Em São José, é inevitável a sensação de aumento do desequilíbrio socioeconômico e um grande receio de que o poder público tenha “chegado ao fundo do poço”, como diz o defensor público Jairo Salvador, um dos que defende os ex-moradores do terreno de quase 1 milhão de metros quadrados.
Claro que essa situação tem a ver com as 9,6 mil pessoas, aproximadamente 1700 famílias, desalojadas após a operação policial que mais se assemelhou a uma iniciativa de guerra.
Atualmente, existem ações movidas pela Defensoria Pública que miram, fora as denúncias de prejuízos morais e materiais que cada família teve, os diversos prejuízos causados ao município que vão desde impactos econômicos até danos urbanísticos.
Somente a administração de Eduardo Cury (PSDB), prefeito joseense até 31 de dezembro do ano passado, gastou cerca de R$ 14 milhões em recursos públicos com o caso. Para abrigar as famílias, que passaram por quatro abrigos municipais em 50 dias, foram RS 5 milhões. A lista inclui a reforma de 15 prédios públicos, refeições e o auxílio moradia, no valor de R$ 500/mês para cada grupo familiar. O último item será renovado pela segunda vez e engordará a quantia, totalizando 18 meses de parcelas e invadindo a gestão de Carlinhos Almeida (PT), eleito em outubro passado.
Vale salientar que isso não inclui os gastos do Governo do Estado, que desembolsa parte do auxílio moradia e mobilizou dois mil policias militares para a ação de reintegração.
Dano maior
Contudo, o mais preocupante é que os irreparáveis estragos humanitários à comunidade expulsa e o ônus aos cofres públicos foram resultado de uma intensa mobilização de instrumentos estatais, colocando esferas de poder diversas, estadual e municipal, executiva e judiciária, a serviço de interesses particulares.
Com o surrado discurso do dever de proteção à propriedade privada – em detrimento do direito à moradia e sem mencionar que o proprietário do terreno é um devedor milionário de impostos – os governantes de plantão armaram a estratégia de guerra.
Isso, para empurrar o “inimigo” de um local onde o que predominava era a organização e transferi-lo à miséria e incerteza.
A ação foi militar, só que o “inimigo” era civil, o que evidencia, mais uma vez, além da questão econômica, a ideológica. A “vitoriosa” operação policial reprimiu, humilhou, destruiu moralmente. Assim, dispersou a população mobilizada que lutava pelo direito básico de ter um teto. Pessoas que hoje, em boa parte, dizem um sonoro “não quero mais saber de organização”.
Impressionante o poder de homens como Naji Nahas e outros que o cercam. A capacidade de grupos como o dele em movimentar dinheiro é proporcional ao poder de deslocar a incrível força política-judiciária-policial que dizimou casas e sonhos de milhares naquele 22 de janeiro de 2012.
E as linhas se desenham a cada período em que se retorna a São José dos Campos para a busca de novas informações. E a figura tem face cruel. A tecnologia do terror usada contra populações carentes incluiu desocupar o terreno e empurrar a comunidade até lugares onde haja necessidade de instalação de infraestrutura que beneficie grupos específicos. Investigações não andam. Equipes da Polícia Civil que apuram as responsabilidades são trocadas periodicamente. Ações judiciais se arrastam.
Enquanto isso, pessoas seguem enfrentando obstáculos terríveis. Sem casa própria, algumas dividem pequenas residências, em dois, três grupos familiares, já que a parcela do auxílio moradia não é suficiente para pagar aluguel numa cidade de alto custo de vida. Outras rumaram a municípios vizinhos. Há registros de 20 famílias morando em área de risco interditada pela Prefeitura que, aliás, segundo a Defensoria, as teria levado até ali.
Um ano depois, portanto, o que se vê do Pinheirinho são perspectivas distantes à ex-comunidade. Muito além da solução definitiva para a falta de casas, o que os ainda mobilizados aguardam é a justiça que restabeleceria laços de um sonho coletivo que foi desmoralizado. De forma triste, são observados, em geral, seres humanos desorientados, reféns de um poder que faz desacreditar nas instituições. E que terão que se dedicar não a viver, mas a reconstruir existências.
Em tempo: hoje às 18h, está previsto um grande ato em frente ao terreno do Pinheirinho. A manifestação exigirá desapropriação imediata do local, construção de moradias, reparação de danos e punição aos responsáveis pela operação estatal.
Moriti Neto, jornalista, mantém a coluna mensal Escarafunchar
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.