Eu estava na cidade de Lençois para fotografar as belezas naturais da Chapada Diamantina, trabalho que tomou boa parte do meu tempo. Apenas no último dia antes de voltar a São Paulo tive a chance de me aproximar das pessoas desse assentamento.
Não havia placa e nenhuma outra delimitação física capaz de identificar aquele conjunto de casas na beira da estrada BR-242 como uma área irregular. "Os sem terra são gente boa", contou-me um senhor negro de vistosa barba branca apontando o dedo para um ponto distante.
No semi-árido baiano, mais precisamente, na região de Lençois, o direito à terra se torna secundário na ausência da água. Os processos de irrigação são financeiramente inviáveis para grande parte da população pobre, e aquelas casas de pau a pique me pareceream legalmente corretas para um assentamento considerado clandestino.
“Clandestino” não seria a palavra apropriada para descrever o pacato local. Era um segunda-feira, 2 de Julho passado, dia da independência da Bahia, e as crianças estavam em plena euforia do feriado. Brincavam inocentemente, explorando ao máximo as poucas opções de lazer: carrinhos batidos, bicicletas enferrujadas e bolas murchas, além de um pequeno barranco, eram as atrações daquele parque de diversões improvisado.
O Assentamento Tia Ricardina estava numa deliciosa calmaria naquele fim de tarde e lembrando da minha recente experiência nada positiva no Assentamento Pinheirinho, publicadas neste blog, procurei o líder local.
Wiliam era um homem de meia idade, sorridente e tranquilo. Me contava sobre a história pacífica de ocupação da região há 12 anos e a negligência da prefeitura de Lençois com as necessidades básicas daquele povo.
A área fora doação de Dona Ricardina, uma senhora proprietária de muitas terras na região e de muito bom coração. Os cerca de 400 moradores da comunidade não contam com serviços básicos oferecidos pela prefeitura. A água, por exemplo, é coletada num rio próximo, a energia "roubada" dos postes de luz por meio de ligações clandestinas e o esgoto é improvisado com fossas artesanais no fundo das casas.
Me despeço de Wiliam com um caloroso abraço. Ele me diz para andar totalmente despreocupado e me lembra que ali não é São Paulo: "aqui todo mundo se conhece e se respeita".
De fato as taxas de criminalidade de Lençois são uma das menores do violento estado baiano. Outro assentado, de barba longa, apelido Bin Laden, moreno do sol, filho de garimpeiro, e com seus 50 e poucos anos me convida para desfrutar do fumo de corda e do café dos escravos no interior de sua casa de pau a pique.
Aceito. O final da tarde em Lençois resplandece o céu azul numa tonalidade intensa e exclusiva do inverno. Sento ao seu lado num frágil banco de madeira. Minhas lentes descansam no chão de terra batido, esqueço dos problemas da cidade grande, me ponho a fumar e relaxo como há meses não fazia.
Victor Moriyama é repórter fotográfico do Jornal O Vale, em São José dos Campos, cidade que reside atualmente. Mantém a coluna mensal Fotógrafo-escreve.
2 comentários:
É incrível como nosso olhar é diferente. Ou melhor, talvéz nossos olhos só vejam o que realmente nossa ideologia quer ver. Fui a Lençois que é uma cidade Turistica e fui mais longe ainda à Mirorós, onde ví assentamentos rurais, com proução de banana, atemoia, experimento de uva e uma série de outras coisas que me mostravam uma população que passava a ter algo que nunca havia tido na vida nesse nordeste obscuro e abandonado. Ainda não estava bom. Para nossos padrões burgueses urbanos, então, nem se fala. Mas, mesmo diante de uma necessidade econômica, social, e cultural tão grande, nada foi pior para mim do que as ações governamentais impostas ao povo do Pinheirinho, aí perto de onde você está pelo governo do estado de são paulo.
É incrível como nosso olhar é diferente. Ou melhor, talvéz nossos olhos só vejam o que realmente nossa ideologia quer ver. Fui a Lençois que é uma cidade Turistica e fui mais longe ainda à Mirorós, onde ví assentamentos rurais, com proução de banana, atemoia, experimento de uva e uma série de outras coisas que me mostravam uma população que passava a ter algo que nunca havia tido na vida nesse nordeste obscuro e abandonado. Ainda não estava bom. Para nossos padrões burgueses urbanos, então, nem se fala. Mas, mesmo diante de uma necessidade econômica, social, e cultural tão grande, nada foi pior para mim do que as ações governamentais impostas ao povo do Pinheirinho, aí perto de onde você está pelo governo do estado de são paulo.
Rosa Maria C, Horta
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