A pergunta geral que intrigava o moderador do debate foi o resultado das pesquisas eleitorais. No ano passado, quando os institutos começaram a sair às ruas e perguntar aos cidadãos em quem iriam votar, José Serra (PSDB) liderava a corrida pela Presidência. Dilma Rousseff (PT) aparecia bem atrás. Agora, a menos de um mês para o pleito, a situação se reverteu completamente. A preferida de Lula tem mais de 50% das intenções de voto. Serra aparece uns 30 pontos atrás. Marina Silva (PV) tem cerca de 10% e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) não se sabe ao certo – o Vox Populi chegou a excluí-lo de seus levantamentos.
André Singer
O segundo mandato do presidente Lula deverá ter uma média anual de 4,5% de crescimento do PIB, o que significa uma elevação significativa se compararmos com o que acontecia até o governo anterior, do ex-presidente FHC. O Brasil passou um período muito longo de crescimento muito baixo, que foi muito prejudicial para a maioria da população. O primeiro recado das urnas é, portanto, continuar crescendo ao menos neste patamar.
O segundo recado é a distribuição da renda. Os dados que o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) divulgou há dois meses mostram uma queda acentuada da pobreza entre 2003 e 2008, ao ponto que o IPEA faz a seguinte projeção: se a diminuição da pobreza seguir este ritmo, teremos a extinção da pobreza absoluta até 2016. Pobreza absoluta é aquela que atinge domicílios cuja renda per capita vai até meio salário-mínimo.
Então, de um modo geral, o recado das urnas é continuar crescendo com combate à pobreza e também com redução da desigualdade, apesar de que, no caso da desigualdade, os números sejam menos expressivos. O recado mais claro das pesquisas é o desejo da maioria do eleitorado de continuar com a redução da pobreza e crescimento econômico.
Em seguida o professor Brasílio Sallum resolveu pontuar que a diferença entre os governos do PT e PSDB não era tão grande assim, principalmente no que se refere à estrutura do estado. Aliás, as semelhanças, segundo Sallum, datam da gestão de Itamar Franco (1992-94).
Brasílio Sallum
Há uma grande continuidade no padrão de estado que estamos construindo desde 1995. Temos um estado moderadamente liberal, porque conserva políticas de intervenção na economia; temos um estado democrático, apesar de algumas limitações; e temos um estado voltado para a incorporação econômica e social da grande massa da população.
Estas três características vem sendo desenvolvidas desde 1995, claro que com ênfases diferentes. Tivemos um primeiro momento em que a questão-chave era a estabilização monetária e a reforma das estruturas do estado, e um segundo momento, em que se criaram mecanismos muito interessantes de disseminação da sociedade mercantil: crédito e outros canais para a ascensão social da classe-média baixa.
Em sua intervenção, José Eli da Veiga colocou alguns reparos na ideia de que o crescimento econômico é a grande virtude do governo Lula e, portanto, o fator que explica a disparada de Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais. O economista acredita que outros indicadores são mais importantes para verificar a disposição dos brasileiros pela permanência do PT no governo.
José Eli da Veiga
Não acredito que o crescimento econômico por si só explica o resultado das pesquisas, porque o que interessa para a população é se o crescimento econômico resulta ou não numa renda familiar crescente, ou seja, num maior poder de compra familiar. E, nos últimos anos, o poder de compra foi superior ao aumento do PIB. Isto é muito mais importante na formação da expectativa eleitoral. As pessoas estão prevendo a condição econômica que terão no futuro e estão votando numa continuidade do tipo “é isso que experimentei nos últimos anos e eu quero que continue”.
Pode parecer pequena a distribuição de renda do trabalho que as pesquisas estão indicando, porque os percentuais são pequenos e a mudança no índice de Gini é pequena. Porém, historicamente, é tão difícil alterar a distribuição de renda que, para quem observa isso, é muito. O que está acontecendo é surpreendente. Mas, acima destes fatores, o elemento central não foi citado, que é a questão do desemprego. Estamos no mínimo histórico do desemprego.
Então, nestas circunstâncias – em que o desemprego está em seu mínimo, as pessoas estão com um poder de compra que é superior ao aumento da produção e a renda está sendo distribuída – é evidente que isso cria uma situação em que, seja qual for a proposta que venha da oposição, que eu nem sei se existe, fica muito difícil numa situação com esta que os demais candidatos construam seus discursos.
A insinuação de que não exite oposição ao PT hoje em dia provocou algumas reflexões de Brasílio Sallum sobre o papel de José Serra e do PSDB, sobretudo na construção de uma base social sólida no período não-eleitoral.
Brasílio Sallum
O que me parece chave nestas eleições é que… Por que, afinal, um candidato, que a princípio é de oposição, diz que vai continuar e melhorar aquilo que aí está? Acho que, quando Serra se coloca como alguém que pode fazer mais, ele está dizendo que está dentro de um universo de atuação do estado que é similar ao que ele imagina possível fazer. Ou seja, ele vai fazer apenas melhor e mais, mas não vai alterar substancialmente o modo como o estado vai se relacionar com a sociedade.
Isto diz um pouco sobre esta continuidade que eu vejo no padrão de estado, com algumas diferenças, obviamente, mas diz também a respeito da dificuldade da oposição em fazer política fora do período eleitoral.
Não há, de fato, um contraponto, uma polarização. E essa polarização não pode existir apenas na campanha. Nós temos, de fato, candidatos que disputam num mesmo universo, com poucas distinções entre si, a não ser entre suas carreiras políticas. É um combate desigual, e não por culpa do PT, mas pelo fato de o PSDB não se inserir socialmente e, portanto, não construir sua base política para além da existência de afinidades entre os valores do PSDB e da classe-média profissional. Mas uma coisa é haver afinidade, outra é haver articulação.
André Singer retomou o tema da continuidade.
André Singer
Não consigo enxergar uma continuidade que venha do período Itamar Franco. Houve três movimentos estruturais durante o governo Lula que definem uma mudança da política macroeconômica em que pese ter mantido outras linhas de continuidade, que eu reconheço, que são: Bolsa Família e aumento das transferências de renda, somada a uma valorização importante do salário mínimo, que é o grande elemento de redução de pobreza e desigualdade.
Houve um aumento real de 31% do salário mínimo no segundo mandato. Em terceiro lugar, houve aumento expressivo do crédito, sobretudo do crédito popular, em mais de 10 vezes. Sem a expansão do crédito, sem o crescimento real do salário mínimo e sem as transferências de renda, não teríamos a ativação de um mercado interno de massa que marca a diferença entre este governo e os anteriores. O recado das urnas está dirigido para isso.
Depois foi a vez de discutir a qualidade do crescimento econômico. O presidente Lula lamentou o fracasso da cúpula climática, a COP-15, que aconteceu em Copenhague em dezembro de 2009. As críticas foram dirigidas principalmente às potências econômicas, Estados Unidos, Europa e China, que estão ancorados em velhos conceitos de desenvolvimento – exatamente os que têm destruído o meio ambiente – e não estão disposto a reorganizar suas sociedades a partir de novos valores. Ao mesmo tempo, o PT comemora a formação de um robusto mercado interno no Brasil e, como consequência disso, o crescimento do consumo. E o governo tem suas razões para tanto. Não fosse os brasileiros comprando mais, o país não passaria pela crise dos mercados sem tão poucas escoriações. Tampouco haveria mais empregos e menos pobreza. Afinal, todos temos direito a usufruir dos confortos e facilidades da vida contemporânea. Porém, o “velho sistema” criticado por Lula em Copenhague está precisamente baseado no consumo que o presidente agora comemora. Eis a pergunta: por quê?
José Eli da Veiga
Os países que já podem colocar em questão o crescimento econômico são muito poucos, praticamente os que se circunscrevem à região escandinava. Na Escandinávia hoje já existe uma situação em que a melhoria da qualidade de vida ou da prosperidade não necessariamente exige mais produção e consumismo.
Lá os padrões de vida já atingiram um nível muito além do razoável. Mas esta é uma situação muito particular. Para a maioria dos países, a lei é consumo ou morte. Nós estamos num grupo de países – que alguns chamam emergentes – para os quais a questão não é nem uma coisa nem outra, mas sim a qualidade do crescimento.
Não se pode esperar que um governo, seja ele qual for, num país que está na situação do Brasil, não comemore o aumento do consumo. Não somos a Escandinávia.
O crescimento econômico desde 1980 é medíocre no Brasil, mesmo com estes 4,5% ao ano do governo Lula. Só que foi o período em que o Brasil mais se desenvolveu. É importante frisar isso porque as pessoas assimilam muito crescimento econômico a desenvolvimento. O Brasil foi campeão de crescimento econômico, praticamente durante um século, até 1980. Das 10 maiores economias do mundo atuais, na qual se inclui o Brasil, nenhuma ganhava de nós em crescimento econômico no período. Mas não houve tanto desenvolvimento.
Muito pelo contrário, o que houve foi basicamente o êxodo rural, que formou as imensas periferias em torno das grandes regiões metropolitanas e que representam hoje um dos maiores problemas do futuro, que a gente nem sabe como vai resolver. No entanto, dos 80 pra cá, com crescimento econômico medíocre, o desenvolvimento brasileiro foi incomparável com o período anterior do país e mesmo com outros países que estão se desenvolvendo, em vários indicadores: acesso à saúde, educação etc.
Depois surgiu uma pergunta sobre o papel da candidata Marina Silva (PV) como catalisadora das preocupações socioambientais na campanha presidencial.
José Eli da Veiga
A influência da candidatura da Marina na questão ambiental é imensa e produziu seus efeitos antes mesmo das eleições. Eu não acredito que exista essa coisa que chamam “questão ambiental”, embora, de uma maneira mais coloquial, a gente se entenda. Mas o fato é que não existe separação entre a questão social e a questão ambiental, nunca, isso aí é um fetichismo.
Cada vez mais o que está havendo é uma tomada de consciência em relação à sustentabilidade. Por exemplo, na preparação da candidatura da Dilma, uma das ideias é que se daria toda ênfase no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e que se iria prometer mais PAC. E isso não aconteceu como era esperado. O fato de a Marina ter se posicionado como candidata, com todas as dificuldades que isso implica, produziu vários efeitos. Acho que o mais notável foi a mudança de posição do Brasil, durante o segundo semestre, em Copenhague.
Estamos vivendo uma mudança de época. Acabou a socialdemocracia. O Brasil foi um dos últimos países a chegar nisso e foi positivo. Mas o século XXI não é para a socialdemocracia. A Marina anuncia uma outra visão de mundo, que começa desse jeito, muito fraca, até porque… Esse aqui é um dos poucos países do mundo que tem uma legislação tão férrea sobre a obrigatoriedade do candidato estar dentro de um partido. Não era para uma candidatura como a da Marina sair por um partido. A Marina, quando decidiu romper com o PT depois de tanto tempo, e depois de ser uma das discípulas mais fiéis ao Lula, ela tinha que ser lançada por uma lista cívica, coisa que em qualquer democracia do mundo é possível.
André Singer
A melhor explicação para a situação da Marina é a que está proposta na ciência política norte-americana com o conceito de pós-materialismo. A ideia é que, a partir dos anos 70, começa a surgir um fenômeno novo, sobretudo nos países de capitalismo avançado, em que uma parte da população passa a se orientar por questões que não são as da velha agenda materialista, ou seja, questões relativas à distribuição da renda e que divide o cenário político entre esquerda e direita.
A partir de um certo momento, setores crescentes, sobretudo da classe-média, começam a dar prioridade a outras questões, dentre as quais a ambiental é a mais visível. Mas há outras, como as questões de gêneros, minorias etc.
Acho que no Brasil não temos isso no horizonte. No Brasil a questão da desigualdade é a questão central e vai continuar sendo por muito tempo. Tenho a impressão que vai demorar muito tempo pra isso mudar. É a distância que tem entre o Brasil e a Suécia.
Finalmente, as atenções se voltaram ao sistema político brasileiro e à importância do PMDB na composição de forças partidárias dentro do Congresso e nos governos estaduais. Isso a despeito – ou não – do virtual bipartidarismo entre PT e PSDB.
André Singer
Acredito que o Brasil tem um sistema político singular, principalmente pela presença do PMDB, que é um partido que não disputa as eleições presidenciais desde 1994 e, no entanto, é um partido importante, parlamentar, majoritário, que tem as maiores bancadas no Senado e na Câmara, tem o governo de estados importantes, ou seja, é o partido que, quem quer que ganhe a eleição, tem que levar em consideração na composição de governo, uma vez que vivemos este regime presidencialista de coalizão. É uma singularidade.
Tenho a impressão de que a polarização entre PT e PSDB vai continuar porque eles encontraram bases sociais diferentes. O PT hoje é o partido dos de menor renda no Brasil e o PSDB é o partido da classe-média tradicional. Eles têm propostas diferentes, eles divergem sobre a questão do estado: o PT tem uma posição mais favorável à intervenção do estado e o PSDB veio tomando uma posição a favor do mercado.
Tadeu Breda, jornalista, é colunista do Nota de Rodapé e vive em Latitude Sul.
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