Abacaxi é melhor
Domingão, 23 30h, o tempo se arrasta no pronto-socorro. Parece que nunca chega a tal da segunda-feira. O que chega mesmo são pacientes, um atrás do outro. E nessa de “um atrás do outro”, chega seu Sebastião, 44 anos, cabisbaixo ao entrar no consultório:
- Boa noite Dr. Tô com um problema, sabe...
- Boa noite... Que problema, seu Sebastião?
- É Dr... é meio chato de contar, mas... Tem que resolver, né?!
- Por isso o sr. veio, não foi?! Vamos lá, o que acontece?
- Então Dr. Tava com uma prisão de ventre danada, faz uns dias... E eu sou motorista... de caminhão de feira.
- Não entendi. Como assim?
- Então Dr., meu colega, carregador do caminhão, me falou que abobrinha era bom prá curar isso.
- E?
- E aí que eu peguei e usei!
- E que problema tem nisso, seu Sebastião?
Nesse momento, com o olhar no chão, voz trêmula e a testa brilhando de suor, seu Sebastião revela a tão buscada cura para a constipação intestinal:
- É que coloquei uma lá... lá embaixo. Por trás. E não saiu até hoje, faz 03 dias.
Bela desculpa! Bela!
A ceia do papai
A Otorrinolaringologia, “ciência dos buracos de cima”, a qual exerço com todo o orgulho e dedicação possíveis, é fonte de momentos escatológicos interessantíssimos em meu dia-a-dia. Dentre uma dezena que me recordo, o mais marcante envolveu Roberto, 30 anos, o papai de primeira viagem; e Lucas, 1 aninho e meio, o primogênito. Eis que entram em meu consultório:
- Olá seu Roberto, como vai? O que acontece com o Lucas?
- Ah Dr., esse menino só vive com o nariz entupido, cheio de catarro! À noite então, é uma roncadeira danada! Ele quase não respira!
Mais algumas informações menos relevantes e vou examinar o pequeno Lucas. A queixa do pai procedia: o menino com o nariz bastante congestionado, com um catarro esverdeado espesso em ambas as narinas, certamente impedindo uma respiração adequada. Antes de finalizar o exame físico, Roberto completa:
- E Dr., sabe o que eu faço? Quando ele tá muito entupido à noite, sem dormir direito, eu pego e chupo o nariz dele!
- Como é que é???
- Chupo Dr., com a minha boca mesmo. Fica limpinho, aí ele dorme melhor! Tem algum problema em fazer isso?
Talvez prá quem goste de ostras deva ser uma delícia!
Leia também: Dr. Rino e as receitas da vovó (parte 1)O fim da espinhela caída
Em visita aos pacientes internados na enfermaria do hospital-escola, conheço seu José. Homem simples, agricultor desde o berço, internado agora aos seus 66 anos por complicação de um enfisema pulmonar, fruto de seu hábito de fumar cigarros de palha durante décadas. Em meio à detalhada história clínica típica de estudante de Medicina, seu José revela:
- Tava tomando uns remedinho da roça dotô! Bem melhor que aqueles comprimido que o outro médico passô! Aqueles eu parei! Só que peguei aquela friage do final de semana e, aí, deu nisso!
- Que remédio da roça, seu José?
- Meio copo de óleo, com um pouquinho de azeite virge, dois dedinho só! É prá me curar dessa espinhela caída! É bão dimais. Chega engraxa o peito do cabocro!
Pois é Hipócrates, você não sabia de nada MESMO!
Dr. Rino não é contra fitoterapia ou medicinas alternativas, até pelo fato de grande parte das medicações serem fabricadas a partir de extratos naturais (como o anticoagulante Ancrod®, derivado de veneno de víboras da Malásia e que diariamente salva a vida de milhares de pessoas do derrame cerebral; ou a própria Aspirina®, analgésico e antitérmico, extraída da casca do salgueiro). Entretanto, absurdos como os acima, além de não possuírem nenhum efeito benéfico cientificamente comprovado, podem trazer conseqüências piores que a própria doença, mesmo quando não tratada.
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