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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Meu voto terá que ser rápido

por Moriti Neto*

Domingo das crianças para muitos. Outros comemoravam o dia da padroeira santa do Brasil. Em mim, neste dia 12 de outubro, prevaleceu a onda de calor escaldante, além de imagens e palavras devastadoras. Não me bastasse escutar atentamente Marina Silva anunciar o apoio a Aécio Neves, coloquei em prática a infeliz ideia de assistir aos vídeos da propaganda eleitoral de quinta-feira passada, a primeira do segundo turno da eleição presidencial, já que não os tinha visto na data da veiculação. Apenas li e ouvi comentários. E entre ouvir falar e ver com os próprios olhos a presença da senadora ruralista Kátia Abreu (a rainha da motosserra) no programa que inaugurou a participação da petista Dilma Rousseff na reta final da disputa à Presidência da República, a distância foi grande. O tamanho do choque causado pela fofoca da infidelidade é um. Ver com os próprios olhos – e acompanhado de milhões – a pulada de cerca é multiplicá-lo.

Vai-se, de vez, a esperança de eleições civilizadas. Se antes guardava a expectativa de uma disputa mais progressista em relação a 2010, pelo carregar da potência política representada nas figuras de duas mulheres com formação de esquerda reunindo chances reais de conquistar a presidência, hoje vejo muitas semelhanças negativas na comparação entre Dilma e Marina. Semelhanças que me fazem ficar na corda bamba para definir o voto.

Pois se a propaganda eleitoral de Dilma foi irresponsável e apelou à indefensável tática do medo para agredir Marina no primeiro turno (tática do medo baseada em especulações ameaçadoras que tantas vezes vitimaram odiosamente o PT de Lula), não foi menos a atitude da ex-ministra do Meio Ambiente de apoiar o PSDB. Com a falácia de que o PT é uma “ameaça à democracia”, ela vitaminou o ódio ao PT, o que acirra ânimos ao limite, este sim, perigoso para o regime democrático.

Porque se muitos petistas mandaram golpes abaixo da linha de cintura de Marina, até apelando para o preconceito contra a fé religiosa da adversária, a decisão de apoiar o tucano é calcada no ressentimento. Assim, consolidou-se o cenário que espalha o ódio, a irracionalidade e o reforço de estereótipos de lado a lado. Tudo de ruim somado, só reforça a despolitização, numa eleição de nível já tão rasteiro.

Politização, aliás, é algo que ambas dilaceram. Pois se Marina foi eficaz em “despolitizar a política” desde 2010, principalmente quando se posicionou (ou não se posicionou) como “nem de esquerda nem de direita”, agora conseguiu piorar, com essa aproximação a um Aécio que não tem nada de proposta e só vocifera o discurso moralistóide do antipetismo. Quanto a Dilma, ela impregnou o governo de um perfil gerencial e frio, com fetiche pelo crescimentismo. Salvacionismo de uma parte. Redução da política ao “gerencialismo” de outra.

E o gerencialismo míope de Dilma é grave, incapaz de enxergar além do consumo interno desenfreado e da consequente exploração voraz dos recursos naturais como soluções à economia. Consumo que faz o cidadão trabalhar demais e abrir mão da qualidade de vida sem nenhuma preocupação ambiental. Não à toa, o governo gerido pelo partido que tem origem no trabalho recebe com tamanha insensibilidade a pauta sindical que reivindica a jornada de 40 horas semanais. Não à toa, a já citada ruralista Kátia Abreu (PMDB-TO) tem o espaço que tem no governo atual de Dilma e, como mostra a propaganda eleitoral, seguirá tendo, num eventual segundo mandato. Pois a senadora que já foi do DEM e se reúne com a presidenta bem mais do que os movimentos sociais, é representante ativa da indústria do agronegócio, mola-mestra do economicismo nada criativo da administração dilmista. É simbólico demais que, ainda durante a busca por votos, figuras nefastas que defendam interesses relacionados à grilagem de terras, ao trabalho escravo e aos crimes ambientais surjam como propagandistas governamentais.

Não que Marina fosse capacitada para resolver o dilema do crescimentismo. Afinal, ela, que dizia querer colocar a ecologia no centro do debate político-eleitoral, manifestou apoio ao único presidenciável que recebeu doação de campanha de empresa denunciada por trabalho escravo e cujo partido está fortemente ligado à defesa de empresários madeireiros, que desmatam como poucos no Paraná, Pará e Minas Gerais, só para ficar em alguns estados. Minas, inclusive, foi primeiro colocado no desmatamento da Mata Atlântica de 2009 a 2013, justamente nos dois últimos anos da gestão de Aécio Neves e no mandato de seu sucessor, o também tucano Antonio Anastasia.

Dessa maneira, segue a devastação de matas, que atinge indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Nos últimos tempos, esses povos tradicionais sofreram a quase ausência de demarcações de terras. O governo de Dilma os vê como entraves ao crescimento da economia e, nos extremos, como inimigos políticos. Inimigos que a administração federal também viu nos manifestantes contra a Copa do Mundo, até naqueles que protestavam por terem sido removidos de suas casas para a realização de “obras de infraestrutura”. Seja para a construção de hidrelétricas, no primeiro exemplo, ou para o erguimento de estádios, no segundo, é o desenvolvimento obcecado por obras gigantes a atropelar os direitos de muitas pessoas.

Sim, eu sei que o governo de Aécio seria um desastre, principalmente alinhado ao Congresso ultraconservador que foi eleito para a próxima legislatura, em que a afinidade ideológica com o Executivo facilitaria a aprovação de medidas fascistas, como a redução da maioridade penal. E Marina Silva, querendo ou não, teria responsabilidade nisso. Ela era consciente a respeito dos métodos truculentos do tucanato (por exemplo, os do governador paulista Geraldo Alckmin, de repressão violentíssima a movimentos de moradia, manifestações de rua e sindicatos) quando decidiu colaborar publicamente com a candidatura do PSDB.

Não votarei no tucano, óbvio. Isso nem me passaria pela cabeça, mas votar em Dilma e acreditar que o segundo mandato dela será mais à esquerda do que o primeiro, me parece uma ideia frágil. Fico a imaginar como isso ocorreria se, apesar de contar com apoio de boa parte do Congresso e alta aprovação popular até junho de 2013, ela se negou ao protagonismo e retrocedeu, quando nem precisava dos votos de deputados e senadores. Foi exatamente assim no caso da distribuição do kit anti-homofobia em escolas públicas pelo Ministério da Educação, que um veto da própria presidenta impediu no primeiro semestre de 2011.

Porém, por contraditório que se evidencie aqui, o medo me ganhou. E uma vez que os governos do PT tiraram milhões da miséria – e essencialmente Lula merece que eu tire o chapéu para isso – ainda que não tenham avançado na distribuição de renda real, o que poderia ser feito com reforma agrária e reforma tributária progressiva (isso mexeria no bolso dos mais ricos, não é?), e mantiveram as condições do trabalhador dentro de patamares minimamente aceitáveis, votarei em Dilma para tentar escapar da barbárie que seria uma direita moralista e fascista de posse da Presidência da República.

De qualquer forma, mancarei ideologicamente até o dia 26 de outubro. Não consigo considerar avanços sem mensurar retrocessos. Meus dedos terão que ser rápidos na urna. Se pensar demais, tasco um 00.

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Moriti Neto, jornalista e colunista do Nota de Rodapé onde mantém a coluna Escarafunchar 

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