por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna
Acabo de passar um grande susto. Caminhava pela vizinhança, fazendo aquelas averiguações de praxe ao circularmos nos nossos lugares de referência, quando se fez um vazio: a birosca do Josué não estava mais lá, e no seu lugar encontrei um pequeno edifício de apartamentos.
A uma centena de metros de casa, forneceu picolés, pirulitos, chicletes, refrigerantes e biscoitos recheados clandestinamente aos meus filhos crianças, pois esses eram itens que eu supunha controlados pelo nosso zelo parental, observado com algum rigor. Descobri, há não muito tempo, que os caraminguás que recebiam toda sexta-feira, como virtuoso treinamento orçamentário, eram torrados no Josué, sob a proteção da empregada, mais generosa com os meninos do que preocupada com açúcar e cáries. A revelação me enterneceu profundamente. Depois eu soube que comprar cigarros para ela era a recompensa.
Fiquei atônita, parada na calçada, examinando desarvorada o lugar onde deveria estar a venda. Como assim, sumiu? Da creche pública recém-inaugurada saíam as crianças ao final do turno, acompanhadas de mães ou avós, e ninguém dava a mínima para a minha aflição. Nenhum pedestre que passava por ali me deu qualquer indício de consternação. Acabou e pronto.
Eu mesma entrei poucas vezes na espelunca, apesar das décadas de vizinhança. A cabeça e a agenda estavam cheias de coisas maiores, mais urgentes e importantes que caminhar pelo bairro. Ir ao supermercado de carro era muito mais prático e eficiente.
Parece que faz tanto tempo e, ao mesmo tempo, posso tocar com a ponta dos dedos aqueles dias em que a rotina era pautada pelo horário do transporte escolar, o cardápio era ditado pelas preferências infantis e o calendário festivo era enfrentado sem muito entusiasmo, mas tentando não contaminar as crianças com a minha impaciência diante de celebrações obrigatórias e pré-fabricadas. A infância dos filhos, que, enquanto acontecia, às vezes parecia demorar-se um pouco além da conta, na verdade durou uns cinco minutos e me deixou aqui dentro uma nostalgia tranquila e conformada. Crescer é preciso e inadiável, então somos adestrados desde pequenos a ter responsabilidade e princípios, ou seja, a levar a vida a sério. Coisa sobre a qual, quanto mais o tempo passa, mais eu penso que estamos todos exagerando. Outra hora eu explico.
Mas não, a birosca do Josué não acabou. Eu é que caí numa dessas armadilhas que a mente nos coloca de vez em quando, e fui procurá-la no lugar errado. Acabei encontrando-a aonde sempre esteve, mas agora com o baú refrigerado de picolés do lado de dentro.
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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com
3 comentários:
Não conheci a birosca do Josué, mas suas crianças... ah, que saudade! Quantas festinhas de aniversário, quantos Kinder Ovo no clube japonês, quantos "papos-cabeça" desde tenra idade... Estou de alma lavada!
Ju, você me surpreende a cada sexta-feira. A competência com que você vai de uma Inezita Barroso - belíssima e justa homenagem - à reflexão sobre uma simples birosca me encanta, me seduz e me faz esperar, com muita curiosidade, a sua próxima tacada. Beijos
Fernando, você continua maravilhoso!
Terê
Nina, Tito, meninos do meu coração de vó !!!! Não sabia que faziam essas deliciosas artes !!!! Pareciam santinhos (do páu oco, hein ?) .JUNIA, pode apostar velocidade com as borboletas: você consegue voar de um picolé à mais profunda meditação . Coisas da vida de Júnia, mesmo.
Abraços e beijos para os meninos crescidos,outros para o pai desses felizardos, outros para o Fernando e um milhão para você.
Mummy Dircim
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