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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Pouco aqui, pouco aí

Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa
(Chico Buarque de Hollanda)

Cartas a los Jonquières tornou pública uma centena de correspondências que Julio Cortázar enviou de Paris, durante mais de três décadas (entre 51 e 83), para um amigo de Buenos Aires. O livro (publicado em 2009) é delicioso, porque além do conteúdo literário interessantíssimo – comentários sobre contos e novelas que estava escrevendo -, mostra a pouco conhecida vida privada de Cortázar. Chama atenção a dificuldade para manter-se a par do que acontecia na Argentina e obter notícias de
familiares e amigos.

Naquela época, uma chamada internacional telefônica custava caríssimo e exigia um complexo sistema. As cartas normalmente iam por barco – ainda que se podia, mediante uma boa quantia de francos, enviá-las por avião. Normalmente eram semanas de espera por notícias.

A solução para os latino-americanos era folhear o Le Monde nos cafés de Paris em busca de alguma informação sobre suas terras. Foi dessa forma que García Márquez soube que o jornal para o qual trabalhava (El Espectador) havia sido fechado pela ditadura de Rojas Pinilla.

O Nobel colombiano conta que certa manhã foi despertado por um grito: “Se caió el hombre”. América Latina era um continente dominado por ditadores e todos os latinos da pensão foram para a rua pensando que o ditador deposto era o do seu país. O grito era do poeta cubano Nicolas Guillén e o “homem” era Fulgencio Batista.

“Partir é morrer um pouco”, costumavam repetir residentes na Europa naquela época. Deixar o país significava realmente distanciar-se, ser obrigado a ignorar a sorte de seres queridos e da nação.

Hoje em dia, partir é morrer bem menos.

Daqui da Espanha, sei, em tempo real, de tudo o que acontece no Brasil. Converso com família e amigos na hora que quero e sem custo. Sinto como se estivesse com um pé aqui e outro aí.

O lado ruim disso é a sensação de que acabo por receber uma quantidade imensa de informações que não têm qualquer serventia, a não ser ocupar meu cérebro e impedir que eu retenha dados realmente relevantes (tenho para mim que somos como um computador, que tem um limite de dados que pode armazenar).

Manter-se conectado com o Brasil (visitar portais de notícias, olhar Twitter e Facebook , checar e-mails) ao final significa (também) manter-se ao dia sobre fofocas de famosos, o surgimento de celebridades instantâneas e outras amenidades que nem sequer me serviriam para um papo de elevador, tendo em vista que no meu prédio eles não existem e que meus vizinhos não falam português.

O pior de tudo é que vivendo aqui, acabo também por receber esse tipo de informação inútil do que acontece por estes lados. Ou seja, armazeno em dobro o que não deveria guardar.

Queixas à parte, é de grande valia poder manter essa proximidade com a terra brasilis, ainda que vez ou outra bate aquela inveja do isolamento forçado de Córtazar e Gabo em Paris e a possibilidade de ocupar a cabeça de maneira mais saudável.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do Purgatório e do NR, escreve às segundas, direto de Salamanca, Espanha.

3 comentários:

Fernando Evangelista disse...

Ótimo texto!

Anônimo disse...

Concordo com o Fernando Evangelista, ótimo texto, sempre sensível esse Ricardo Viel, parabéns, Fredo Sidarta, SP

Anônimo disse...

Concordo com o Fernando Evangelista, ótimo texto, sempre sensível esse Ricardo Viel, parabéns, Fredo Sidarta, SP

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