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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Izaías Almada #2

Reflexões de um cidadão sob total suspeita

Pois é assim que me vejo: sob total suspeita: E por quê? Pela simples razão de que me foi dado viver na passagem de século e de milênio de uma vez só. Nasci na metade do século 20 e já vou terminando a primeira década do século 21. Em outras palavras: nasci com o samba e no samba me criei, inclusive a bossa nova, mas vivo em meio ao funk, ao rap, à musica sertaneja, enfim, sentindo falta do samba. Nasci sob o impacto do neorrealismo italiano, onde o humanismo pós guerra procurava temperar os dramas do ser humano e agora vivo sob os efeitos especiais de Hollywood, onde o vazio ideológico tempera a ação de personagens de HQs de cultura alienígena, a maioria delas sem qualquer respeito pelo ser humano. Nasci quando as pessoas começaram a se reunir na sala de estar após o jantar para apreciar o mais novo invento da tecnologia de comunicação, a televisão. E hoje vivo na mesma sala para ser imbecilizado por essa mesma televisão, seja através de seus realities ou talk shows ou mesmo pelos seus telejornais sensacionalistas e mentirosos, sem compromisso com a verdade dos fatos. Nasci quando os Estados Unidos da América lançaram duas bombas atômicas sobre o Japão e hoje, hipocritamente, querem impedir outros povos de terem acesso à energia nuclear, pacífica ou não. Nasci quando o homem começava a dominar certas tecnologias e hoje vivo dominado por elas. Quando criança brinquei com telefones feitos de latas de molho de tomate ligadas por uma linha de cinco metros bem esticada e hoje fico aflito se esqueço o celular em casa e saio para a rua. Entre os anos da minha infância e os novos anos da minha “melhor idade” parece que o mundo foi reinventado.
Como muitos da minha geração, acreditei na construção de um novo homem, mas entre os que acreditaram e a possibilidade desta realização, surgiu o abismo de um capitalismo neoliberal cada vez mais selvagem, individualista, concentrador de riquezas e distribuidor de misérias. Dizia meu velho pai, homem simples do interior das Minas Gerais: “tudo que é demais faz mal”. Sábias palavras para quem jamais soube o que era o neoliberalismo. Está aí: a ganância foi tanta, o desregramento econômico foi tanto, que um dos símbolos deste mundo de sucessos e lantejoulas coloridas dos defensores do mercado livre (alguém viu por aí um neobobo chamado Fernando Henrique Cardoso?), a General Motors, teve suas ações retiradas da Bolsa de Nova York valendo apenas 0,67 centavos de dólar. E, pasmem, nacionalizada pelo governo norte americano! E dois dias depois a Organização dos Estados Americanos, ignorando a política externa dos EUA, trazem Cuba de volta para o seu convívio.
E não é que o mundo está mesmo sendo reinventado? Bom, mas sou suspeito para falar desses assuntos...
Izaías Almada é autor do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência”. Editora Boitempo.

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