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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Quase todo mundo tem uma Lindu em casa

3 de dezembro de 2009 podia ser uma terça-feira qualquer. São Paulo e seu cenário chuvoso, novamente, travou as vias, alagou regiões, deixou o povo a pé, encharcado e esgotado. Da redação no meio da tarde, no 19º andar, na São Bento, a nuvem cresceu vistosa à minha esquerda como um monstro cinzento. Da fresta da janela, porrada de água em quem estava lá embaixo. Miúdos, carros e pessoas, entupidos a ponto de explodir esperavam o aguaceiro passar.
Horas depois, aceitando convite do dia anterior para ver a exibição do filme que vem causando polêmica, “Lula, o filho do Brasil”, de Fábio Barreto, baseado no livro de Denise Paraná, estava eu na entrada do suntuoso e reformado Cine Marabá – inaugurado em 1945, fechado por quase dois anos -, restaurado pelos arquitetos Ruy Ohtake e Samuel Kruchin.
O Marabá fica na região central, antiga Cinelândia – região dos cinemas das antigas paulistanas, na Av. São João, eterna e melódica na voz de Caetano Veloso.
Numa esquina, o famoso Bar Brahma lotado, onde tem Cauby Peixoto e Demônios da Garoa para quem tem molejo no bolso. Na outra, botecão. Pizza passada na vitrine, coxinha, mormaço e justas latas de cerveja gelada no refrigerador. Aí sim é o que importa, sem couvert para pagar enquanto espero com a amiga e jornalista Claudia Motta para adentrar o ilustre recinto.
Já na porta os convidados vão chegando e se deparam com o tapete vermelho. A sessão marcada às 20h no convite começou às 21h. A exibição é para os companheiros e companheiras ligados aos sindicatos da CUT (Central Única dos Trabalhadores). A maioria se conhece. São distribuídos um vale-pipoca e refrigerante.
A sala principal é enorme e impressiona. Uma estrutura inclinada com centenas de poltronas. O telão é de dar gosto. Agora é sentar e esperar. O movimento prossegue. Uma pipoca e outra e outra... chega o presidente da CUT, Artur Henrique, o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Feijó (considerado por Lula um dos melhores sindicalistas da história) e muitos outros. O filme “é a história de todos nós”, comenta um. Um coro tímido de “olê, olê, olê, lulaaa, lulaaa” é iniciado. É interrompido. Ali está a turma das antigas, das novas e os curiosos, como eu. O clima é de diversão. Muita diversão. Timidamente, acompanhado da esposa, chega Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. Não é perturbado. Só observado com curiosidade enquanto toma seu lugar.
A sessão vai começar. Antes, Fábio Barreto, o diretor, Paula Barreto, a produtora e Rui Ricardo Dias, ator que faz o sindicalista Lula adulto são apresentados. Barreto fala algumas palavras.
- “Estão nos acusando de fazer um filme eleitoreiro. Não é nada disso, é um filme de um brasileiro, uma história humana.”
Sob aplausos fala mais.
- “Vamos fazer deste filme o mais visto do Brasil. Contamos com vocês.”
Rui Ricardo é apresentado e uma mulher grita duas vezes: “Lindoooo”.
Discursos rápidos. Volta o clima de cinema já escuro e com um certo silêncio. Observo o ator Rui Ricardo subir apressado até o centro da sala. Senta-se na oitava cadeira da direita para a esquerda, exatas duas fileiras a minha frente. O que estaria pensando? Afinal, a seção tem um peso importante já que parte fundamental do berço do que será exibido na tela está naquela sala, mesmo com as suas mutações, avanços e retrocessos do movimento sindical.
Ao lado de Rui, talvez um sem saber do outro, o grande jornalista Audálio Dantas – que recentemente lançou livro sobre a infância de Lula.
Os patrocínios do filme, que não teve verba estatal, começam a subir. As brincadeiras e gargalhadas surgem. Vaias para umas empresas e risadinhas para outras. Glória Pires, que faz a mãe de Lula, dona Lindu, aparece na tela, é hora do fita rodar.
Em linhas gerais o filme mostra a vida do jovem Luiz Inácio que saiu do interior do Pernambuco, em Caetés e que se tornou o maior sindicalista do país, hoje, dos maiores presidentes que este Brasil já teve. O enredo, que não vou repetir todo aqui, de Lula, a mãe Lindu e a família é trágico com finais de superação. Cheio de nuances que os brasileiros do norte e nordeste, principalmente, estão cansados de viver. É a pobreza gerando a coragem de precisar sobreviver. É o recorte da história de um Brasil ainda castigado pela seca e que faz muitos saírem de suas casas em busca de uma falsa e rara vida digna no sul e sudeste. Lindu, mãezona, lembrou a minha. E, ao seu modo, todo mundo tem a sua Lindu em casa. A minha cortou cana, colheu algodão, foi empregada doméstica e saiu do Paraná, Sertanópolis, aos 17 anos para tentar a sorte em São Paulo. A minha Lindu, Dona Zilda, teimou e conseguiu.
O filme, apesar de uma semelhança cinematográfica peculiar com a história de “Dois filhos de Francisco” é um drama sem grandes pirotecnias de roteiro. É basicão. Estilo novelão.
Durante o filme muita gente chora copiosamente. A história mexe, é fato. E não me venham os machões dizer que não. A qualidade da atuação de Glória é de arrepiar os pêlos do braço. Associar a imagem de mãe analfabeta, pobre e batalhadora que cuida de suas crias independentemente de tudo e todos é um tremendo elemento emocional do filme.
Em alguns momentos observei de soslaio Rui Ricardo Dias se vendo na telona. Levava as mãos juntas ao rosto, em sinal de oração, nas cenas mais tensas. Não pude conter o pensamento moleque. “Cara de sorte.” Contracenou com Gloria Pires e conheceu duas mulheres lindas, Cléo Pires e Juliana Barone.
Brincadeiras à parte, Rui Ricardo teve ótima atuação. Confesso que esperava menos dele, queimei a língua. Ao final da exibição, muitos aplausos. O conselho de Lindu: “Teime, meu filho, teime” vai virar marca registrada. Ou quando diz, mais ou menos assim: “Faça até onde der, quando não der, tenha paciência, espere e tente novamente lá na frente.”
Lula, para mim, é um vencedor. Criticas políticas à parte, o sindicalista venceu com sobras. De goleada. Nunca sozinho, é verdade. Nunca mito, mas homem real, este que vemos todos os dias no noticiário. Lula é um exemplo do que não poderia dar certo e deu! E isso é motivador, mas apavora e dá medo em muita gente. Não em mim.
Na saída tranquila, alguns emocionados, outros atordoados em ver ali um pedaço da história do Brasil – entre tristezas e glórias - que eles ajudaram a construir.
Dou os parabéns a Rui Ricardo no corredor de saída enquanto é cumprimentado por muitos. “Esteve bem, meus parabéns”. “Obrigado”, em tom cansado, foi o que respondeu antes de ir para uma segunda seção de fotos já na porta do Marabá. Garoava nesta hora e um vento gelado dava o clima do final de noite.

Thiago Domenici é jornalista

Um comentário:

Anônimo disse...

show de bola, fiquei com vontade de ver o filme do lula.

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