A reeleição do governador Geraldo Alckmin, a eleição do senador José Serra, a expressiva votação de Aécio Neves e Marina Silva no último domingo, o número de votos obtidos pelos deputados Russomano e Feliciano (a lista desse apagão anti-humanista é extensa e enfadonha), embora confirmem o ‘exercício da democracia’, confirmam também que o estado de São Paulo se torna de fato o representante legítimo da vanguarda do atraso brasileiro.
Uma espécie de ‘volume morto’ do conservadorismo onde, na falta de ideias progressistas na superfície, o país pode se abastecer no subsolo da mediocridade. No esgoto da intolerância e do preconceito. As declarações do imortal sociólogo carioca após a apuração de votos apontam nesta triste direção.
Paira sobre São Paulo o ectoplasma de 1932 quando naquele ano se tentou resistir ao avanço industrializante da Revolução de 1930 sob as bombachas de Getúlio Vargas. Personagem que deveria ser esquecido pelos brasileiros na opinião do mesmo imortal sociólogo acima lembrado.
Ectoplasma que sempre se manifesta, aliás, quando o país toma rumos que desagradam àquilo que se convencionou chamar de elite brasileira: homens, mulheres e instituições que vivem sob o guarda chuva de um capitalismo também ele atrasado em muitos de seus aspectos, quando ainda se pode – invocando perverso exemplo – encontrar o trabalho escravo em fazendas ou empresas espalhadas pelo país.
Ou quando se manifestam aqui e ali algumas idéias econômicas e suas contrapartidas sociais eivadas de um rançoso dejà vu, cuja insistência na prática de seus fundamentos tem deixado várias das principais economias mundiais em apuros significativos.
Há que insistir e alertar as novas gerações, ao pessoal do “é muito mais que vinte centavos”, à desorganizada “voz das ruas que é contra tudo o que está aí” que sem consciência política e conhecimento histórico, a direita come o mingau pela beirada. Ou tenta fazê-lo… Dentro ou fora da lei, é bom que não se esqueça esse importante pormenor, nessa caminhada para o segundo turno. Pior ainda quando a extrema direita arreganha os dentes…
A manipulação e as mentiras da imprensa foram de tal ordem nos últimos anos que até a esquerda, ou parte dela pelo menos, encheu-se de dúvidas sobre si mesma não sabendo se apoiava ou criticava o governo.
Muitos, inclusive, caíram na rede do “mensalão” e aderiram ao coro cotidiano da direita insuflado pela mídia e de um judiciário irresponsável, que criou um cordão de isolamento entre os desmandos, a impunidade e a verdadeira corrupção praticada há quinhentos anos em nosso país, sobretudo nos recentes governos tucanos, hipocrisia essa que ajudou a difundir a mística de que a política está dividida entre os honestos e os desonestos. Qualquer coisa minimamente semelhante a céu e inferno… Cinismo, má fé e pobreza intelectual a um só tempo.
Foi assim com Getúlio Vargas, com Juscelino em 1955 (ocasião em que um general de exército nacionalista deu um basta nos golpistas de direita que tentaram impedir a posse de Juscelino), com João Goulart. E tem sido assim com Lula e Dilma há doze anos.
Em todos esses momentos de crises e definições como agora com as eleições presidenciais, São Paulo colocou-se ao lado do mais nefasto reacionarismo, contribuindo com seu peso econômico para comprar, por conta própria ou com ajuda internacional, a lei e a ordem.
Estão aí as gordas verbas publicitárias, sobretudo de empresas transnacionais e dos governos federal, estadual e municipal, a fazer a alegria de jornalões, revistões e televisões para mais uma vez comprovar a tese. Sem contar com a presença de algumas ONGs espalhadas pelo país que não se sabe muito bem o que fazem e de onde recebem dinheiro para atuar em solo brasileiro. E contra os brasileiros.
Contudo, a obsessão costuma ser inimiga do discernimento e a mentira costuma se transformar em mãe de crises políticas e sociais profundas. A História está repleta de exemplos nesse sentido. E de surpresas também, é bom que se diga como a do general nacionalista em 1955.
A comemoração pela votação obtida por Aécio Neves no primeiro turno abriu a boca de um dragão cujo hálito recende a fascismo, a intolerância, a vingança e ao ódio contra as camadas mais pobres da população. Contra a soberania e o progresso brasileiros.
A direita e sua nova geração de militantes digitais, apoiados e insuflados por velhas raposas da política nacional agitam bandeiras perigosas para um Brasil pós monárquico que, até esse início de século XXI, jamais dormiu vinte e cinco anos seguidos no berço esplendido da democracia. Repito: vinte e cinco anos seguidos.
A quem interessa o ódio e o preconceito? O que fariam no governo aqueles que já quebraram o país três vezes, cuja noção de soberania e independência não cabe numa caixa de fósforos, arautos subservientes da dependência e do servilismo, dilapidadores do patrimônio nacional, sucateadores das Forças Armadas, cáftens da brasilidade e da alma nacional?
No próximo dia 26 o Brasil escolhe se avança mais um passo na direção de se tornar uma grande nação, soberana e desenvolvida, ou se escolhe alinhar-se com a vanguarda do atraso.
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Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Nota de Rodapé com a coluna eventual Pensando Alto.
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