ALESP: caso Pinheirinho em SP |
Entre suas declarações, estão as afirmações de que não houve “guerra” nem “massacre” e que a operação foi cercada de “cautela” para garantir a “integridade das pessoas e minimizar os danos”.
Não foi o que ouviu este repórter do Nota de Rodapé na quarta-feira, 1 de fevereiro, quando acompanhou a audiência pública sobre a reintegração no dia da abertura do ano de atividades da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
O evento lotou o auditório Franco Montoro com a presença de 230 ex-moradores do Pinheirinho. O objetivo: apurar a ampla quantidade de denúncias de violações de direitos humanos ocorridos na reintegração de posse de um terreno de mais de 1 milhão de quilômetros, naquilo que já ficou conhecido internacionalmente como “Massacre do Pinheirinho”.
A audiência já estava marcada para buscar soluções ao problema habitacional, mas ganhou novos contornos após as denúncias de abusos cometidos pela Polícia Militar e Guarda Civil Municipal, que continuam alvos de reclamações dos ex-moradores e defensores da ocupação que abrigava 9 mil pessoas, hoje desalojadas e que foram jogadas em ginásios tornados depósitos de seres humanos – como vou relatar num próximo texto.
Convocada pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP), a audiência recebeu, além dos ex-moradores e parlamentares, movimentos sociais, representantes do Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), partidos políticos e entidades de defesa dos direitos humanos.
Passava das 15h quando a ex-moradora Leila da Silva (na foto à esquerda) subiu à tribuna da Alesp. Mãos trêmulas, voz embargada, ela fez um depoimento rápido.
“Tiraram a gente de casa, demoliram tudo, e nos deixaram em ginásios sem a menor condição. As mulheres tomam banho todas juntas, sem intimidade, sem divisórias. Não há comida pra todos e, quando as doações vão pela Prefeitura, muitas vezes não chegam”, disse, fazendo o pedido de que os donativos sejam entregues diretamente aos ex-moradores.
Após a fala de Leila, palavras de ordem tomaram conta do auditório. “Quem luta não está sozinho, somos todos Pinheirinho” era o protesto na forma de verso.
Um dos líderes da ocupação, Sérgio Pires, deu seu testemunho. “O que eu vi lá não foi só tortura física, foi tortura mental. Derrubaram as casas com tudo dentro, nem comida deixaram tirar. A ordem era acabar com o movimento de ocupação, deixar todos em estado de necessidade extrema”, destacou.
Em seguida, a Polícia Militar, tão envolvida nas denúncias de violação a direitos humanos na reintegração de posse, protagonizou momento constrangedor.
Submeteram à revista um grupo de ex-moradores do Pinheirinho. “Já basta o massacre que vocês fizeram no Pinheirinho, não continuem insistindo no erro", ponderou o deputado estadual petista Adriano Diogo.
Carlos Giannazi afirmou que o responsável pela ordem de revistar o grupo partiu do presidente da Casa, deputado estadual Barros Munhoz, do PSDB, mesmo partido do governador Geraldo Alckmin e do prefeito de São José, Eduardo Cury.
"É uma questão que levaremos para discutir, com toda a certeza, ao Colégio de Líderes. Por acaso a polícia revista empresários quando visitam aqui? Não. Então não podem fazer esse tipo de coisa”, declarou.
A revista estimulou os ex-moradores a circular outra denúncia para apuração. Na reintegração, não havia policiais nem guardas municipais femininas. As revistas nas mulheres eram feitas por homens, o que caracterizaria outra falha da operação.
Na audiência, a repórter da Rádio Brasil Atual, Lúcia Rodrigues (na foto à esquerda), que cobriu o caso do Pinheirinho, sendo ameaçada com dois tiros de bala de borracha, confirmou a uso de armas letais.
"Eu vi e sei, eles não estavam só com armas de bala de borracha, estavam com armas letais, sim” garantiu.
A fala da jornalista reforça a tese do uso de armas letais, já com fortes evidências no depoimento gravado por uma comissão de deputados e integrantes de entidades de direitos humanos.
Embora sem presença física, a voz de David Washington Furtado, em áudio gravado, é afirmativa a esse respeito, ao contrário do que dizem os órgãos oficiais.
O pedreiro pernambucano, que morava há sete anos no Pinheirinho, foi ouvido no Hospital Municipal de São José dos Campos, em que está internado após ser atingido por um tiro de arma de fogo, segundo ele, disparado por um guarda municipal.
“Às 5h30 (após escutar tiros e explosões) peguei meu neném e minha esposa. Levei meu filho na casa do meu irmão, na rua 40 do Campo dos Alemães. Voltei para o cadastro da Prefeitura, minha casa estava destruída. Estávamos eu, minha esposa, um amigo e a esposa dele. Vi quando um guarda municipal tirou a arma. Mandei minha esposa correr e não senti mais a perna”, contou.
Moradores despejados do Pinheirinho na ALESP. |
“É a história mais escondida de São José dos Campos", frisou o deputado Adriano Diogo. "Depois de balear David pelas Costas, a GCM atirou nele, de novo, quando já estava caído no chão. Uma barbaridade", completa, baseado na versão da vítima e de outras testemunhas, como a esposa do pedreiro, Laura.
Estado grave
O aposentado Ivo Teles dos Santos, de 69 anos, natural de Ilhéus, na Bahia, morava sozinho no Pinheirinho e estava desaparecido desde o dia da reintegração. Na última sexta, dia 3, ele foi encontrado pela ex-companheira, Osorina Ferreira de Souza, no Hospital Municipal de São José dos Campos. Ele está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em coma desde o dia da desocupação.
No sábado, 4 de fevereiro, Renato Simões, conselheiro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), vereadores da cidade e Antonio Donizete Ferreira, um dos advogados dos ex-moradores, estiveram no hospital, onde comprovaram a internação.
“O senhor Ivo foi espancado por policiais militares no dia da reintegração de posse. Por volta das 16h de sábado, nós pedimos ao hospital o Boletim de Atendimento de Urgência (BAU), que é onde está relatado como Ivo chegou lá. A direção nos negou, disse que só sob ordem judicial”, diz Simões.
Ainda no sábado, após quase três horas de espera, o hospital entregou somente um relatório assinado pelo médico de plantão, Luis Carlos Nacácio e Silva, informando a entrada de Ivo no dia 22 de janeiro, às 18h30, com “quadro confusional e crise hipertensiva”; a “tomografia de crânio mostrou AVCH (acidente vascular cerebral hemorrágico)”.
O vereador Wagner Balieiro foi um dos que esteve no hospital e constatou a situação de Ivo, bem como a negativa da administração em fornecer o Boletim de Atendimento de Urgência que pormenoriza o estado clínico dos pacientes.
“Na verdade, o que chama a atenção neste caso é que a omissão de informações ocorre mesmo com a presença de parlamentares, Defensoria Pública e órgãos de direitos humanos. Isso ocorre, pois a situação de saúde do Ivo tem relação com a reintegração do Pinheirinho, há uma reportagem do jornal O Vale, no dia da desocupação, que descreve as agressões sofridas por ele”, argumenta.
Pelos obstáculos para conseguir o boletim – justificados como interferência direta de Danilo Stanzanni, secretário da Saúde de São José – o grupo que esteve no hospital deve entrar com um mandato de segurança que garanta o acesso às informações.
Moriti Neto, jornalista, colunista do NR. Imagens de Maria Eugênia Sá e Vinicius Souza.
2 comentários:
Moriti, obrigado pelos esclarecimentos. Essa história tem muita coisa não dita. Espero que você esteja atrás disso. abs, Fredo Sidarta, SP
Estou investigando, Fredo, atrás de mais informações que, aliás, serão publicadas pelo nosso querido Thiago Domenici nos próximos dias. Obrigado pela leitura.
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