Preferi criar uma política permanente de economia no consumo. Entre oito e nove da noite, nada de TV ligada. Assim, ao mesmo tempo em que dou uma igualmente mísera contribuição para a salvação do planeta, ponho-me a salvo daquele lindo casal que tem a benemérita função de informar ao povo brasileiro. De quebra, uma hora de leitura é infinitamente mais útil que qualquer edição do Jornal Nacional.
Na última vez em que me arrisquei a ver dito noticioso, depois de algum tempo de não-comparecimento, deparei-me com a informação de que os “Irmãos Castro”, esta terrível dupla que comanda a milionária quadrilha que há 50 anos nega os benefícios de uma parceria com os Estados Unidos, estavam descendo o sarrafo em manifestantes. A real intenção da notícia, revelada na sutileza da chamada das imagens, era promover a estreita ligação entre Lula e os maldosos.
Quanta pelotudês. Só mesmo nos altos escritórios da Globo, onde ninguém anda de ônibus e muito menos a pé – a não ser na orla de Copacabana, claro –, alguém poderia pensar que um tema de política externa terá algum efeito sobre a popularidade de Lula e, por assim dizer, nas eleições.
Isso só seria possível se:
a) não tivéssemos ainda uma massa que todos os dias precisa lutar por um prato de comida;
b) não tivéssemos outras dezenas de problemas internos a resolver;
c) estivéssemos envolvidos em uma guerra e, portanto, a política externa seria importante por demandar jovens que servissem à causa.
Com tudo isso, estimada Globo, política externa não é o tema que vai eleger o presidente de vocês. Que, a propósito, andou descendo o sarrafo em professores da rede pública paulista. Bem gostaria de saber qual foi o tratamento dado pela emissora ao caso, mas o corpo fala e o estômago não permite ao cérebro a ousadia de dar uma espiada na telinha.
Imagino, no entanto, que tenha sido o mesmo tratamento dispensado por Folha e Estado, que atribuem a greve a um movimento do PT e afirmam que os professores começaram o “conflito”. Aliás, essa é outra contribuição que darei ao planeta. Em ano de eleições, é mais que prudente deixar de ler os jornalões, poupando dezenas de árvores que se salvarão de virar papel.
Enquanto matutava sobre este texto, ouvi na Rádio CBN, da Globo, que há “bolchevistas de terceiro mundo” rodeando Lula – iluminado Arnaldo Jabor, obrigado por mais este esclarecimento. Na sequência, ouço uma série de reportagens falando sobre as Escolas Técnicas Federais, que, na concepção da emissora, são uma “das bandeiras do governo Lula”, mas sofrem com muitos problemas – melhor nem enumerar.
Bem, não esperava que o grosso da imprensa deixasse, da noite para o dia, de ter hábitos escabrosos, recheados de péssimas intenções, mas imaginava que ao longo de oito anos tivessem desenvolvido técnicas mais elaboradas de manipulação que não aquela de 1989, com edição “malandrinha” do debate.
Por outro lado, se Lula e Dilma Rousseff perderem as eleições, terão ao menos parcela de culpa. (Parêntese necessário: antes de dar sequência, esclareço que não sou nem nunca fui lulista e lembro que a política brasileira não se resume a uma dicotomia PT-PSDB, havendo, pelo caminho e além dele, muitas variações. No entanto, não sou ingênuo de não reconhecer avanços logrados pelo atual governo).
Encerrado o parêntese, pontuo que, se Lula tivesse dado real atenção à ruptura de paradigmas impostos nas comunicações e na educação, não correria o mais pálido risco de perder as eleições. Venceria Dilma ou alguém ainda mais à frente, mas não um tucano.
Se há algo que os “Irmãos Castro” entenderam rapidamente – e por isso são temidos pela Globo – é a importância de um povo bem informado e com capacidade de refletir sobre as informações que recebe. Mas Lula, no afã de conciliar todos os interesses, preferiu ter Hélio Costa, cria da Globo, dentro de seu governo. Dá nisso que vemos, lemos e ouvimos.
João Peres é jornalista e mantém a coluna Extremo Ocidente neste Nota de Rodapé.
Um comentário:
Joao
Excelente a observação quanto a qualidade do nosso jornalismo. Nosso não, deles.
Também vou aderir a campanha e fazer minha parte, não só pelo meio ambiente como também pra garantir que meus neuronios mantenham-se 'in natura' até as próximas eleições, sem manipulação desse tipo de cobertura.
Outra coisa: bem que podias aderir também aos domingos né?? Entre 8h e 23h de domingo. Nossa saude mental agradece.
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