.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Quelconque



por Júnia Puglia    ilustração Fernando Vianna*

Passados os cinquenta e cinco anos, a pessoa já poderia ter assunto para uma biografia, principalmente se acreditasse que “minha vida daria um livro”. Não sei se a minha daria para mais que umas crônicas, embora eu tenha vivido algumas peripécias, viajado um pouco por esse mundão, conhecido um bocado de gente, casado, parido e criado dois filhos, igual a quase todo mundo. Bem pouco para encher um livro, quanto mais uma bi-o-gra-fi-a, coisa de gente grande.

Nos últimos tempos, me meti a publicar umas mal-traçadas linhas em formato digital, aquele que existe, mas não muito, porque a gente não consegue pegar o texto, nem cheirar, rabiscar ou guardar numa gaveta ou estante. Mas existe, em algum lugar – ou será aqui neste computador? – e chega a algumas pessoas, não sei quantas. Uma tremenda ousadia da minha parte, num território ocupado por muitas feras, cuja lista nem começo a desfiar, para não me sentir ainda mais atrevida. Algumas delas rugem aqui neste mesmo blog, e eu me encolho toda.

Para fazer jus a uma biografia, a pessoa tem que preencher alguns requisitos básicos: cumprir uma longa carreira política, de preferência combinada com a autoria de livros, não necessariamente úteis ou relevantes, tanto a carreira quanto os livros; realizar façanhas incríveis como navegador, astronauta, tenista, geneticista ou alpinista; ganhar muito dinheiro como executiva ou empreendedora, e fingir que revela seus métodos de enriquecimento; ou fazer qualquer outra coisa que a torne uma celebridade, termo amplo e generoso, onde cabe de um tudo, para mal e para bem.

Porém, celebridade alguma merecerá ser biografada se não puder relatar, revirando os olhinhos, como foi sua primeira vez... em Paris. Ainda mais nos últimos anos, em que temos viajado tanto por aí, que já tem colunista com medo de encontrar o porteiro do seu prédio dando um rolé no Champs-Elysées. Désolée.

Na adolescência, quando conhecer a língua e um tiquinho que fosse da cultura francesa era sinal de inteligência e finesse, estudei meu bocadinho de francês. Não só porque o estudo de idiomas sempre me interessou, mas também porque éramos uma turma de alunos muito divertida e animada, que se tornou, para mim, o principal atrativo do curso. Paris, em todo o seu glamour, era um grande assunto entre nós, e rendia muitas fantasias e gargalhadas, pois éramos todos pobres de marré, sem qualquer possibilidade de pisar no Marais.

E, até o momento, tenho falhado neste quesito. Entra ano, sai ano, e nada. Várias pessoas já se prontificaram a me servir de cicerone, sugeriram roteiros; ouvi incontáveis relatos, encantei-me com a cidade em muitos filmes e livros, mas ir lá e verificar tudo pessoalmente, isto ainda não aconteceu. Portanto, continuo sendo quelconque, uma joana-ninguém.

Então, ficamos assim: como não conheço Paris e estou muito longe de ser uma celebridade, não serei biografada. Posso dispensar o advogado e dormir em paz.


*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

5 comentários:

Anônimo disse...

Não. Não terei biografia. Pra quê ? Quando garota, no século passado como vocês dizem, li muitas. O conteúdo sempre depende do ponto de vista do autor. Então, pergunto : qual a fidelidade do que estiver contido ?
Você, Júnia, não precisa de biógrafos. Quem a conhece sabe que você é "uma biografia viva", sem os floreios e adjetivos de nenhum autor, a não ser você mesma.
Beijos da Mummy Dircim

Anônimo disse...

Desculpe-me. Esqueci de cumprimentar o Fernando pela criatividade das ilustrações. Parabéns,
Fernando
Mummy Dircim.

Gisele disse...

Pior eu, que já fui a Paris 3 vezes e nunca consegui me apaixonar pela cidade (ou sequer gostar muito). E aí é aquela decepção, porque com tantos livros e filmes e romances e canções, senti o peso da culpa. Definitivamente o problema não é Paris, o problema sou eu e minhas esquisitces, não é possível, como é que uma suburbana rastaquera como eu tem a empáfia de dizer que Paris está longe de ser uma festa? Vai entender...

Anônimo disse...

já disse e repito: c'est la fin de la piqué!

Nômades pelo mundo. Marina e Edison. disse...

E por que não um livro de ficção mesclado com fatos de sua vida? Concordo a Andrea sobre o título "Nunca em Paris". Bjs

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics