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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

De vida e morte


por Júnia Puglia   ilustração Fernando Vianna*

Morrer passa logo, viver é que às vezes parece pra sempre. Palavras do Duarte, parceiro da Maria Moura no faroeste caboclo de Rachel de Queiroz. Para quem vivia sob fogo cruzado, disputando terras nos cafundós do Brasil imperial, a morte era uma possibilidade concreta em cada arbusto, cada pedra, cada dobra de coluna. Ainda o é para quem até hoje disputa terras nos cafundós do Brasil, como os índios, tentando preservar um restinho da enormidade que a civilização lhes tomou. Poucas palavras são tão cínicas quanto “civilização”.

Não me lembro de já ter vivido algum perigo de morte iminente. Ouço contar que, recém-nascida prematura e muito frágil, alimentei durante alguns meses em minha família o temor de não vingar. Disto não tenho memória consciente, confio no que me contam.

Pensando bem, aconteceu, sim, quando eu viajava num avião que sofreu uma pane sobre o Atlântico e teve que fazer um pouso de emergência. Até que pousasse em segurança, foram quase duas horas de pensar que talvez não chegássemos ao chão vivos. Um silêncio espesso e profundo se fez naquele grande avião lotado, cada passageiro e cada tripulante curtindo o medo e a expectativa em sua própria língua interior.

Quanto mais o tempo passa, mais sinto a vida como um acaso, um inesperado que se renova o tempo todo. Ninguém quer a morte, só saúde e sorte, confirmou mestre Gonzaguinha no samba famoso. Até os quarenta anos, somos todos imortais. A partir de um certo momento, a danada começa a se infiltrar no juízo da gente, de mansinho. Atualmente, tento vê-la com a naturalidade que ela requer. Se não temos saída, não adianta fazer drama, esconjurá-la ou fingir que não vai acontecer. Mas é ela lá, e eu cá. Por enquanto, nada de intimidades.

Vida e morte se encontram também na comédia, como no delicioso e destrambelhado seriado “Pé na cova”. Na vida real, gosto muito da história da minha amiga que, estando numa rápida viagem a trabalho, decidiu esticar mais um dia, para acompanhar outra amiga, que havia perdido uma pessoa da família. Foram juntas tomar todas aquelas providências de praxe. Sua única muda de roupa trazida de casa já estava em uso, e a correria era grande. A caminho do velório, passaram as duas pela casa da falecida em busca de algum documento. Encontraram no armário um tesouro: calcinhas novas, dentro da embalagem. Se você está desacreditando que uma delas foi imediatamente vestida na visitante, acredite já! Pois foi. Mais uma para o inesgotável anedotário de velórios e enterros, que teria feito a morta em questão se acabar de rir. Quem nunca riu de uma boa história de morte?

Viver é que às vezes demora, como disse o Duarte lá no primeiro parágrafo. Por isso acho tão necessário espantar a banalidade e tratar de se entender com a vida. Estou tratando.

* * * * * *

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vestir a calcinha é também um sinal de carinho, pela vida, pela amiga. Só sei que foi assim... beijos, a amiga-da-amiga ;)

Anônimo disse...

Ainda bem que você tratou do tema tão pesado com leveza de palavras e, certamente, de coração. Fez-me lembrar dos dias penosos que passamos, há anos, pedindo a Deus por sua vida e, pela graça e misericórdia do Pai, você está aqui, bem viva,enchendo-nos de graça e formosura com suas citações.
É apreciável a delicadeza e até a leve ironia que você consegue inserir quando fala de assunto tão sério.Mas......para lá caminhamos todos nós.
Vida abundante para você. Continue preenchendo com sua vitalidade os vãos de nossa vida.
Beijos da Mummy Dircim

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