera pessoal, vejam, ele erra, é humano, pede desculpas, ainda mais, arrepende-se dos erros cometidos. O arrependimento é artifício cristão pescado para evidenciar suposta pequeneza humana e mobilizar os corações fraternos e solidários. E Dilma, ao contrário, seria irascível, implacável, características masculinas detidas por ela, mulher fora do lugar que ocupa um lugar de homem, lugar de Aécio. Ela não se arrepende de nada feito em seu governo. Mas, desde quando a arena política é lugar religioso de arrependimento? O campo da ação política é espaço de compromissos e responsabilidades, de assumir acertos e erros. Falávamos da vida pessoal de Aécio, de suas infrações de trânsito, de sua negativa para fazer o teste do bafômetro e, em resposta, ele saca da cartola uma associação religiosa de não-arrependimento por supostos erros no jeito de governar da adversária. Depois da estratégia deliberada de confundir o eleitor, o candidato pede que falem de "coisas sérias." É provável que ele ache que flagrá-lo numa blitz da Lei Seca não é coisa séria, pois ele pode tudo como Thor Batista e outros meninos mimados país afora.
Está errado, menino mimado! O feminismo nos ensinou que o pessoal é político. Que os homens "de bem”, como o professor uspiano que no início dos anos 80 espancava a mulher em casa e depois seguia lépido para a filosofança na maior universidade da América Latina, como Dado Dolabella, como políticos diversos, não podem agredir mulheres, torturá-las e matá-las, como fez Pimenta Neves, como se isso fosse normal e aceitável, porque são homens brancos e detentores de prestígio social, seja pelo dinheiro, pela intelectualidade ou pela exposição na mídia (produção da mídia), para além da brancura. O feminismo e a coragem das mulheres que denunciaram nos ensinaram isso.
Algum assessor precisa avisar a Aécio que, caso tivesse tido comportamento decente diante do mal estar de Dilma, pós debate no SBT, ao invés de ironizar sua fragilidade física temporária, teria conquistado votos e boa vontade de indecisos para sua candidatura. O problema é que essa performance ele não treinou, tampouco tem elementos para executá-la, buscados de algum reservatório perdido de valores humanos. Ele é apenas uma velha raposa, pronta a destroçar a presa se ela titubeia.
Mas, nós, mulheres, sabemos o lugar onde homens como Aécio querem nos colocar ao nos dar ordens, ao nos chamar de levianas, ao empinar o dedo mandão enquanto falam conosco. O machismo, o racismo e a homofobia apoiam Aécio, estão a seu lado: Olavo de Carvalho, Malafaia, Lobão, Feliciano, Alexandre Frota, Dado Dolabella, Bolsonaro, Pastor Everaldo, Fidélix, Carlinhos Cachoeira, Aloysio Nunes, abençoados por Marina e estranhamente referendados por Luís Mott. Às mulheres, à exceção de Sandra de Sá, ele não engana. Ou não, já que “vale tudo, só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher, o resto, tudo vale!” Contudo, em que pesem os mistérios humanos, as contradições, oportunismos, síndrome do escravizado e idiossincrasias, perdeu, playboy! Perdeu!
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escritora, Cidinha da Silva mantém a coluna semanal Dublê de Ogum.
Um comentário:
Sambou na cara dos Neves!
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