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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Exclusivo! Entrevista com Daniel Dias, campeão da vida e do esporte

Caros leitores, quando prometi a vocês trazer matérias de outros esportes além do futebol, fiz questão de procurar um grande atleta para contar sua trajetória. Por essas inexplicáveis coincidências, quis o destino que eu estivesse assistindo ao Mundial Paraolímpico de Natação, realizado na Holanda. E uma imagem que já virou rotina para quem acompanha os esportes aquáticos foi inspiradora. Aquele jovem, de apenas 22 anos, mas com tantas conquistas, emocionado com mais uma medalha, enrolado na bandeira do Brasil, orgulhoso por defender nossas cores pelo mundo. O orgulho e a alegria de Daniel são de dar inveja a qualquer jogador de futebol que mal sabe cantar o Hino Nacional e que só pensa nos contratos milionários, nas mulheres, nos carrões. Pois bem, só nas piscinas holandesas, Daniel Dias, um dos maiores atletas do país, conquistou oito medalhas de ouro, uma de prata e cinco recordes mundiais. Em seu currículo ainda constam nove medalhas nos Jogos Paraolímpicos de Pequim 2008. Daniel também se tornou recordista nos Jogos Parapan-americanos, com oito medalhas de ouro, em 2007. Ele compete nas classes S5, SB4 e SM5 em competições paraolímpicas.
Dias com César Cielo
Nascido em Campinas, no interior paulista, Daniel enaltece a família e os valores ensinados por seus pais. Humilde, não deixa a fama subir a cabeça, e sabe que a maior vitória dele foi a da vida. O menino de ouro nasceu com má formação congênita dos membros superiores e perna direita e enfrentou dolorosos tratamentos e cirurgias antes de descobrir a natação, aos 16 anos. Mas as dificuldades não fazem com que o rapaz reclame, ao contrário, sempre agradece pelas graças que alcançou: “Através do esporte consegui mostrar para muitos que o deficiente não é um 'coitadinho'. Nós somos capazes de realizar os nossos sonhos também”.
Nesta entrevista exclusiva concedida ao madrugador Thiago Barbieri, Daniel Dias fala de preconceito, superação, paixões e sonhos. Espero que vocês gostem e tirem boas lições de vida. Problemas e dificuldades existem para todos, mas poucos conseguem enxergar o lado bom das coisas nas adversidades. Aproveitem e reflitam!


NR - Daniel, antes de falar de esporte, fale sobre você.
Sou uma pessoa extrovertida, alegre, que vê a vida de uma maneira sempre positiva. Agradeço a Deus pelo dom da vida e do esporte, pelos pais e amigos. Sou um atleta da natação, dedicado, empenhado e buscando sempre me aperfeiçoar no que faço.

NR - Quais são suas paixões, além da piscina?
Gosto de estar em casa com meus pais, navegar pela internet, jogar vídeo-game, namorar. Gosto do Corinthians.

NR - Por falar em paixão, eu não posso deixar de citar o Corinthians, que você tanto ama. Aliás, a sua história de superação é um exemplo clássico da raça corinthiana. Você já pensou em defender as cores do Timão? E como você viu a notícia de que finalmente vamos ter um estádio, depois de 100 anos?
Espero um dia poder defender as cores do Timão. É só eles me contratarem. Fiquei muito feliz com a notícia de que teremos o nosso estádio.

NR - Fiquei emocionado ao ler o depoimento da sua mãe no seu site. O que a família significa para você?
A família (meus pais principalmente) foi, é e será sempre fundamental em minha formação (como pessoa e como atleta).

NR - Imagino que você tenha sofrido, ou ainda sofra, muito preconceito por causa da deficiência. Como você lida com isso?
De fato sofri e ainda existem muitos preconceitos. Tenho superado tudo isso numa boa. Para que sofrer por algo que pensam da gente. O importante é o que sou e não o que pensam de mim.

Dias começou aos 16 anos na natação
NR - O esporte tem um importante papel na inclusão social e no crescimento de muitas pessoas. Você acha que faltam políticas de incentivo às práticas esportivas? O que o Brasil tem de bom e o que pode melhorar nesse sentido?
De fato o esporte é uma importante ferramenta na inclusão social. Mas infelizmente muitos ainda nos chamam de “paraatletas”, por que nos rotular? Somos apenas atletas como todos os outros “normais”. Temos os mesmos treinamentos, as mesmas dificuldades (até mais). Acredito que com as Paraolimpíadas no Brasil, a tendência na divulgação e incentivo serão maiores. Já melhorou, mas espero que melhore ainda mais e nos vejam como atletas.

NR - Como a natação entrou na sua vida? Quem foi que descobriu esse seu talento natural?
Sempre gostei de esportes. Aos 16 anos comecei na natação e vi que tinha o talento para essa modalidade. Depois foi só treinar e “lapidar” o talento. Dou graças a Deus por tudo isso.

NR - Hoje em dia, como é a sua rotina de treinos? Você defende alguma equipe atualmente que te ofereça a estrutura necessária para o seu desenvolvimento?
Treino de 2ª a sábado e nado de 6 a 9 km por dia. Treino em piscina pública em Bragança Paulista e defendo um clube do Rio de Janeiro.

NR - Ainda na questão de políticas públicas voltadas para o esporte. Muitos atletas dos chamados esportes olímpicos, que no Brasil significa qualquer modalidade fora o futebol, enfrentam dificuldades financeiras. Alguns têm de trabalhar por fora para conseguir pagar as incrições em torneios, viagens e hospedagem. Para os atletas paraolímpicos essa dificuldade é maior?
Infelizmente sim. Sabemos de muitos atletas que não conseguem desenvolver o seu talento, justamente por falta de apoio e patrocínios. No início de minha carreira, dou graças a Deus, pois eu tinha um “paitrocínio”. Mas, infelizmente, deixei de ir a muitas competições por falta de recursos.

NR - O Comitê Paraolímpico Brasileiro ajuda os atletas de alguma forma?
Hoje existe um projeto do CPB, chamado Projeto Ouro, que me auxilia, não com recursos financeiros, mas no apoio a treinamentos.

Na entrega do prêmio Laureus
NR - Em 2009, você recebeu o troféu Laureus, espécie de "Oscar do Esporte", como melhor atleta paraolímpico de 2008. Até então, apenas outros três brasileiros haviam recebido este prêmio: Pelé, em 2000; o skatista Bob Burnquist, em 2002; e o atacante Ronaldo Fenômeno, em 2003. Você se considera o Pelé da natação brasileira?
Não me considero tudo isso não. Mas fiquei extremamente feliz pelo reconhecimento e de receber o prêmio.

NR - Daniel, em 2016 o Rio de Janeiro vai sediar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Quais as suas expectativas para a competição, não só em relação a pódio, mas em relação aos eventos e ao desenvolvimento que competições deste nível podem trazer para o Brasil?
Como eu disse acima, estou acreditando no desenvolvimento do esporte paraolímpico no País e luto para que vejam o esporte paraolímpico como esporte de alto rendimento. Eu espero estar competindo e defender bem as cores do nosso querido Brasil.

NR - Como você analisa o outro fenômeno das piscinas Cesar Cielo? Já pensou em fazer uma disputa com ele?
Vejo nele um lutador, dedicado e focado em seus objetivos. Se ele quiser disputar comigo os 50m livre, quero dar muito trabalho a ele (rsrs).

NR - Qual a maior lição você aprendeu com o esporte?
Através do esporte consegui mostrar para muitos que o deficiente não é um “coitadinho”. Nós somos capazes de realizar os nossos sonhos também.

Thiago Barbieri é jornalista; autor do livro sobre o Corinthians "23 anos em 7 segundos", editor do jornal Primeira Hora da Rádio Bandeirandes e colunista do Nota de Rodapé.

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