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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Recortado


por Júnia Puglia   ilustração Fernando Vianna*

O tempo roda e a gente, que mora longe, vai se esquecendo de que aqui nesta cidade aconteceu aquela tragédia. Num dia como outro qualquer, uma terça-feira, se não me engano, alguém entrou correndo no escritório falando que um avião de passageiros havia se chocado contra um enorme edifício de escritórios em Nova York. Ligamos a televisão da sala de reuniões e assistimos ao vivo, entre incrédulos e apavorados, o choque do segundo avião contra o segundo prédio, num episódio que já dispensa qualquer outro comentário ou descrição.

Um memorial foi construído no local exato do acontecido. Dois enormes tanques de água quadrados e idênticos, tendo ao fundo e ao centro outro quadrado menor, escuro e profundo, para dentro do qual jorra incessantemente a água, que parece brotar nas bordas e desce pelas paredes verticais. Nas bordas externas, ao longo de toda a volta deles, estão gravados, ou melhor, recortados em chapas metálicas, os nomes de todos os que foram ali imolados aos deuses e deusas que infestam e infelicitam o nosso mundo. Meu coração, apertado e acelerado ao mesmo tempo, passou o recibo da emoção de estar ali e do impacto causado por esse simbolismo genial, que tem água em movimento e o abismo sugando tudo.

Num contraponto virtuoso, igualmente capaz de tirar o fôlego, as colagens de Henri Matisse expostas no MoMA dialogam com o que de melhor pode haver dentro do peito de qualquer criatura viva. Experimente com a série “Véspera de Natal”, aí mesmo, na tela do seu computador.

Estranha e fascinante cidade, um enclave de tolerância e diversidade numa das portas de entrada de um jovem país puritano e obstinado em seu propósito de dominar o mundo. Caminhar por suas calçadas planas, impecáveis e intermináveis é toda uma experiência. Neste quesito, o destaque da semana foi a mulher elegante, que fazia uma pausa para escrever algo no teclado do celular, trazendo pela coleira um grande porco com ares cosmopolitas, como deve ser. Ambos muito compenetrados.

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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Pelo menos se o mundo tivesse aprendido a dura lição.....Infelizmente dá para perceber que a humanidade caminha para uma baixa total de valores, uma inversão total de valorização da vida humana.
Bjs da Mummy Dircim

Anônimo disse...

Adorei!

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