É chato entrar no trem e ir esbarrando com a mochila na cara dos nativos em pânico e ouvir aquele rosnar tipicamente italiano. É chato sair da estação à procura de um ônibus que não está lá e, quando está, descobrir que ele não vai para o hotel que você fez a reserva. É chato quando você, viajante, auto-intitulado experiente, é obrigado a se render a um taxista, que acha que todo o turista é igual e que serve para, no fim das contas e da corrida, ser explorado.
Itália: Ferrara, há 3 horas de Roma |
Viajar é se surpreender.
A parte boa é perceber que no seu destino, naquela cidade que você escolheu, as mulheres não usam batom rosa, as crianças não têm celular, as atendentes não te chamam de querido com aquele sorriso forçado de orelha a orelha e, mais importante de tudo, os restaurantes não têm televisão. Nessa cidade, de muitas casas e poucos prédios, os homens tiram os chapéus de aba larga para cumprimentar as senhoras que passam.
Viajar, às vezes, é voltar no tempo.
É bom chegar ao hotel e descobrir que ele parece uma casa – e realmente é – e que na casa tem um labrador no quintal, de focinho branco, desajeitado e brincalhão, e que a dona desse hotel-casa é uma senhora atenciosa e simpática, como uma tia Siciliana, como aquela que se vê nos filmes. A parte boa é que o quarto é amplo, com duas grandes janelas para um campo de verde infinito, que o banheiro é maior do que todos os que você já viu na Europa e que a cama é confortável, daquelas que uma noite vale por uma dezena.
Viajar é ver o que nunca se viu antes.
O interessante da viagem é tomar um banho, descansar e sair pedalando pela cidade, parar num restaurante típico e pedir um prato típico e ficar tipicamente boquiaberto com o sabor, com aquela dorzinha no lado da boca, a dorzinha de quem não acredita no que experimenta, de tão bom. Aqui, em Ferrara, cidade a três horas de trem de Roma, você pode ir ao Il Mandolino, na avenida Carlo Mayer (homenagem a Karl May, autor de Winnetou?) e experimentar o antipasto chamado pinzini com salumi nostrani e verdure sott’olio. Em seguida, você pode pedir como primeiro prato um cappellaci di zucca con ragu. O segundo prato, típico da cidade, é salama do sugo com purê que, como nos explicou a garçonete, é a comida servida no natal na cidade... “há mais de mil anos”. A sobremesa, talvez servida há menos tempo, mas igualmente tradicional e inesquecível, é a torta teberina al cioccolato. Se você é daqueles que gosta de comparar, poderia dizer que essa é uma torta parecida com nega-maluca, só que mil anos mais gostosa.
Então, depois disso, você volta para o hotel, escreve um texto contando as suas impressões para nunca mais esquecer. E aí, escrevendo e revivendo, percebe que chegou no lugar certo e que, apesar do cansaço e das costas doídas, viajar ainda é a melhor coisa que existe.
Fernando Evangelista é jornalista, co-diretor do recém lançado documentário Impasse, sobre o transporte coletivo em Florianópolis.
Um comentário:
Uma aldeia tem o exato tamanho do mundo para quem nunca dela saiu, já disse certa vez um certo don José Saramago. Viajar é descobrir que pertencemos ao mundo e que ele é bem maior do que nosso bairro, nossa cidade e nosso país. É dar-se conta de que os rótulos não servem para nada, mas que cada povo tem, sim, suas particularidades. Viajar é, também, deixar os amigos e fazer outros. Até a volta, senhor Evangelista
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