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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Revista Cesárea vem para "subverter o óbvio"


Nascida como “banda de garagem”, revista literária que acaba de surgir propõe resistência e renovação do jornalismo cultural

por Ricardo Viel*

No final de agosto recebi um e-mail de Schneider Carpeggiani (acima, à direita) que dizia assim: “Ricardo, eu estou num projeto de fazer uma revista de literatura pra tablet, a ideia é ver se lanço o primeiro volume dela em novembro como piloto, para ver o mercado. Queria ver se a gente podia conversar sobre esse projeto. Toparia?”. Eu respondi que, se tivesse dinheiro, pagaria para entrar. Três meses depois, a revista está em trabalho de parto. Na próxima quarta-feira, dia 27, a Cesárea – assim se chama – estará à venda nas lojas on-line (nesse primeiro número eu assino um perfil de Daniel Mordzinski, “o fotógrafo dos escritores”).

Schneider e eu não nos conhecemos pessoalmente, mas há mais de um ano trocamos e-mails com frequência. Ele é editor de uma publicação para a qual colaboro, o Suplemento Pernambuco. Do primeiro correio que lhe mandei, em que o chamava de “estimado senhor Schneider Carpeggiani”, até hoje muita água passou debaixo da ponte. Descobri que o editor com nome de personagem histórico tem mais ou menos a minha idade, corte de cabelo moderno – como esses que a juventude de hoje usa, diria minha avó –, que é dj nas horas vagas, e que é um cara simples e cheio de ideias. Nesses meses trocamos impressões sobre jornalismo, literatura e sobre a vida (sobre fracassos, amores e sonhos), e agora estamos ansiosos com a tal Cesárea.

Desde o começo do projeto fiquei curioso para saber como tinha surgido a ideia, quem mais participaria, como seria etc. Até que achei que valia fazer uma entrevista com o Schneider para que mais gente pudesse conhecer a história.

Nota de Rodapé  –  O que é a Cesárea? O leitor pode esperar o que dessa nova revista?
Schneider Carpegianni – Cesárea é uma revista de literatura, a princípio, para iPad, que será vendida trimestralmente na loja da Apple por US$1, 99. Eu não gosto de pensar que a revista vai seguir essa ou aquela linha editorial, apenas parto do princípio de que a base é literatura, ou seja: uma narrativa, real ou não, que subverte o óbvio. Acho que é isso o que me move como editor de texto e a edição de arte de Jaine Cintra (acima, à esquerda), minha sócia. Provavelmente, o segundo número da revista não terá nada a ver com o primeiro, porque pensamos que a edição precisa ser sempre uma espécie de mostra artística, um work in progress. Além da questão dessa raiz literária a revista é pensada a partir da perspectiva de trazer várias vozes e colocar essas vozes diversas de forma horizontal, sem hierarquia para o leitor: nessa edição, por exemplo, temos nomes consagrados como Silviano Santiago, José Castello e outros, ao lado de autores praticamente inéditos. Misturar essas vozes é meio que a nossa pretensão. Acho que é isso o que o leitor poderá esperar a cada três meses: novas visões de um work in progress e um coro heterogêneo falando para ele.

Cesárea é uma revista de literatura, a princípio, para iPad, que será vendida trimestralmente na loja da Apple por US$1, 99. Eu não gosto de pensar que a revista vai seguir essa ou aquela linha editorial, apenas parto do princípio de que a base é literatura, ou seja: uma narrativa, real ou não, que subverte o óbvio. 

NR –  Por que o nome Cesárea?
Cesárea Tinajero é uma personagem do livro “Detetives Selvagens” do Roberto Bolaño, um autor que sou especialista por conta do doutorado que fiz sobre ele. Cesárea desapareceu do mapa e acabou despertando a curiosidade desses detetives selvagens, que acreditam que ao encontrarem Cesárea, encontrarão a salvação na poesia. Bolaño é mestre em criar essas tramas em que somos atraídos por miragens, que seguimos coisas que não se mexem. Acho que em tempos de crise como vivemos, em que todo mundo procura uma solução, uma saída, a metáfora da Cesárea seria perfeita; além disso é um nome próprio, e o Brasil tem tradição de nomes próprios para batizar suas publicações; e esse título também tem razões bem pessoais para mim, na verdade um problema que decidi colocar uma luz neon em cima ao usar o nome Cesárea. Mas a criação é um pouco por aí, sempre.

NR – Como surgiu a ideia da revista? Por que faze-la para plataforma virtual?
A Cesárea surgiu por vários fatores: Jaine Cintra, minha sócia, havia chegado de um ano de curso para publicações para ipad num Portugal corroído pela crise, em que as pessoas estavam desesperadas e pessoas desesperadas do it better, criam soluções; eu estava frustrado após um projeto frustrado com uma revista impressa, que era legal, a ArtFliporto, mas que justamente por ser impressa acabava tropeçando nos problemas das outras, distribuição, falta de controle da editora, essas coisas. Aí juntamos o olhar dela do desespero criativo e a minha criatividade diante da frustração, isso fez surgir a Cesárea. O iPad é a plataforma meio que como o estúdio caseiro, que possibilitou tanta gente a fazer música sem grandes gravadoras. iPad, o tablet, a tecnologia de forma geral é o verdadeiro punk rock: traz independência, ajuda você a fazer as coisas por você mesmo.

A Cesárea é uma forma de resistência, eu não sei ainda se estou resistindo certo, mas estou resistindo. Acho que mais do que um momento de se trazer a verdade absoluta, esse é o momento das pessoas trazerem novas propostas.

NR –  A Bravo! e Sabático morreram. Outros jornais cortaram páginas dos cadernos de Cultura. Criar uma revista literária/cultural numa época dessa é uma forma de resistência?
Eu pelo menos sou de uma geração que é dita migrante, a geração que nasceu no analógico e que vai morrer no digital. Eu não gosto de segurar uma bandeira dizendo: isso é o futuro, tudo acabou e tal. Mas o jornal como é feito hoje em dia é um cadáver em praça pública. Não apenas por conta das notícias que já sabemos na véspera (quando havia só tv nós já sabíamos tudo na véspera), mas por conta de uma certa forma como ele é pensado que datou, esta anacrônico, sobretudo ideologicamente: o jornal ainda quer que a gente acredite que é ele é imparcial. Não existe isenção ou imparcialidade, por favor... A crise no jornalismo é extremamente bem-vinda. Mas estamos no meio dela e não sabemos direito o que fazer com ela, como sair dela, mas é preciso tentar alguma coisa. A Cesárea é uma forma de resistência, eu não sei ainda se estou resistindo certo, mas estou resistindo. Acho que mais do que um momento de se trazer a verdade absoluta, esse é o momento das pessoas trazerem novas propostas. Talvez o futuro seja mais de novas propostas do que de grandes verdades. Se for assim, vou achar ótimo.

NR – Quais as maiores dificuldades que encontrou em colocar em marcha o projeto? Como a revista pretende se financiar? Que significa isso de que funcionará como cooperativa?
Já não é novidade que talvez o futuro do jornalismo seja a cooperativa: um grupo se une e divide os lucros pela venda, como uma grande sociedade; e talvez o futuro seja esse especialização, publicações cada vez mais segmentadas. É arriscado fazer futurologia, mas sem palpite ninguém sai de casa. Todo mundo que participar da Cesárea receberá igualmente uma porcentagem pelas vendas. A diferença vai ser nessa primeira edição, que os primeiros mil downloads serão para pagar o startup do projeto. Como é uma cooperativa, estão todos envolvidos. Eu e minha sócia, Jaine Cintra, tivemos muita sorte porque reunimos alguns dos melhores profissionais do mercado para fazer a revista. Acho que a parte mais difícil vai ser agora, dar continuidade ao projeto, fazer com que ele não morra, ajudar esse projeto a inspirar outras iniciativas semelhantes.

Não é possível hoje em dia ser jornalista sem pensar em design;  ou ser design sem pensar na importância do conteúdo. Uma coisa está atrelada a outra. Acho que isso faz parte da mudança.

NR –  Quem é o Schneider? Quem mais comanda esse barco? 
Digamos que existem Os Cesáreos, algo como uma dupla sertaneja, eu e Jaine Cintra que é diretora de arte e design. Tudo é feito em conjunto, como se fosse um coral, a gente pensa muito parecido em termos visuais e de texto, então é fácil. Não é possível hoje em dia ser jornalista sem pensar em design;  ou ser design sem pensar na importância do conteúdo. Uma coisa está atrelada a outra. Acho que isso faz parte da mudança.

NR –  A Cesárea tem alguma publicação como modelo/inspiração?
Na verdade, é como colocar uma bandeira na lua com essa revista. Em geral as revistas para iPad que tenho observado elas são muito mais de imagem do que texto, o texto é algo meio que decorativo, na verdade as revistas no Brasil de forma geral caíram na falácia de que o leitor quer menos palavras, que quer facilitação, eu não acredito nisso. Com exceção acho que da Piauí as revistas brasileiras têm textos minúsculos, e como nem todo mundo sabe a força de ser sintético, o material acaba ficando superficial. A ideia é justamente fazer uma revista com muito texto, muita palavra, nosso material é literatura, então precisávamos ver como a palavra em si vai se adequar ao universo do tablet.

Tenho muita sorte porque Jaíne Cintra, minha sócia, é genial em transformar o óbvio e o simples em coisas surpreendentes e perturbadoras – na verdade isso é um pouco o que a própria literatura faz, não? 

NR –  O fato de ser virtual significa algumas limitações em relação a uma publicação impressa, mas ao mesmo tempo uma enormidade de vantagens, a começar pelo custo, não é? Tentarão explorar alternativas multimídias?
Eu gosto de dizer que a Cesárea é um projeto punk-rock por excelência. O punk dos anos 70 colocou um pouco isso: você não precisa ser um exímio cantor ou um grande músico para fazer música, você precisava simplesmente fazer. A tecnologia atual, que tanto está afundando as grandes corporações, é punk: qualquer um pode fazer sua revista, seu livro e tal. A revolução digital é muito mais aguda que aquela dos anos 1960, que a gente olha de forma tão romântica, sobretudo porque não vivemos aquele momento. Eu sentia a falta da literatura, do texto da literatura, de entrar nesse universo, é como se a literatura estivesse meio vivendo à margem dessa mudança, o que é uma bobagem, afinal o século 21 é o século da palavra, como o século 20 foi o da imagem. É a palavra que norteia tudo o que fazemos. A Cesárea ainda é, em termos de multimídia, simples. Precisamos de mais recursos. Mas é um work in progress. Nesse primeiro número, por exemplo, há um leitura arrepiante de Luis Henrique Pellanda de uma crônica dele; no segundo número, haverá mais recursos multimídia. Tenho muita sorte porque Jaíne Cintra é genial em transformar o óbvio e o simples em coisas surpreendentes e perturbadoras – na verdade isso é um pouco o que a própria literatura faz, não? Nós temos também uma página no Facebook para divulgar a revista e também notícias de literatura que tenham a ver com o tom da Cesárea e também uma página no mixcloud onde iremos disponibilizar mixtapes para os leitores. O bom de trabalhar nesse tipo de plataforma é justamente oferecer essas outras coisas, que não são necessariamente enfeites da literatura; o problema é que temos ainda uma visão muito restrita do que implica a palavra literatura.

NR –  Só quem tem iPad poderá ler a revista? Como se compra?
A princípio sim, porque até então é a plataforma das empresas que trabalham com revistas desse tipo no Brasil. Mas a partir do ano que vem a revista deve passar para outras plataformas. O leitor poderá comprar a Cesárea na loja da Apple por US$ 1, 99, o valor médio de um app.

 

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